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Paquistão ganha uma nova língua

Com uma língua nacional, o urdu, quatro provinciais (sindi, punjábi, pashtu e balúchi) e quase 300 dialetos regionais, a diversidade linguística do Paquistão é como um belo tapete entremeado com fios antigos e novos.

As línguas regionais se desenvolveram ao longo de milhares de anos, e o urdu chegou no século 12 do noroeste da Índia. Então, em 1947, o inglês foi convertido em língua oficial, como legado do domínio britânico da Índia.

Agora, um grupo de educadores pretende acrescentar mais uma língua a essa lista: a Língua de Sinais do Paquistão.

Existem escolas para surdos no Paquistão desde a década de 1980. Uma das maiores em Karachi é a Escola e Faculdade Absa para Surdos, onde foram feitas as pesquisas iniciais para o desenvolvimento da Língua de Sinais do Paquistão, ou PSL, como ela é conhecida aqui. Uma Associação de Surdos do Paquistão, com filiais em várias cidades, foi criada em 1987, época em que os surdos no Paquistão não eram apenas incompreendidos: com frequência, eram rejeitados por pessoas que os consideravam mentalmente deficientes ou incapazes.

Na mesma década, o americano Richard Geary Horwitz e sua mulher, Heidi, das Filipinas, se mudaram da Índia para o Paquistão e acrescentaram uma nova dimensão à educação para os surdos.

Eles são pais de um menino que nasceu surdo e há anos trabalhavam com surdos nas Filipinas e em Nova Déli. Enquanto visitavam Karachi em 1984, foram informados que seus vistos para a Índia tinham expirado e que não seriam renovados.

Então eles permaneceram no Paquistão e lançaram um programa chamado Deaf Reach numa pequena sala de aula, com 15 crianças das favelas de Karachi e seu filho, Michael. A partir desse programa nasceu a Fundação de Serviços Educacionais para a Família, rede de sete escolas que hoje se estende por Karachi, Hyderabad, Rashidabad, Sukkur e Nawabshah, na província de Sindh, além de Lahore, na província de Punjab.

Hoje as escolas Deaf Reach do Paquistão educam quase mil alunos, e programas adicionais da fundação oferecem ensino vocacional e técnico, treinamento para pais e formação de professores.

É claro que não é o bastante.

Há 1,25 milhão de crianças surdas no Paquistão, e as escolas Deaf Reach educam apenas uma pequena parcela. Mesmo assim, o projeto é um sucesso quando comparado à paisagem educacional árida do país. Afinal, é uma rede sem fins lucrativos com um currículo próprio que leva ensino de alta qualidade a uma comunidade especializada. Empresas paquistanesas e fundações humanitárias estrangeiras vêm fazendo doações generosas, e a Usaid (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional) doou US$ 250 mil no ano passado para ajudar a construir a escola Deaf Reach em Rashidabad.

Uma revolução emocional e social é visível todos os dias nas escolas Deaf Reach. Os alunos não são tratados como “especiais”, mas como normais. A única coisa que diferencia uma sala de aula da Deaf Reach é que as aulas acontecem em silêncio total. Os alunos e seus professores —metade dos quais são surdos, eles próprios— se comunicam na língua de sinais, um balé gracioso de mãos sincronizadas com lábios em movimento e expressões faciais.

Uma das chaves do sucesso das escolas é a invenção da PSL. A outra é o uso de mídias digitais.

Uma língua de sinais indo-paquistanesa comum estava em uso no subcontinente muito antes dos anos 1980, mas muitas palavras e conceitos em urdu e outras línguas regionais não faziam parte dela.

A PSL nasceu dessa necessidade, mas no final dos anos 1990 os livros e manuais desenvolvidos pela escola Absa foram vistos como superados e deixaram de ser impressos. Assim, a Fundação de Serviços Educacionais para a Família trabalhou com instrutores de surdos em Punjab e Sindh e com Rubina Tayyab, a diretora da Escola Absa, para desenvolver um novo léxico on-line que hoje contém 5.000 palavras e frases.

Em seu site na internet, um novo vídeo a cada dia mostra homens, mulheres, meninas e meninos “dizendo” uma frase na língua de sinais, sendo seu significado repetido em inglês e urdu.

As ferramentas on-line são acompanhadas por um livro, um CD e um aplicativo para celular. Computadores e televisores têm lugar de destaque nas salas de aula.

As ferramentas da PSL gravam três línguas ao mesmo tempo (urdu, inglês e PSL) no cérebro dos alunos. Além disso, possibilitam a familiares e a outros aprender a PSL.

Dez mil cópias do dicionário e dos DVDs da organização foram distribuídas em todo o país.

O próximo passo será o envio de “líderes surdos” a 25 cidades para encontros com as comunidades de surdos e para fornecer materiais a vilarejos menores.

Com a distribuição de 18 mil livros de PSL e 7.000 conjuntos de DVDs, a organização espera que esta primeira fase do projeto atinja 150 mil pessoas.

Em um país como o Paquistão, onde tantas línguas e comunidades disputam espaço e uma caminhada por qualquer rua revela uma Torre de Babel moderna, o que significa dar uma língua própria a uma comunidade inteira?

Se “uma perda de língua é uma perda de cultura”, como diz Aaron Awasen, o representante da fundação encarregado do funcionamento diário do projeto PSL, então a conquista de uma língua é uma conquista cultural. Assim, empoderar os surdos só pode fortalecer a sociedade paquistanesa. A comunidade de surdos terá orgulho de assumir seu lugar de direito dentro da constelação de diversidade que constitui uma dos pontos mais positivos do Paquistão.

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