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Erdogan questiona tribunal que condenou militares

Polícia usa gás lacrimogênio durante manifestações no mês de fevereiro em Ankara, depois que o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan acusou seus inimigos de inventarem provas em uma investigação de corrupção | Umit Bektas/Reuters
Polícia usa gás lacrimogênio durante manifestações no mês de fevereiro em Ankara, depois que o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan acusou seus inimigos de inventarem provas em uma investigação de corrupção (Foto: Umit Bektas/Reuters)

A série de julgamentos sensacionais que abalou as Forças Armadas turcas nos últimos anos conquistou o que muitas pessoas veem como o legado mais importante da mais de uma década de governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan: enviar o Exército de volta para a caserna e diminuir seu poder político.

Contudo, Erdogan começa a reconhecer o que diversos especialistas afirmam há muito tempo: os julgamentos foram uma fraude. Ele voltou atrás porque os mesmos promotores que acusaram os militares com evidências falsas estão agora atrás do primeiro-ministro.

Um especialista descobriu que um documento que exibe os detalhes de um plano de golpe foi escrito com uma versão do Microsoft Office que ainda não existia no momento em que o golpe teria sido planejado pelos militares. Algumas das autoridades que afirmaram ter participado de uma reunião para o planejamento do golpe de Estado estavam, na verdade, em Israel, na Inglaterra ou em mar aberto.

Ainda assim, essas e outras evidências duvidosas foram consideradas suficientes por um tribunal para a condenação de centenas de autoridades militares e de outros funcionários do governo, acusados de conspiração para derrubar o partido de base islamista de Erdogan, o Partido Justiça e Desenvolvimento, conhecido pelas iniciais turcas AKP.

Mas agora, à medida que uma intensa investigação de corrupção se concentra no próprio Erdogan e em seu círculo mais próximo, sua estratégia para sobreviver politicamente é desmentir os julgamentos militares. A alegação mais sensacional da investigação contra o primeiro-ministro surgiu no mês passado na forma da gravação de uma ligação telefônica que apareceu no YouTube, exibindo detalhes de uma conversa em que Erdogan, preocupado com a investigação, instruía o filho a esconder dezenas de milhões de dólares.

Os assessores de Erdogan publicaram um comunicado que afirma que a gravação "é o produto de uma montagem imoral e completamente falsa".

Muitos dos promotores e investigadores de ambos os casos – a de corrupção, contra o primeiro-ministro, e os processos contra os militares – são seguidores de Fethullah Gulen, um sacerdote islâmico que vive no exílio na Pensilvânia. As pessoas que pertencem a sua rede já foram apoiadoras da coalizão do governo de Erdogan, mas agora o governo os considera um "Estado paralelo" que deve ser expurgado por meio da polícia e do sistema judiciário.

Yalcin Akdogan, conhecido por falar em nome do primeiro-ministro, afirmou que os casos contra os militares são "um complô contra as Forças Armadas do próprio país", e que agora estão sendo replicados durante a investigação de corrupção contra o governo.

Sob pressão do governo, os legisladores turcos votaram recentemente pelo fim dos tribunais especiais, nos quais os oficiais das Forças Armadas foram julgados, o que representa um passo importante em direção a novos julgamentos. Variações desses tribunais, criados com base em leis antiterrorismo, existem na Turquia desde os anos 1970. Eles operam sob regras especiais que permitem testemunhas secretas e escutas telefônicas que não seriam aceitas em tribunais convencionais.

Analistas legais afirmam que isso os torna mais vulneráveis à manipulação. "Os tribunais são especialmente criados para que o governo utilize as forças jurídicas contra seus oponentes políticos", afirmou Metin Feyzioglu, diretor da Associação Legal da Turquia. "Eles conseguiram eliminar os militares da política", mas "essa não foi a maneira correta de fazê-lo".

Nil Kutluk, filha de um almirante da marinha que está preso, afirmou: "Não creio que as alegações de corrupção devam ser encobertas, mas, pessoalmente, não há nada mais importante para mim do que a saída do meu pai e de qualquer outra pessoa inocente da prisão o mais rápido possível".

Ainda não se sabe se as acusações são justificadas ou não, mas as investigações de corrupção revelaram a influência do movimento de Gulen no Estado turco; algo que muitos suspeitavam, sem conseguir provar.

Quando as investigações de corrupção se tornaram públicas, Gareth Jenkins, jornalista e analista político na Turquia, afirmou que percebia diversas similaridades com as táticas adotadas na investigação militar: os mesmos promotores, o uso de batidas simultâneas nas casas e nos escritórios dos suspeitos, uma campanha de difamação na imprensa afiliada ao Gulen, e o vazamento de gravações telefônicas ilegais.

"Logo que vemos essas características, já dá para perceber que é o mesmo grupo trabalhando por trás disso", afirmou.

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