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O Parque Memorial 228, em Taipé, que inclui monumentos às vítimas do Massacre 228, em 1947 | Sean Marc Lee/The New York Times
O Parque Memorial 228, em Taipé, que inclui monumentos às vítimas do Massacre 228, em 1947| Foto: Sean Marc Lee/The New York Times

Faith Hong leva meia hora para repassar um século de história e uma vida inteira de doutrina política.

É essa sua missão como voluntária no Museu Taipé 228, onde atua como guia para os visitantes da China continental, explicando os eventos que levaram à morte de pelo menos 28 mil pessoas em 1947.

Os responsáveis? As tropas enviadas pelo líder nacionalista Chiang Kai-shek, cujo rosto estampa as moedas de Taiwan e cujo partido, o Kuomintang, ainda governa a ilha.

“Fizeram coisas terríveis”, conta a ex-professora, a respeito dos soldados.

O Leste da Ásia tem certa dificuldade quando se trata de assumir a história. Na China, por exemplo, a repressão sangrenta ao movimento estudantil pró-democracia que ocupou a Praça da Paz Celestial, em 1989, ainda é tabu.

No Japão, sete décadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro é criticado pelos vizinhos, que reclamam de sua tentativa de minimizar as atrocidades cometidas pelo país.

Taiwan é diferente. Aqui o evento mais doloroso de sua história moderna é retratado em dois museus e um parque, dedicados ao chamado “Incidente 228”. Como muitos acontecimentos históricos na língua chinesa, o número se refere ao mês e dia em que aconteceu.

Durante 40 anos, o Kuomintang, que governou Taiwan após perder a guerra civil no continente, em 1949, para os comunistas de Mao Zedong, tentou reprimir qualquer alusão ao massacre, mas o processo de recuperação das lembranças tão difíceis é parte integral da evolução de Taiwan rumo à democracia.

Em exposição no Museu 228 Memorial, em Taipé, a camisa perfurada por balas de uma vítiam do “Incidente 228”Sean Marc Lee/The New York Times

Como mostra um quadro com um mapa das ruas, os eventos na verdade tiveram início no dia anterior, em 27 de fevereiro de 1947, quando os policiais que reforçavam o cumprimento da lei de monopólio do fumo pelo governo em Taipé se envolveram em uma confusão com uma vendedora de cigarros e um dos oficiais acabou atingindo a mulher na cabeça com uma coronhada. A atitude revoltou os taiwaneses, cansados da corrupção e dos desmandos do partido, explica Faith. Em questão de dias, a população assumiu a maior parte da administração da ilha.

O governador, Chen Yi, reuniu tropas de soldados nacionalistas no continente para acabar com o levante, que acabaram matando milhares de pessoas na ação que deu início a quatro décadas de “terror branco” — a campanha contra seus oponentes, principalmente os comunistas, que durou até a suspensão da lei marcial, em 1987.

A guia pergunta aos visitantes do continente se eles acham que a China tem condições de enfrentar os fantasmas de seu passado recente, como os milhões de mortos pela fome induzida pela industrialização forçada dos anos 50, o caos da Revolução Cultural e a repressão na Praça da Paz Celestial.

“No continente não dá para fazer isso ainda, quem sabe um dia. Pode acontecer o que for, tudo acaba progredindo”, disse uma visitante que se identificou apenas como Jessica para evitar possíveis retaliações da polícia.

Contribuiu Kiki Zhao

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