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Sali Hafiz assaltou um banco em Beirute para resgatar o dinheiro para o tratamento de câncer da irmã.
Sali Hafiz assaltou um banco em Beirute para resgatar o dinheiro para o tratamento de câncer da irmã.| Foto: Reprodução/ Twitter

Em pouco mais de um mês, dois assaltos a bancos foram feitos no Líbano por pessoas que queriam sacar o próprio dinheiro bloqueado nas agências. Na quarta-feira (14), uma mulher organizou um assalto armado com amigos para retirar o dinheiro da família e pagar o tratamento de câncer da irmã. Ela publicou momentos da ação nas redes sociais e foi elogiada pela atitude. 

"Meu nome é Sali Hafiz e vim recolher os depósitos da minha irmã que está morrendo no hospital", diz ela no vídeo. "Não vim para matar ninguém ou iniciar um tiroteio. Vim reivindicar meus direitos", acrescenta. 

Uma outra mulher que aparece no vídeo afirma ter resgatado mais de US$ 13 mil (pouco mais de R$ 67 mil na conversão atual). Um homem também carregava o que pareciam ser maços de notas enroladas em plástico. 

Em agosto, um libanês assaltou um outro banco em Beirute com uma arma, para retirar parte dos US$ 200 mil (quase R$ 1,48 milhão) em ativos congelados e pagar as contas do pai doente no hospital. O homem foi preso, mas rapidamente liberado. Em janeiro, outro cliente deteve dezenas de pessoas no Leste do país depois de saber que não poderia sacar suas economias em moeda estrangeira.

Limite de saque e dólares bloqueados

O governo limitou os saques ao equivalente a 2 mil reais por mês, porque o Líbano passa por uma desvalorização da moeda. Em dezembro de 1997, a taxa de câmbio foi fixada em 1507,5 libras libanesas por dólar americano. No entanto, desde a crise econômica de 2019, o câmbio a essa taxa geralmente não está disponível e um mercado informal de moedas se desenvolveu com taxas de câmbio muito mais altas. A crise econômica foi reforçada pela pandemia de Covid-19 e pela explosão do Porto de Beirute em 2020.

"O Banco Central do Líbano sofre uma crise de liquidez e contraiu empréstimos para pagar outros empréstimos. O governo não consegue gerar dólares com exportações e, assim, também não consegue importar. É uma situação calamitosa", comenta Andrew Traumann, doutor em História e professor de relações internacionais do UniCuritiba. 

Como consequência, o país tem um dos menores salários mínimos do mundo, girando em torno de 30 dólares por mês. Também faltam medicamentos, combustíveis e eletricidade. "Historicamente, o Líbano tem problemas no fornecimento de energia, mas os cortes de luz, que chegavam a 3 horas por dia, hoje duram de 12 a 22 horas", conta Traumann.

Crise sanitária

Essa situação resulta também em insegurança alimentar, uma vez que, sem eletricidade, os alimentos não podem ser bem conservados. Intoxicação alimentar se tornou uma enfermidade comum no país. 

Os hospitais estatais também não conseguiram garantir os custosos tratamentos contra o câncer e o sistema de saúde entrou em colapso. 

Traumann ressalta que o número de pessoas tentando sair do país aumentou 73% no último ano. Libaneses recorrem a navios clandestinos para tentar atravessar o Mediterrâneo, passam por acidentes ou caem nas mãos de coiotes, que cobram grandes valores para o serviço de travessia sem segurança.

Insegurança política

Não bastasse a crise econômica e sanitária, o Líbano está vivendo, mais uma vez, uma forte polarização entre forças libanesas cristãs e o Hezbollah no Parlamento eleito em maio deste ano. O país também é influenciado diretamente pelo contexto geopolítico na região, sendo afetado pelas negociações sobre a energia nuclear iraniana e pelos confrontos entre Israel e Irã.  

O Líbano está no meio de dinâmicas conflitantes que o ultrapassam, mais uma vez, em sua turbulenta história. Enquanto isso, os Estados Unidos relaxaram o apoio ao país e, desde que explodiu a guerra na Ucrânia, o Líbano perdeu espaço na agenda internacional como um todo. 

Apesar do diagnóstico claro de que o país está numa crise generalizada, as autoridades começam a revelar que não encontram saída. 

"Se não agirmos muito rapidamente, a situação econômica e social já catastrófica ficará ainda pior”, disse o vice-primeiro-ministro do país, Saadé Chami, ao jornal francês Le Figaro

Chami também é economista e o responsável do governo pelas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele apontou que as perdas no setor financeiro libanês atingiram um valor inédito: 72 bilhões de dólares (3,5 vezes o PIB do país). 

"Se toda a riqueza produzida anualmente por todos os libaneses fosse inteiramente destinada a preencher essa perda, o país levaria três anos e meio para chegar lá", explicou. 

"Há pouca liquidez no sistema e, nesse ritmo, ela se esgotará até o final do ano”, lamentou Chami. Apesar do descontentamento social, segurar os dólares da população nos bancos foi a saída que o governo encontrou três anos atrás para tentar aumentar a liquidez e fazer a máquina girar. Mas ela ainda não se movimentou.

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