
Eles lhe haviam dito na última visita: o remédio experimental que havia tão miraculosamente derretido seus tumores já não estava mais funcionando. Suas pernas estavam inchadas, o melanoma irrompia em calombos escuros. O paciente, um consultor de computação na casa dos 40 anos, tinha pouco tempo de vida.
E o seu médico, Roger Lo, do centro de câncer da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, o ligou para perguntar se ele cederia uma amostra de seus tumores renascidos para pesquisas das quais ele provavelmente não estaria vivo para se beneficiar. Ele teria de voar do norte da Califórnia para Los Angeles, usando seu próprio dinheiro, se submeter a uma injeção de anestesia e a um pequeno risco de infecções, e passar mais uma tarde no hospital.
"Eu estava esperando", disse Lo naquele dia do último outono, "que você pudesse vir fazer uma biópsia".
A esperança reside numa nova espécie de remédios de câncer, que funciona bloqueando o exato defeito genético que estimula o crescimento descontrolado de tumores no caso do paciente de Lo, uma única proteína hiperativa. Se os pesquisadores puderem identificar qual nova alteração genética está conduzindo o câncer quando ele escapa do bloqueio, medicamentos adaptados podem ser capazes de segurá-lo por mais tempo. A evidência crucial está nas células tumorais de pacientes que, como o de Lo, tiveram uma recaída.
Porém, a necessidade de pedir àquele que não têm muito tempo de vida para se submeter a outro procedimento invasivo em nome da ciência, é apenas um obstáculo que muitos oncologistas veem como a melhor chance de dar aos futuros pacientes de câncer um adiamento mais permanente.
Há também a questão de quem irá pagar pelas biópsias, que chegam a custar US$ 5 mil e geralmente não são cobertas por seguros. Lo, em seu caso, cobriu os custos já que não havia outras formas de pagá-los.
Enquanto remédios adaptados à genética de tumores específicos abrem caminho com ensaios clínicos preliminares, investigações similares para obter mais avanços estão sendo conduzidas por pesquisadores sobre as diversas formas de uma doença que mata mais de meio milhão de americanos e milhões de pessoas no mundo todo a cada ano.
A jornada de Lo para compreender como o melanoma molda sua resistência ao medicamento PLX4032, fabricado pela Roche, ilustra o enorme esforço necessário para se conseguir até mesmo um minúsculo passo na direção da cura do câncer. Encontrar uma única pista, que levou aos testes de um novo medicamento que pode ajudar uma pequena fração dos pacientes, levou dois longos anos.
Testes do pesquisador
Professor assistente em dermatologia, Roger Lo abrira seu próprio laboratório apenas alguns meses antes e havia sido aconselhado, por colegas experientes, a evitar projetos de alto risco até assegurar uma fonte estável de apoio financeiro.
Porém, como outros desse campo, ele estava estimulado pela observação de pacientes de melanoma reagindo ao medicamento da Roche. Estudar como evitar as recaídas, argumentou ele numa proposta de bolsa no início de 2009, era "de suprema importância".
Impressionado com sua motivação, e igualmente ávido por conhecer a promessa completa da ação do remédio, o Dr. Antoni Ribas, oncologista que administra o setor de ensaios clínicos do medicamento na UCLA, concordou em colaborar com Lo.
Sem ter amostras dos tumores de pacientes do experimento da Roche, Lo buscou replicar a resistência do câncer ao medicamento alimentando uma dieta estável do remédio a células de melanoma retiradas de três pacientes anteriores, que nunca o haviam experimentado. Quando as poucas células de câncer que sobreviveram ao ataque começaram a crescer nas placas de petri, ele usou estas, agora resistentes ao medicamento, para iniciar sua busca.
Aqueles que se perguntam se um único paciente pode ajudar a pesquisa contra o câncer precisam conhecer o caso de Lee Reyes. Um dos primeiros pacientes no experimento de Ribas com o remédio da Roche, Reyes foi selecionado por estar entre os pacientes de melanoma cujos tumores traziam a proteína hiperativa que o remédio bloqueava.
As células de Reyes estavam crescendo. Levaria meses para que as células de Reyes se multiplicassem até os números que Lo precisava para realizar os testes. E naquele verão, a fundação da qual ele esperava um financiamento julgou sua proposta como "ambiciosa demais" para um pesquisador iniciante.
Mas em setembro de 2009, usando as células de laboratório que havia criado para resistir ao remédio da Roche, ele estreitou sua busca. O novo condutor do câncer, ele acreditava, era uma das 42 proteínas na superfície da célula. Algumas semanas depois ele se aproximou mais. Um experimento que podia detectar todas as 42 encontrou um único culpado, aparecendo como pares de pontos negros no fundo translúcido do filme: as células resistentes continham uma quantidade 10 vezes maior da proteína do que aquelas que ainda respondiam ao remédio da Roche nas placas de petri de Lo.
E, conforme ele apontou com animação, um medicamento projetado para bloquear aquela proteína já estava sendo prescrito para outros cânceres. Talvez já existisse uma solução para os pacientes.
A luta por doadores
Para assegurar que sua descoberta não era uma casualidade, Lo precisava de mais amostras de outros pacientes. Sua meta seria de dez, Ribas e ele concordaram numa troca de e-mails tarde da noite.
No fim de 2009, Ribas abordou dois oncologistas conhecidos para pedir que compartilhassem amostras com Lo. "Acho que ele realmente tem algo", disse ele aos dois, o Dr. Jeffrey Sosman e o Dr. Grant McArthur.
Quatro amostras de tumores, duas de cada médico, chegaram alguns dias depois. Como todos que tratavam pacientes no experimento da Roche, Lo e Ribas vinham se sentindo cada vez mais atormentados pelo conhecimento de que não poderiam prometer mais que alguns meses de alívio aos pacientes envolvidos no ensaio clínico do medicamento.
Em início de maio, eles tinham nove amostras. Quando Lo enviou seu artigo à revista "Nature", em julho, ele havia coletado amostras de tumores de 12 pacientes. Das quatro amostras que continham sua proteína suspeita, três pacientes já haviam morrido quando ele conseguiu identificá-la na biópsia. Mas a última veio de um canadense de 54 anos chamado Wes Coyle, que estava vivo embora por pouco quando Lo confirmou a presença da proteína através da biópsia de um tumor em sua pélvis. Ele informou à irmã de Coyle, Peggy Coyle Seaver, que cuidava do irmão, que se tratava de um tiro no escuro. Mas prescreveu o medicamento, fabricado pela Pfizer, que já bloqueava a proteína em alguns outros cânceres. Durante duas semanas, disse Seaver ao médico, seu irmão subitamente conseguiu voltar a comer. Mas morreu logo depois disso. Das 12 amostras de pacientes, Lo havia identificado a provável fonte do reaparecimento do câncer em cinco.
Em agosto, com uma bolsa recebida da Aliança de Pesquisa do Melanoma, junto a pesquisadores de outras instituições, Lo começou a investigar as restantes. E no fim de novembro, após solicitar outra rodada de experimentos, a "Nature" publicou seu artigo, junto a outro de um pesquisador concorrente. No início de dezembro, Ribas visitou os escritórios da Roche em São Francisco. Os dados do artigo, argumentou ele, pediam ensaios clínicos de combinações de medicamentos já em desenvolvimento pela empresa. Os pesquisadores precisariam coletar biópsias de pacientes também desses experimentos, concordaram eles. Porque o câncer, mesmo se bloqueado uma segunda vez, pode encontrar outros caminhos. "Ainda temos muito trabalho a fazer", diz Lo diariamente à equipe de seu laboratório.



