No meio de um deserto no norte do Tibete, arqueólogos chineses encontraram um extraordinário cemitério. Os corpos estavam enterrados ali há quase 4 mil anos, mas foram bem preservados pelo ar seco.
O cemitério fica em um território que é hoje parte da província autônoma de Xinjiang, noroeste da China uma terra tão inóspita que os viajantes do passado sempre optavam por contorná-lo ao norte ou ao sul. Porém os corpos encontrados possuem traços europeus, como cabelos castanhos e narizes longos. Os restos, apesar de terem sido encontrados em um dos maiores desertos do mundo, foram enterrados em barcos de cabeça para baixo. E em lugar de lápides que declarem esperanças pias na mercê de um deus na vida futura, o cemitério exibe uma vigorosa floresta de símbolos fálicos, sinalizando um intenso interesse nos prazeres ou utilidade da procriação.
O povo, desaparecido há muito tempo, não tem nome, e sua origem e identidade ainda são desconhecidas. Entretanto, estão surgindo muitas pistas sobre sua linhagem, estilo de vida e até mesmo sobre o idioma que falava.
Nos tempos modernos, a região foi ocupada pelos uigures (povo de fala turca), e nos últimos 50 anos também recebeu migrantes da etnia chinesa han.
Tensões étnicas surgiram recentemente entre os dois grupos, com conflitos em Urumqi, a capital de Xinjiang. Grande número das antigas múmias na verdade cadáveres ressecados emergiram das areias, e se tornaram mais um objeto de disputa entre os uigures e os han.
As quase 200 múmias encontradas têm aparência distintamente ocidental, e os uigures, mesmo apesar de só terem chegado à região no século 10, as utilizam como prova de que a província autônoma sempre pertenceu a eles. Algumas das múmias, entre as quais uma mulher bem preservada conhecida como "a bela de Loulan", foram analisadas por Li Jin, renomado geneticista da Universidade Fudan. O pesquisador disse em 2007 que o DNA delas continha marcadores que indicavam sua origem como sendo do leste ou até mesmo no sul da Ásia.
Precursores
As múmias do cemitério são, até o momento, as mais antigas já encontradas na Bacia de Tarim. Testes de carbono feitos pela Universidade de Pequim dataram as mais antigas como sendo de 3.980 anos atrás.
Apesar das tensões políticas quanto à origem das múmias, os pesquisadores chineses que analisaram o DNA dos restos mortais disseram em relatório publicado no mês passado pela revista científica BMC Biology que o povo que ali vivia tinha origens mistas, com marcadores genéticos europeus e siberianos, e que provavelmente tinha vindo de fora da China. A equipe foi encabeçada por Hui Zhou, da Universidade Jilin, em Changchou, e o relatório teve Jin como co-autor.
O Cemitério do Pequeno Rio foi redescoberto em 1934 pelo arqueólogo sueco Folke Bergman, mas ficou esquecido por 66 anos até ter sido relocalizado por uma expedição chinesa com o uso de GPS. Os arqueólogos começaram a escavar o local entre 2003 e 2005. Os relatórios dos pesquisadores foram traduzidos e resumidos por Victor Mair, professor de chinês na Universidade da Pensilvânia e especialista na pré-história da Bacia de Tarim.
Funeral
Durante as escavações chinesas pelas cinco camadas de túmulos, conta Mair, foram encontrados cerca de 200 postes, com quatro metros de altura cada. Muitos tinham lâminas lisas, pintadas de preto e vermelho, como os remos de alguma grande galera que tivesse naufragado por sob as ondas de areia.
Na base de cada poste existiam de fato barcos, posicionados de cabeça para baixo e com cascos revestidos de couro. Os corpos dentro dos barcos ainda vestiam as roupas com que foram sepultados. As múmias também estavam cobertas por grandes mantos de lã com franjas, e os pés protegidos por botas de couro. Uma espécie de vendedor da Victorias Secret da Idade do Bronze parece ter fornecido as roupas de baixo minúsculas tangas de lã para os homens e saias feitas de fios soltos para as mulheres.
Mair disse que a interpretação dos arqueólogos chineses que definiram tais postes como símbolos fálicos é "uma análise acreditável". A evidente veneração das pessoas enterradas no local pela procriação pode indicar que estavam interessadas tanto nos prazeres quanto na utilidade do sexo, visto a dificuldade em separar os dois assuntos. Todavia, esse povo aparentava ter respeito especial pela fertilidade, disse Dr. Mair, porque muitas mulheres estavam enterradas em caixões duplos, com oferendas especiais em seus túmulos.
Devido à vida em um ambiente hostil, "a mortalidade infantil deve ter sido muito grande, e a necessidade de procriar, especialmente devido à situação isolada em que viviam, muito intensa", disse Mair. Outro possível risco para a fertilidade poderia ter surgido caso a população praticasse procriação consanguínea.
"As mulheres capazes de gerar crianças e garantir sua sobrevivência até a idade adulta devem ter sido especialmente reverenciadas", disse Mair.
Diversos dos itens identificados no Cemitério do Pequeno Rio se assemelham a artefatos ou costumes familiares na Europa. Barcos-caixão eram comuns entre os vikings. Saias de fios e símbolos fálicos também foram localizados em túmulos da era do bronze no norte da Europa.



