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Crianças iraquianas se refrescam saltando no rio Tigre das ruínas de um prédio, em Bagdá | Hadi Mizban/AP
Crianças iraquianas se refrescam saltando no rio Tigre das ruínas de um prédio, em Bagdá| Foto: Hadi Mizban/AP

Ao meio-dia, a luz que reflete do concreto parece lavar tudo, como uma fotografia com excesso de exposição.

Ficar parado por mais de um minuto no sol produz suor no corpo inteiro.

Mesmo depois que anoitece, quando a temperatura diminui dos 50°C para talvez 42°C, o calor em Bagdá parece uma coisa viva. Ele se prende a cada contorno do corpo, apertando-o.

O Iraque tem estado quente mesmo pelos seus próprios critérios. Levando em conta todas as condições, o Weather Channel calculou que no dia mais quente deste verão em Bagdá a sensação térmica era de 70,5°C.

A situação levou iraquianos às ruas de todo o país, em protestos que culpavam a corrupção no governo pela falta crônica de eletricidade, que desliga os climatizadores de ar e os ventiladores durante a maior parte do dia.

Talvez lembrando que os iraquianos derrubaram dois governos em pleno verão, em 1958 e 1968, o primeiro-ministro Haider al-Abadi advertiu que sem soluções rápidas o governo enfrentará “sentimentos revolucionários”.

No entanto, qualquer impulso de rebelião deve superar o instinto concorrente de se entregar ao calor.

Os iraquianos se referem a este mês como “agosto incandescente” —em árabe “ab al-lahab”— e o passam fazendo o mínimo possível.

Ao redor da rua Rasheed, no centro de Bagdá, em uma tarde recente, os poucos que se aventuraram a sair a pé mantinham-se nas calçadas, à sombra das arcadas com colunas.

As pessoas corriam pela rua esbranquiçada pelo sol evitando obstáculos como uma carroça puxada por burro, pessoas que esperavam para comprar barras de gelo ou um homem completamente vestido embaixo de um chuveiro.

O chuveiro, espirrando água morna que parecia gelada na sombra tórrida, foi instalado diante de uma loja de celulares pertencente a Ziad Abdelhalim.

No Iraque, a temperatura chegou a 50 graus em meio a frequentes cortes de energia elétrica e a população se refresca com água, que é barataAhmed Saad/Reuters

“Os clientes passam por aqui só para usá-lo”, disse o proprietário, de 42 anos, molhado depois de meter a própria cabeça embaixo do jato.

Ele disse que o chuveiro foi especialmente concorrido durante o Ramadã, que neste ano ocorreu em junho e julho. O jejum no mês sagrado proíbe que os praticantes bebam água durante o dia, mas não que se molhem.

“Temos dois rios —muita água”, disse Abdelhalim, indicando com um gesto o Tigre, a poucos quarteirões de distância, e o Eufrates mais a oeste.

Na verdade, os rios que fizeram da Mesopotâmia o berço da civilização também estão ameaçados pela seca e por disputas pela água rio acima.

No entanto, as contas de água são tão baixas que o custo é desprezível para os iraquianos, que em épocas como esta costumam tomar de três a quatro chuveiradas por dia. Isto é, se tiverem sorte. Se seus canos e caixas d’água estiverem sob o sol, a água sairá da torneira “uma mistura de quente e fervente”, como disse um iraquiano.

Não longe do chuveiro de Abdelhalim, uma menina com uma blusa cor-de-rosa despejava água de uma xícara em seu peito. Depois encostou-se preguiçosa em seu pai, Haytham Qahtan.

Qahtan, 36, ganha a vida dirigindo um riquixá motorizado. Ele contou que recentemente ficou parado em um congestionamento de trânsito, fervendo ao sol, até que seu veículo quebrou.

Acabou tendo de pagar uma multa maior do que seu ganho de um dia.

O dinheiro é crítico. Ele paga US$ 100 por mês pela energia de um gerador. Nem todos os iraquianos podem se permitir um gerador, e a maioria, como Qahtan, consegue pagar eletricidade suficiente para manter apenas um ventilador ou climatizador, que resfria o ar por meio de evaporação da água. Um verdadeiro ar-condicionado está fora de questão.

Como Qahtan tem um apartamento, sua família não pode recorrer ao hábito secular dos iraquianos de dormir sobre a laje do teto. Depois de semanas de calor, ele disse que está no limite.

O calor não é novidade para os iraquianos, é claro. O que é relativamente novo é a modernização e a guerra que em algumas gerações transformaram a cidade de casas baixas e jardins murados com tijolos em uma extensão de prédios de apartamentos e muralhas de concreto, que exigem resfriamento artificial de uma rede elétrica inconfiável.

Acima da rua Rasheed, uma teia de aranha de cabos é testemunha de décadas de improvisação. Há muito tempo fragilizada por anos de sanções e má administração, a rede de energia foi destruída depois que os Estados Unidos invadiram o país em 2003 e não impediram o saque da infraestrutura.

Ataques de rebeldes, que não pararam desde então, continuam a danificá-la.

“A invasão fez o Iraque regredir 20 ou 30 anos”, disse Abdelhalim, acrescentando que o atual governo é pouco melhor que a ocupação americana.

“Este governo não será tirado por protestos. Só pela força.”

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