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Nicolás Maduro marcha com as tropas militares acompanhado pelo ministro da Defesa Vladimir Padrino (L), no "Fuerte Tiuna" em Caracas, Venezuela em 2 de maio de 2019 | Foto: Presidência/JHONN ZERPA / AFP
Nicolás Maduro marcha com as tropas militares acompanhado pelo ministro da Defesa Vladimir Padrino (L), no “Fuerte Tiuna” em Caracas, Venezuela em 2 de maio de 2019 | Foto: Presidência/JHONN ZERPA / AFP| Foto:

O ditador Nicolás Maduro marchou pelas ruas de Caracas acompanhado pelo alto comando das Forças Armadas e dezenas de soldados no início da manhã desta quinta-feira (2). O ato, que começou e terminou com discursos fervorosos contra os “traidores da pátria”, foi transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão.

É uma poderosa mensagem que o ditador envia à oposição e ao mundo: o exército venezuelano não está dividido e seus principais líderes ainda obedecem aos seus comandos. Mas isso não é tudo.

Os acontecimentos de 30 de abril nos mostram que a lealdade das forças militares é mais fluida do que tenta fazer parecer Nicolás Maduro.

Durante semanas, a oposição, sob o comando do presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, esteve trabalhando em um projeto abrangente para finalmente forçar Maduro a deixar o cargo. Vários de seus principais assessores militares e civis teriam sido persuadidos a trocar de lado, enquanto outros teriam permissão para deixar o país.

Como revelaria mais tarde o conselheiro de segurança da Casa Branca, John Bolton, o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, o presidente do Tribunal Superior de Justiça, Maikel Moreno, e o presidente da Guarda de Honra Presidencial, Ivan Hernandez, “desempenharam um papel fundamental” na estratégia opositora colocada em prática no início da manhã de terça-feira – dando a entender que essas figuras importantes do regime teriam negociado seu apoio à Guaidó.

Segundo o Washington Post, autoridades do governo americano disseram que os Estados Unidos não participaram diretamente das negociações secretas da oposição com estes líderes do regime chavista. "Estávamos conscientes dos esforços, que começaram há cerca de dois meses", disse uma autoridade do governo.

"Houve momentos em que parecia sério e outras vezes não tão sério". Mas "nas últimas semanas, ficou claro que (...) eles estavam chegando a um acordo" com Lopez, Moreno e Hernandez, revelou uma das fontes ao jornal americano.

Apesar de não reconhecer oficialmente Guaidó, Padrino e os outros estavam prontos para assinar documentos declarando sua lealdade à Constituição venezuelana, sob a qual a Assembleia Nacional, liderada pela oposição, havia declarado inválida a reeleição de Maduro no ano passado e, em 23 de janeiro, nomeado Guaidó como presidente interino. Os Estados Unidos, Brasil e mais de 50 outros países também o reconheceram.

Em troca, as autoridades venezuelanas manteriam seus empregos e se integrariam à nova administração. Para aqueles que gostariam de deixar o país, os Estados Unidos haviam dado garantias indiretas de que eles não seriam impedidos de fazê-lo e de que poderiam até ter acesso a depósitos no exterior.

Nas últimas duas semanas, as autoridades americanas receberam indicações de que até o próprio Maduro poderia estar se preparado para fugir para Cuba, mas que havia desistido após ter recebido "um conselho" dos russos – uma informação que veio à público pelo secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, ainda na terça-feira, mas que foi negada pelo ditador.

A implementação foi provisoriamente marcada para quarta-feira (1º), dia para o qual Guaidó havia convocado manifestações massivas contra o regime – embora nenhuma data tenha sido finalizada.

Na segunda-feira (29), no entanto, as coisas começaram a desmoronar.

Teorias que estão circulando pela imprensa indicam que Padrino López teria desistido do acordo com a oposição após ficar sabendo que haviam libertado Leopoldo López um dia antes do combinado. Bolton, porém, tem uma teoria diferente: o governo cubano teria convencido os três homens a se manterem fieis a seu chefe. O medo das dezenas de milhares de forças de segurança cubanas no país, segundo ele, está mantendo as autoridades militares sob controle.

Aparentemente isso ocorreu porque Maduro ficou sabendo do plano e Guaidó se viu forçado a adiantá-lo. Na madrugada de terça-feira (30), após alertar o Departamento de Estado dos EUA, Guaidó divulgou um vídeo dizendo que contava com o apoio das “principais unidades militares das nossas Forças Armadas” e que chegara o momento de se levantar contra Maduro na fase final da “Operação Liberdade”.

Ele estava rodeado por um pequeno grupo de militares em frente à base aérea La Carlota, em Caracas. Ao seu lado também estava uma das figuras mais proeminentes da política venezuelana, considerado um exemplo de resistência pela oposição: Leopoldo López. Sua aparição deu mais força ao discurso de Guaidó, porque ele estava em prisão domiciliar desde 2014.

López contou à imprensa venezuelana que foi libertado por funcionários do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) sem nenhuma violência, indicando que pessoas de grande confiança do chavismo de dentro desta instituição se juntaram a Guaidó.

No meio da manhã, um dos membros da Assembleia Nacional Constituinte, o chavista Gerardo Marques, disse que o general Manuel Ricardo Cristóvão Figuera, diretor do Sebin, era um dos que haviam mudado de lado.

Horas mais tarde começou a circular nas redes sociais um comunicado assinado com seu nome, no qual ele explicou que decidiu abandonar o cargo depois que descobriu que membros do regime estavam negociando sem o conhecimento de Maduro.

“Meu comandante-em-chefe, quando lhe dei a carta a que me referia à Batalha de Santa Inês, fiz isso porque descobri que muitas pessoas de sua confiança estavam negociando pelas suas costas, pelo menos creio que sim; mas eles não negociaram pelo bem maior do país. Eles fizeram isso por seus próprios interesses insignificantes”, diz a carta assinada com o nome de Figuera e destinada a Maduro.

Não se sabe do paradeiro de Figuera até o momento, apenas que estaria preso, segundo o site Infobae.

Pode-se dizer, então, que há um racha nas forças armadas?

Certamente os militares não estão unidos em torno de Maduro como ele está tentando demonstrar com a marcha e os discursos eloquentes desta quinta-feira. Há evidências de que centenas deles passaram a apoiar a oposição, especialmente depois de 23 de fevereiro, quando houve a tentativa - fracassada - de passar a ajuda humanitária pela fronteira da Venezuela. Porém, no geral, são militares de baixa e média patente que não têm nenhum controle sobre tropas.

No decorrer da terça-feira, o apoio que Guaidó havia reclamado no início do dia não se confirmou. É desconhecido o número de militares que estavam com ele e que posteriormente entraram em confronto com os colegas de farda que defendiam Maduro. Pelo menos 25 pediram asilo à embaixada brasileira em Caracas.

O ditador disse que não vai hesitar em prender todos os envolvidos no levante. “Eu não vou abalar meu pulso, quando a Justiça ordenar, para colocar atrás das grades os responsáveis por este golpe criminoso”, disse na quarta-feira à noite a uma multidão de seguidores nas imediações do Palácio Miraflores.

De fato, as chances de Guaidó ser preso aumentaram a partir de agora. O professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Jorge Ramalho da Rocha acredita que a oposição deu ao regime um motivo concreto para prender Juan Guaidó, a incitação à revolução, ou tentativa de golpe. "Ou Guaidó deixa o país, ou vai preso", disse. "Ele foi para o tudo ou nada; blefou apostando que teria apoio popular".

Os temores de uma prisão do líder da oposição dispararam depois que ele saiu da Venezuela, em fevereiro, desobedecendo uma ordem da Justiça. Mas ele retornou ao seu país pelo aeroporto de Caracas e não foi detido. "[As razões para a prisão de Guaidó naquela ocasião] poderiam ser interpretadas pela comunidade internacional como perseguição política. Por isso o governo não ultrapassou essa linha", disse Rocha, alegando que agora a situação mudou, já que na terça-feira Guaidó teria feito uma aposta arriscada e “cruzado uma linha vermelha” que permitirá ao regime prendê-lo sob o disfarce de um processo judicial limpo e democrático.

O presidente Donald Trump afirmou na noite de quarta-feira que espera que Guaidó não seja preso, mas afirmou que se isso ocorrer, “ao menos poderíamos ajudá-lo um pouco ou quem sabe ajudá-lo muito, depende”. “Ele [Guaidó] é realmente corajoso, no verdadeiro sentido. Nós vamos estar observando ele e os movimentos que acontecem", disse Trump em entrevista à Fox News.

Dia ruim para Maduro

Apesar da frustração de terça-feira, Guaidó conseguiu mobilizar milhares de pessoas em um grande protesto nacional no dia seguinte. Outras tantas teriam se juntado a elas, não fosse a repressão estatal: duas pessoas morreram, mais de 100 ficaram feridas e mais de 200 foram presas nestes últimos dois dias, segundo a oposição e organizações de direitos humanos.

“Nesta fase de nossa luta, não há retorno, temos que continuar nas ruas e com os protestos, já que estamos próximos de conquistar nossos objetivos", disse Guaidó aos seus seguidores.

Leopoldo López não apareceu em público na quarta-feira. Dada a sua situação judicial, ele buscou abrigo na embaixada da Espanha em Caracas e está lá como hóspede, segundo informou o ministro espanhol de Relações Exteriores, Josep Borrell – e não como um asilado.

Pode parecer, à primeira vista, que Maduro ganhou a batalha travada neste 30 de abril, mas Guaidó precisava de um fato novo que mobilizasse a população e evitasse que a situação "fosse normalizada" e voltasse a um estágio em que a oposição estava extremamente dividida, desacreditada e sem força alguma para articular uma mudança de poder.

Se tudo o que a imprensa tem revelado sobre os bastidores do levante orquestrado por Guaidó for verdade, este pode ser o sinal mais forte até agora de que o regime Maduro está fraturado internamente. Se não for, o governo americano, ao expor Padrino e outros líderes próximos a Maduro, conseguiu semear desconfiança nos altos escalões – uma forma de elevar a pressão sobre as autoridades venezuelanas para que elas aceitem um acordo e passem para o lado da oposição.

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