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Guerra Fria

O julgamento de Stone

Livro recém-lançado nos EUA mostra que um dos mais brilhantes profissionais de imprensa do país atuou como espião da União Soviética

“Mesmo os mais fervorosos admiradores de Stone admitem que ele tinha um ponto cego  sobre a União Soviética”, Harvey Klehr, co-autor do livro Spies: The Rise and Fall of the KGB in America (Espiões: a Ascensão e Queda da KGB na América) e professor de política e história da Emory University, em Atlanta | Divulgação
“Mesmo os mais fervorosos admiradores de Stone admitem que ele tinha um ponto cego sobre a União Soviética”, Harvey Klehr, co-autor do livro Spies: The Rise and Fall of the KGB in America (Espiões: a Ascensão e Queda da KGB na América) e professor de política e história da Emory University, em Atlanta (Foto: Divulgação)

Um dos mais famosos jornalistas investigativos dos Estados Unidos, Isidor Feinstein Stone, tornou-se ele próprio objeto de uma intensa investigação após a sua morte, em 1989. Mais do que isso: virou uma questão de honra na arena política norte-americana, um alvo da guerra ideológica. Entre acusações, da direita, e defesas, da esquerda, a pergunta sempre permaneceu no ar: Stone teria ou não trabalhado como agente secreto para a União Soviética?

Um livro recém-lançado nos EUA promete acabar com o dilema: entre 1936 e 1939, Stone de fato trabalhou para a inteligência soviética, garantem os autores de Spies: The Rise and Fall of the KGB in America (Espiões: a Ascensão e Queda da KGB na América). A afirmação é baseada principalmente, mas não apenas, em materiais inéditos obtidos por um dos coautores, o jornalista russo Alexander Vassilev. Ex-agente do serviço secreto da URSS, ele teve acesso aos arquivos das operações da inteligência soviética em solo americano.

"Vários documentos diferentes identificam Stone e o chamam de agente da KGB", afirmou à Gazeta do Povo Harvey Klehr, outro coautor do livro e professor de política e história da Emory University, em Atlanta. "Stone foi uma fonte relativamente menor para a KGB. Ele forneceu fofocas políticas e diplomáticas de pouca importância. E também serviu como um caçador de talentos, sugerindo outras pessoas que a KGB poderia recrutar. Para um desses recrutas, que era filho do embaixador norte-americano na Alemanha nazista, Stone serviu como mensageiro, transmitindo informações obtidas a partir da embaixada para a KGB", diz Klehr.

Stone largou a faculdade de filosofia em 1927 para trabalhar como jornalista. Passou pelos maiores jornais e revistas americanas até 1953, quando fundou sua própria publicação, o I.F. Stone’s Weekly, jornal de um jornalista só que alcançou circulação impressionante – no auge, 70 mil assinaturas. Era lido por todas as figuras importantes de Washington. Quase sem sair de seu escritório, desafiou presidentes com reportagens levantadas apenas pela leitura cuidadosa de documentos oficiais. Virou símbolo da luta pela liberdade de expressão e de independência jornalística. Como, então, com essa história, ele poderia ter fechado os olhos para os crimes de Stálin? Muitos se questionam.

Para Klehr, foi provavelmente a junção de dois fatos. O primeiro, a idealização do regime comunista. "Mesmo os mais fervorosos admiradores de Stone admitem que ele tinha um ponto cego sobre a União Soviética. Embora ele nunca tenha aderido ao Partido Comunista, ele foi muito simpático à URSS e desculpou ou desconsiderou os males do regime por muitos e muitos anos", afirma o historiador. O outro fato é a oposição ao nazismo. Stone acreditava que ao alimentar uma união entre americanos e soviéticos, estaria combatendo o regime alemão. "Não tenho dúvidas de que ele acreditava que estava trabalhando contra o nazismo. Tudo indica que ele rompeu seu vínculo com a KGB após o pacto Nazi-Soviético (tratado de não-agressão firmado entre os dois países em 1939, às vésperas da Segunda Guerra). Ainda assim, ele cooperou conscientemente com a inteligência soviética."

Apesar da intenção dos autores, a julgar pela recepção do livro nos EUA, o imbróglio envolvendo I.F. Stone está longe de terminar. A jornalista Anne Applebaum, especialista em Rússia e autora de Gulag – Uma História dos Campos de Prisioneiros Soviéticos, livro com o qual venceu o prêmio Pulitzer, resenhou Spies e disse: "Stone estava sem dúvida trocando informações com pessoas que ele sabia que eram agentes soviéticos. Ele sem dúvida deu a essas pessoas nomes de outras pessoas que poderiam ser úteis. Ele, quem sabe, agiu como mensageiro e também como recruta, e provavelmente teve mais de alguns almoços com personagens pouco confiáveis".

A KGB também tentou reativá-lo após a guerra, mas falhou. Haynes (John Earl Haynes, terceiro autor do livro) e Klehr concluem que, entre 1936 e 1938, a KGB acreditava que Stone era seu agente, e Haynes e Klehr também acham que Stone sabia disso. Mas, se ele era pago pelas pequenas conversas com manipuladores locais, ou se ele próprio considerava a sua atividade "espionagem", ainda é incerto. O caso Stone ainda não está fechado".

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