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Presunto leva quatro anos para ser curado

Florencio Sanchidrián transformou o fatiamento da perna de presunto em arte, cobrando até US$ 4 mil para fazer o serviço | GIANFRANCO TRIPODO
Florencio Sanchidrián transformou o fatiamento da perna de presunto em arte, cobrando até US$ 4 mil para fazer o serviço (Foto: GIANFRANCO TRIPODO)

Não faz muito tempo, Florencio Sanchidrián mostrou a uma classe de vinte alunos do curso de Hotelaria por que acredita que 50 por cento do valor de uma peça de presunto depende de como ela é fatiada.

E começou tirando uma lasca de mais ou menos 5 cm, fina feito papel; depois, levantou a faca e girou o pulso de maneira a enrolá-la na ponta da lâmina. A seguir, a fez escorregar de cima para baixo "devagar, para poder absorver todos os outros sabores presentes ali", ensinou.

Finalmente, entusiasmadíssimo, disse à jovem plateia: "Agora tenho aqui uma fatia que não tem nada a ver com o corte normal; de fato, ela me lembra de que Deus existe".

Sanchidrián, 52 anos, que usa uma bandana para impedir que o cabelo caia na comida, é mais ou menos o astro do rock do presunto ibérico — pelo menos é pago como tal, cobrando quase US$ 4 mil para cortar uma peça, tarefa que leva uma hora e meia para completar. (Num contraste gritante com os mais mal remunerados, que ganham apenas US$ 250 pelo mesmo serviço.)

Ele já fatiou presunto na recepção do Oscar, em festas particulares em Hollywood e em cassinos de Las Vegas e Macau. Ao longo do ano, acompanha o circuito da Fórmula 1, cortando presunto para convidados VIP nos paddocks e lounges das maiores equipes.

E se considera "um embaixador do jamón", cuja missão é tornar conhecido mundialmente um produto muito apreciado na Espanha, país onde cada pessoa, em média, consome 4,5 kg/ano, o que o torna um dos maiores produtores de carne de porco do mundo, atrás apenas da China, dos EUA e da Alemanha.

Uma única peça do presunto mais fino — pesando de 7,7 a 8,2 kg, feito a partir da carne do porco preto ibérico — pode chegar a custar US$ 500. Os animais são criados soltos, o que ajuda a distribuir a gordura uniformemente pelo corpo, e alimentados com bolotas, o que dá à sua carne um sabor adocicado de nozes incomparável. É protegido por vários certificados de origem.

Porém, a exportação de cerca de vinte mil toneladas/ano da iguaria foi reduzida por causa das leis de vigilância sanitária de vários países, incluindo os EUA, onde o presunto ibérico era proibido até cinco anos atrás devido à preocupação com a gripe suína e os métodos tradicionais de cura.

Para os espanhóis, que tratam e servem a melhor carne de porco nesse formato há gerações, essas restrições são exageradas. Só que não ajuda muito saber que a cura pode chegar a durar até quatro anos e é feita no osso, mantendo-se a pata intacta porque ela "melhora o sabor".

Para os puristas, as máquinas fatiadoras estão totalmente fora de questão porque o calor gerado por elas pode alterar o gosto e derreter a gordura, essencial para a experiência da degustação.

E é aí que entram os cortadores como Sanchidrián, que considera seu trabalho uma "arte criativa" que combina "contar e cortar". Conforme vai fatiando, ele descreve ao público todos os detalhes da criação do porco, exatamente como o sommelier fala da safra de uma vinícola.

"Saibam que a carne desse animal tem um sabor tão bom porque ele caminha centenas de quilômetros, faz a siesta ao ar livre e admira os crepúsculos mais belos da Espanha", disse ele a um grupo.

Sanchidrián começou a fatiar presunto há trinta anos, quando ainda era garçom em um restaurante de Barcelona, porque o cortador oficial ficou doente. "O gerente pediu para eu assumir a função e logo de cara se tornou algo tão natural que a troca foi permanente", conta. Ele encara a peça de presunto quase como se fosse um toureiro ensaiando o golpe final. Entretanto, tamanho exibicionismo incomoda os membros mais tradicionais da comunidade de cortadores espanhóis. "O protagonista do show deve ser o presunto e não o cortador", diz José Ángel Muñoz, um dos cerca de cem profissionais que há na Espanha. Alejandro Vilriales, um estudante de 19 anos, disse que achou a aula de Sanchidrián "uma verdadeira fonte de inspiração".

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