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Aquecimento global

O desafio ambiental após o Nobel

Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas procura novas maneiras para guiar nações sem ser prescritivo

Pequeno povoado na região de Valais, na Suíça, onde católicos querem inverter uma oração do século 17 e pedir a Deus que interrompa o derretimento de imensas geleiras, fundamentais para a provisão de água aos moradores | Creative Commons
Pequeno povoado na região de Valais, na Suíça, onde católicos querem inverter uma oração do século 17 e pedir a Deus que interrompa o derretimento de imensas geleiras, fundamentais para a provisão de água aos moradores (Foto: Creative Commons)

Nova Iorque - Dois anos atrás, uma cúpula científica internacional atraiu atenção mundial ao reportar que a atividade humana estava aquecendo o planeta de formas que poderiam afetar seriamente os assuntos hu­­manos e a natureza.

O trabalho do grupo, o Painel Intergovernamental de Mudan­­ ças Climáticas (IPCC, da sigla em in­­glês), dividiu o Prêmio Nobel da Paz de 2007 com o vice-presidente americano Al Gore. Após duas décadas entregando relatórios ao mundo sem fanfarra, o IPCC subitamente obteve um amplo acompanhamento.

Contudo, enquanto o painel se prepara para seu próximo relatório, muitos especialistas em ciência e política do clima, avisam que ele poderia rapidamente perder relevância – a menos que ajuste o método e o foco.

Embora o painel, fundado em 1988 e operando sob proteção da Organização das Nações Unidas, tenha colecionado prêmios e aclamações, há poucas evidências de que os países estejam fazendo al­­go a respeito de seus avisos. As emissões de gases aumentaram. Con­­ver­­sas sobre o novo tratado do clima permanecem basicamente travadas.

"Com a mesma dificuldade de se agarrar a cauda de um tigre, o IPCC conseguiu a atenção mundial, mas agora o desafio é fazer o tigre seguir na direção correta", disse Michael MacCracken, antigo colaborador dos relatórios do painel e cientista-chefe do Climate Institute, um grupo sem fins lu­­crativos. "Para o IPCC, isso significa oferecer diretrizes que irão mi­­nimizar os impactos climáticos e maximizar os investimentos num futuro próspero e sustentável".

Críticas

Ambientalistas afirmam que os relatórios do painel são atrapalhados pela exigência de que os governos patrocinadores aprovem seus resumos linha por linha.

Alguns especialistas consideram que a organização, acusada de avaliar ciências de rápida evolução, fracassou em acompanhar o ritmo da explosão de pesquisas climáticas.

Ao mesmo tempo, cientistas que questionam a probabilidade de uma interferência calamitosa no clima da Terra, acusam o painel de escolher a dedo os estudos e subestimar os níveis de incerteza acerca da severidade do aquecimento global.

"É como se o IPCC tivesse passado de corretor da ciência a porteiro", disse John R. Christy, cientista de clima da Universidade do Ala­­bama, em Huntsville, e ex-autor do painel.

Numa entrevista, Rajendra K. Pachauri, diretor do IPCC, rejeitou a acusação de preconceito, apontando camadas de transparentes revisões por pares. Todavia, ele reconheceu os de­­safios que o grupo enfrenta ao traduzir ciência complexa de uma forma que produza reações significativas.

Sob suas diretrizes, o grupo não pode recomendar um curso de ação para cortar riscos climáticos. Ele definiu caminhos específicos para a emissão de gases-estufa, que os governos precisam seguir para evitar o superaquecimento do planeta, mas as necessidades dos governos não seguem essas recomendações.

Por exemplo, Pachauri apontou que enquanto os líderes do Grupo dos Oito países industriais prometeram, no mês passado, tentar li­­mi­­tar o aquecimento global para dois graus Fahrenheit além da temperatura atual do planeta, eles não conseguiram adotar as reduções de emissões que o painel considera necessárias para manter essa promessa.

Encontrar maneiras para direcionar nações sem ser prescritivo é um foco principal, enquanto a rede de cientistas embarca em sua quinta avaliação de pesquisas so­­bre tendências, projeções e opções políticas do clima.

Novo estudo

Embora o novo estudo não es­­teja agendado para antes de 2014, seu formato será determinado numa reunião, em outubro próximo, de representantes governamentais de mais de 80 países.

Em preparação para essa reunião, 200 cientistas que desempenharam papéis fundamentais nas avaliações climáticas se reuniram no mês passado, em Veneza, na Itália, para identificar novas prioridades. Trabalhando em um "do­­cumento de visão", desenvolvido por Pachauri, eles começaram a escrever um rascunho do quinto relatório a ser apresentado na reunião de representantes governamentais de Bali, em outubro.

Uma meta para o próximo relatório é uma avaliação muito mais completa do quanto, e do quão rápido, os mares poderiam se elevar com o aquecimento ininterrupto. O relatório de 2007 ex­­cluía expressamente a influência do derretimento das calotas polares, graças ao entendimento limitado do quão rápido elas poderiam derreter.

Evitar a discussão de tais possibilidades por falta de segurança científica pode sugerir que também haja uma baixa probabilidade de elas acontecerem, segundo Stephen H. Schneider, climatologista de Stanford e antigo membro do painel. Esse não é necessariamente o caso, esclareceu.

Alguns especialistas em modelos climáticos avisam que os go­­vernos podem estar com expectativas exageradas, achando que a ciência possa prever com segurança como o aquecimento global atuará localmente.

Gavin A. Schmidt, modelador climático do Instituto Goddard para Estudos Espaciais de Ma­­nhattan, parte da agência Natio­nal Aeronautics and Space Ad­­minis­­tration, disse que os esforços usando simulações eletrônicas de condições locais para prever resultados específicos de mudanças de clima ainda estavam nos estágios iniciais de desenvolvimento. "Es­­perar que uma resolução mais alta irá melhorar as previsões em escalas menores não passa de um so­­nho", disse Schmidt por e-mail.

Outros cientistas envolvidos na criação do próximo relatório te­­mem que o aumento da deserção, em estudos revisados por pares sobre mudanças climáticas, esteja impossibilitando uma avaliação ampla e clara desse tipo de pesquisa.

Em Veneza, Neville Nicholls, um dos principais escritores em diversas partes do último relatório, enviou um mapa mostrando que 4.500 estudos sobre o clima foram pu­­blicados em 2007, três vezes o total da década anterior.

Foco

Dado que as centenas de cientistas do painel eram voluntários , isso apresenta um desafio as­­sombroso, disse Ni­­cholls, um cientistas de clima da Univer­­si­­dade de Monash em Vic­­toria, na Austrá­­lia. Ele propõe que o grupo escreva relatórios com mais foco em as­­suntos relevantes à definição de políticas. Nicholls sugeriu que o painel poderia, eventualmente, revisar o fluxo de pesquisas sobre questões mais básicas. Esse processo se daria por meio de um sistema constantemente atualizado – algo como uma Wikipédia.

O painel já realiza relatórios especiais ocasionais, como um que chega no próximo ano sobre o po­­tencial de tecnologias de energia renovável para cortar emissões de gases-estufa, e outro em 2011, so­­bre limitar os riscos de seca e ou­­tros desastres causados pelo clima.

Christopher Field, participante e presidente de uma seção da avaliação que está por vir, disse que um foco importante era a pesquisa psicológica e sociológica sobre como as pessoas agem frente a ameaças incertas, porém substanciais. "Nós identificamos a natureza do problema, e a ciência social mostra que ele é da mais dura categoria", disse Field, que dirige o departamento de ecologia global da Instituição Carnegie, em Stan­­ford.

Uma esperança é que o rascunho final de outubro, uma vez aprovado, estimule governos a investir mais recursos nesse tipo de pesquisa, de forma que o relatório de 2014 possa incorporar descobertas.

Consequências

Talvez a mudança mais vital seja que o painel preste mais atenção às possibilidades obscuras, po­­rém mais consequenciais, num mundo em aquecimento, afirmou Schneider.

O painel, segundo ele, poderia fazer mais para distinguir entre as consequências que pesquisas mostram serem realmente improváveis, como o fe­­chamento das correntes do Atlân­­tico, e aquelas possíveis, porém incertas.

Um exemplo do segundo tipo, diz, é a chance de que o planeta se aqueça muito mais do que o projetado pelos modelos; outro é a possível desintegração prolongada das calotas polares.

Schneider observou que a so­­ciedade se baseia em análises de risco desse tipo o tempo todo, em as­­suntos como a escolha de tratamentos para cânceres raros e pouco conhecidos (Scheinder sobreviveu a um), e na avaliação de estratégias militares.

Pode ser desconfortável, para os cientistas que buscam certeza em dados, abordar a questão de como determinar ameaças incertas. Entretanto, os responsáveis por tomar as decisões não estarão bem servidos se o espectro das possibilidades pouco conhecidas e o nível de incerteza não forem também conduzidos por especialistas, afirmou. "Se você não diz nada antes de ter alta confiabilidade e evidências sólidas", concluiu, "está falhando com a sociedade".

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