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Barris de xarope da reserva da federação | Christinne Muschi/The New York Times
Barris de xarope da reserva da federação| Foto: Christinne Muschi/The New York Times

O caminho estreito e pitoresco que passa pela propriedade de Robert Hodge é cercado de tubulações plásticas que recolhem a seiva de doze mil árvores. A trilha dá em uma cabana que contém bombas de osmose reversa usadas para apurar o líquido obtido. Um evaporador de aço inoxidável, mais ou menos do tamanho de um caminhão, conclui a conversão do fluido no xarope conhecido como “maple syrup”.

Só está faltando uma coisa ali: o produto final.

Durante várias semanas, seguranças contratados pela Federação de Produtores de Maple Syrup de Quebec (FPAQ, na sigla em francês) vigiaram a propriedade de Hodge. Então, simplesmente confiscaram nove toneladas do produto, o equivalente à produção anual inteira de Hodge, no valor de 60 mil CAD, ou quase R$ 167 mil.

O incidente faz parte de uma briga cada vez mais acirrada da FPAQ com produtores como Hodge, que infringem a lei ao não participarem do sistema rígido de produção e venda da federação.

“Ainda bem que não tenho 35, 40 anos, senão pegava todo o meu equipamento móvel e ia para os EUA –ah, com certeza, mas faria isso num minuto”, diz ele, que tem 68.As árvores de Quebec produzem mais de 70% do suprimento mundial de maple syrup. A federação, por sua vez, usa esse domínio para restringir o fornecimento e controlar os preços.

Na verdade, a FPAQ não passa de um cartel, só que aprovado pelo governo da província e com o respaldo da lei. A federação é inclusive chamada de “Opep do maple syrup” por seu diretor-executivo, Simon Trépanier.

Em 1990, a FPAQ passou a ser o único atacadista da produção quebequense e, em 2004, ganhou o poder de decisão sobre quem produz o xarope e em quais volumes.

Em 2012, US$ 18 milhões em maple syrup foram roubados da reserva estratégica da FPAQ, um galpão usado para armazenar o excedente do produto. A polícia prendeu mais de vinte pessoas pelo golpe, sendo que a primeira deve ser julgada agora em novembro.

Quando a FPAQ suspeita que alguém está vendendo fora do sistema, contrata vigias para monitorar sua propriedade. Além disso, multa produtores e compradores que não seguirem suas regras. Nos casos mais extremos, confisca os lotes. E não mostra um pingo de pudor.

“Setenta e cinco por cento de nossos membros estão satisfeitos ou muito satisfeitos como o nosso trabalho. Eles vivem do que produzem. Possibilitamos uma renda estável”, afirma Trépanier.

Robert Hodge foi multado por vender maple syrup diretamente a compradoresChristinne Muschi

Por sua vez, Hodge diz que os proprietários deveriam poder definir seu volume próprio de produção e vender diretamente aos grandes compradores.

“Chamam a gente de rebelde, dizem que estamos travando uma guerra do açúcar e sei lá mais o quê”, lamenta Hodge, em sua fazendo em Bury.

Séculos atrás, quando a maioria das famílias do Quebec vivia na zona rural, a retirada da seiva das árvores e sua transformação em xarope era uma necessidade, garantindo o açúcar para o ano inteiro a um preço mínimo. Depois da Segunda Guerra Mundial, porém, o processo se tornou mais uma tradição, ainda que extremamente trabalhosa.

O desenvolvimento da tubulação de plástico, nos anos 1970, permitiu aos agricultores a exploração de um número maior de árvores e, consequentemente, o aumento da produção — só que a nova tecnologia não solucionou a economia dúbia do setor.

O fluxo de seiva só jorra quando a temperatura do ar chega perto de 0°C e acaba com os primeiros sinais de calor; prever a duração desse período altamente variável – e, consequentemente, o nível da produção –, é simplesmente impossível. Em 2003, a maioria dos membros da FPAQ aprovou a compulsoriedade de cotas de produção. Nesse sistema, os preços subiram para R$18/kg pelos xaropes de qualidade superior, em relação aos R$13/kg de 2004.

“Virou uma indústria, um meio de ganhar dinheiro. Tenho um vizinho que tem 45 mil fontes; só faz isso agora. Vive para fazer xarope”, comenta Benoit Faille que, além de investir no produto, ainda planta maçã e mirtilo com o irmão em Franklin. Benoit apoia a federação.

“Agora você pode até pedir financiamento para comprar uma operação de fabricação de xarope. As pessoas sabem que o preço é protegido e que a venda de sua produção está garantida.”

Já os compradores de maple syrup reclamam da federação e de seus preços.

Os críticos alegam que a situação pode fazer com que compradores e produtores insatisfeitos se mudem para a província vizinha de New Brunswick e Vermont, nos EUA. Ou forçar o consumidor a usar a versão artificial do xarope.

Hodge reconhece que está infringindo a lei –tanto que, quando o sistema centralizado de cotas e vendas foi introduzido, continuou a vender diretamente a um comprador de Ontário.

A princípio, a operação passou despercebida, mas uma parte do terreno que ele arrendava para suplementar a sua propriedade foi vendida em 2008, e o novo dono entrou em contato com a federação para saber qual era a cota –e aí o esquema foi descoberto.

Na visão de Hodge, as restrições estão prejudicando o crescimento da indústria do Quebec. Para ele, é menos burocrático e mais barato para os compradores ir a Vermont ou New Brunswick.

“Bom, eu não aceito o sistema porque não tem essa de não poder vender meu produto. Eu fiz, é meu. Eu comprei a terra, me dediquei, fiz todo o trabalho”, diz.

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