Em 1545, o italiano Girolamo Cardano foi acusado de roubar o segredo da solução das equações de terceiro e quarto grau do matemático Niccolò Tartaglia, que, dois anos antes, teria ele próprio publicado como sua uma tradução de Arquimedes. Seriam estes vícios de uma ciência recém-saída das trevas medievais? Para a psicologia, a resposta é não. Longe de desaparecer ao longo dos séculos por meio do desenvolvimento da consciência ética, o plágio seria uma atitude entranhada no cérebro humano.
Um indício de sua permanência entre nós foi dado com o afastamento, na última segunda-feira, do vice-diretor da Fundação Universitária para o Vestibular da USP (Fuvest), o físico Nelson Carlin Filho. Há duas semanas, ele recebeu moção de censura ética da reitoria da universidade porque artigos científicos assinados por ele e pelo diretor do Instituto de Física, Alejandro Szanto de Toledo, continham trechos plagiados de um terceiro colega do mesmo instituto, Mahir Hussein. Os físicos negam o plágio, alegando um erro de referenciamento (citação de outro autor).
Sem se referir especificamente a esse caso, o professor de neurociência da PUCPR, Naim Akel Filho, afirma que as raízes do plágio, hoje como no passado, estão numa espécie de atrofia da racionalidade comportamental. "Somos criados para copiar, e a maioria das pessoas não desenvolve a razão. Continua influenciada pelo emocional", diz.
Agravantes
Se a propensão a imitar continua a mesma ao longo dos séculos, a rápida circulação da informação científica fornece hoje mais oportunidades de plágio, com o "copiar e colar" de trechos de artigos científicos na internet. Ao mesmo tempo, a própria web se tornou um meio eficaz para desvendar plagiadores. Basta uma busca de um trecho de um artigo ou livro em ferramentas como o Google Book Search, que torna disponível obras em formato digital on-line, para descobrir se ele é ou não inédito.
Para o editor dos anais da Academia Brasileira de Ciências, o paleontólogo Alexander Kellner, um fator que hoje tem ajudado para o aumento do casos de plágio é a pressão por produtividade. "É o efeito padaria", diz ele, comparando a produção de artigos acadêmicos ao pão fresquinho de toda hora. "A pesquisa não funciona assim. Uma hipótese pode ou não ser comprovada. A necessidade de se ter um resultado sempre é um problema."
Alguns respondem a essa pressão dando um olé na ética. "Eu reclamo bastante de que muita coisa que alguns pesquisadores da minha área publicaram foi com base em dados meus ainda não publicados. Uma vez submeti um artigo ao revisor de uma revista, que sugeriu que o trabalho não fosse aceito e acabou publicando na minha frente", diz o professor titular de bioquímica da Unicamp, Anibal Vercesi.
Nesses casos, em que a pesquisa plagiada ainda não havia sido publicada, é difícil conseguir provas. Um caso que obteve grande repercussão foi o da descoberta do vírus da aids.
Na década de 80, o norte-americano Robert Gallo foi acusado de se apropriar de vírus do laboratório do francês Luc Montagnier, já que o DNA das amostras era similar. A polêmica nunca foi esclarecida. Mas, na última segunda-feira, a premiação de Montagnier com o Nobel de Medicina pôs um fim à questão. Montaigner divulgou nota em que disse considerar Gallo também merecedor do prêmio; o americano, por sua vez, se disse gratificado.
Punição
Normalmente, um caso de plágio rende uma sindicância da universidade em que ocorre, sem muito alarde externo. A exposição do caso depende da vontade de quem foi plagiado.
A decisão de recorrer à Justiça implica uma séria dor de cabeça, conforme o economista Wagner Menezes. Só depois de três anos ele soube que tabelas de um livro seu foram reproduzidas por pesquisadores de uma universidade do Canadá sem conceder-lhe o devido crédito.
Agora, o material passa por uma analise técnica que determinará a extensão do plágio. Depois, ele poderá entrar na Justiça pedindo reconhecimento e ressarcimento financeiro. "Fiquei muito chateado porque levei mais de 20 anos para conseguir as informações."
Um julgamento que ficou conhecido foi o do escritor Dan Brown. Em março do ano passado, o Tribunal de Apelação de Londres rejeitou acusação de que ele haveria cometido plágio em O Código da Vinci. Dois dos três autores de The Holy Blood and the Holy Grail (1982), os historiadores Michael Baigent e Richard Leigh, recorreram à Justiça britânica afirmando que ele havia baseado o romance em suas pesquisas. Após análise técnica, ele foi inocentado. "Juridicamente, ele não cometeu violação", explica o professor de direito da UFPR, Sérgio Staut Jr.
Casos judiciais sobre plágio científico se baseiam na lei 9.610/ 98, que trata do direito autoral. A pessoa pode contestar a perda de patrimônio, como no caso da perda de remuneração devida ao plágio, ou fazer uma queixa moral, já que existe um vínculo indissolúvel entre o autor e sua obra.
Quando há condenação, é o juiz quem decide de quanto será a indenização financeira. Mas quem mais perde, em todos os casos, é o conhecimento. "A desconfiança prejudica muito o conhecimento científico porque as pessoas têm medo de cooperar", diz Vercesi.



