
"Ah, não", eu pensei quando soube que a grande exposição do outono no Museu de Arte Moderna de Nova York seria um estudo sobre René Magritte. Dezenas de pintores modernistas subestimados, muitos dos quais mulheres, dos cinco continentes, nunca tiveram um momento em Nova York, e aqui recebemos um artista que praticamente não conseguimos evitar. O cachimbo, o olho gigante, a maria-fumaça na lareira.
No fim das contas, "Magritte: O Mistério do Comum, 1926-1938" é diversão das boas porque Magritte é diversão das boas.
Ele era um malandro sofisticado, um gentil-homem burguês habitado por um geek, invadindo a vida cotidiana e plantando pequenas esquisitices: pernas brotando de colarinhos, chuva caindo para cima, palavras com vida própria.
Ele roubava a atenção com um único dom, mas um dom crucial: a criação de enigmas. É possível que você não entenda à primeira vista o que está acontecendo em suas pinturas, mas percebe que existe algo a ser entendido. Assim, você olha novamente. E outra vez mais. É o sonho de qualquer marqueteiro.
Uma coisa é certa: é improvável que vejamos um Magritte melhor do que nesta exposição no MoMa, aberta até 12 de janeiro. Os organizadores se concentraram numa década sistematicamente renovada e interessante em sua longa carreira, quando o pintor estava inventando o artista que desejava ser e quando sua arte era espirituosa, sórdida, brilhante e má a um só tempo.
Nascido no interior da Bélgica em 1898, Magritte pouco falava da infância. Sabemos que seu pai era alfaiate e comerciante de tecidos, e que a mãe se suicidou quando o pintor tinha 13 anos. Ele estudou pintura na Real Academia de Belas-Artes, em Bruxelas. No começo da década de 1920, casou-se com Georgette Berger, parceira e modelo da vida inteira. Magritte se sustentava como ilustrador comercial e designer gráfico.
Porém, por trás dessa fachada com estilo de vida sisudo, as ambições vanguardistas fervilhavam. Em 1926, Magritte frequentava os círculos surrealistas em Bruxelas e fazia colagens que desafiavam a lógica e pinturas que juntavam elementos da paisagem, itens domésticos e figuras nus femininos, homens de chapéu-coco em ambientes semelhantes a palcos. A vida diária ganhava um viés alucinado.
A exemplo de boa parte das obras da primeira fase do modernismo, a arte de Magritte tinha dimensões ostensivamente utópicas, optando pelo esmagamento das normas sociais e da realidade perceptual em prol da mudança do mundo embora o mundo que corresponde a "O Assassino Ameaçado" represente uma perspectiva dúbia. As imagens de uma mulher decapitada e de um homem portando um porrete, ambientadas numa sala imaculada com vista alpina, parecem um vaudeville da violência.
Esse quadro, o primeiro que se vê no MoMa, foi exibido no primeiro vernissage de Magritte, em Bruxelas, em 1927.
A exposição foi um fracasso de crítica, mas gerou atenção suficiente para encorajá-lo a se mudar para Paris, o Vaticano do surrealismo.
Lá, ele viveu em isolamento relativo nos arredores da cidade e concentrou em sua obra. Como técnico, ele não tinha grande talento, o que talvez contribua para sua popularidade. Nunca precisamos ficar assombrados com a capacidade de Magritte enquanto pintor, como ocorre diante de um virtuoso das tintas como Salvador Dalí. Com um pouco de prática vai saber talvez sejamos capazes de pintar como o próprio Magritte. Ele não se importaria. Sua verdadeira preocupação estava no que pintava, não no como, nas ideias personificadas em imagens. Torná-las inteligíveis e concisas, além de indecifráveis, era o objetivo.
Pelo menos algumas pinturas dos anos em Paris, as quais incluem várias de suas obras mais famosas, atingiram tal meta. "Os Amantes", com as cabeças cobertas por mantos que se beijam, certamente se encaixa nessa definição. "O Falso Espelho", com um único olho preenchido de céu, é outro exemplo. "A Traição das Imagens" é um terceiro. O quadro com estilo de cartaz de loja retratando um cachimbo com a inscrição "isto não é um cachimbo" revela-se um anúncio cristalino de sua ilógica criativa.
Em conjunto, essas pinturas comunicam o que havia de inovador na arte de Magritte, o seu reconhecimento das bizarrices inerentes do mundo material, e sua insistência, muito antes do conceitualismo, no argumento de que a arte era um mundo em si, um mundo de ideias.



