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 | Olivier Laban-Mattei/AFP
| Foto: Olivier Laban-Mattei/AFP

O caminho percorrido pelas doações

Um dos principais receios no momento de realizar uma doação é o medo de que o dinheiro seja desviado no meio do caminho. No caso haitiano, o temor é redobrado, devido ao grande número de instituições recolhendo doações e aos altos valores envolvidos.

No caso da ONG Viva Rio, o dinheiro obtido será utilizado na compra de alimentos, água e medicamentos pela própria or­­ganização.

"Procuraremos em­­presas que poderão fornecer os recursos com um custo mínimo", garante Maíra Jucá, coordenadora de comunicação. Em seguida, os mantimentos serão enviados para a República Do­­mi­­ni­­cana, onde está montada uma central da Ajuda da Igreja No­­rue­­guesa, parceira da ONG Viva Rio para Porto Príncipe e outras cidades carentes.

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A reconstrução do Haiti é, sobretudo, uma refundação. O terremoto do dia 12, que destruiu a maior parte dos imóveis da capital Porto Príncipe, avançou também sobre a frágil ordem político-social do país e desmontou as estruturas fundamentais. Reerguer a nação caribenha será um dos principais desafios para a assistência internacional. Um projeto que, de acordo com análises iniciais, consumirá US$ 10 bilhões e 25 anos do futuro haitiano.Os 38 km² de Porto Príncipe são hoje um amontoado de es­­combros. Especialistas em engenharia estimam que mesmo as construções que permaneceram em pé estão com suas fundações comprometidas, tornando inviável uma mera restauração. O sistema elétrico entrou em colapso. A rede hidráulica, com tantos furos, está inutilizada. "É algo de uma dimensão devastadora. A humanidade nunca enfrentou um desafio urbanístico desse tamanho", avalia Or­­lando Ri­­beiro, coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo.Sobre essa terra devastada, 2 milhões de pessoas vagam à espera do retorno à normalidade. As instituições políticas e sociais foram desmembradas. O senso de comunidade que estava sendo construído com o auxílio das tropas de paz da ONU foi dissolvido. "O país ficou acéfalo", define Ricardo Costa de Oliveira, cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Resolver o problema exige o enfrentamento nessas duas frentes. Com os haitianos participando ativamente da reconstrução, o esforço combinará os trabalhos em prol do Haiti e sua população. "Para construir um prédio, é necessário uma sociedade organizada. Porém a sociedade haitiana está totalmente desarticulada. É preciso encontrar pessoas, no próprio país, que tenham comando e capacidade de orientação para participar da mudança", avalia Luiz Cláudio Mehl, engenheiro civil especializado em gerenciamento urbano.

Segundo Orlando Ribeiro, é possível e benéfico inserir os haitianos no processo de reconstrução: "A geração de empregos vai combater a violência. E, à medida em que o tempo passa, eles vão co­­meçar a entender e respeitar o que está sendo feito por eles no país".

Repensar

Antes do terremoto, a capital do país tinha uma das maiores densidades populacionais do mundo, com 28 mil habitantes por km² (sete vezes mais que Curitiba). Para os especialistas em urbanismo, o Haiti – e em especial Porto Príncipe – necessita de mudanças profundas na forma de ocupação.

"Não se deve incorrer no erro de refazer do mesmo modo uma cidade que nunca foi planejada", alerta Ribeiro. "Em áreas insulares, como Porto Príncipe, há poucas áreas de ocupação. Nesses casos, é recomendável criar núcleos de ocupação menores, espalhados por diferentes regiões. Se acontecer uma catástrofe, por mais extrema que seja, não haverá essa quantidade maciça de mortes", recomenda.

Para Mehl, as experiências de reconstrução do passado contêm ensinamentos que podem ser aplicados no caso haitiano. "O plano Marshall (para a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial) enfrentou um problema de magnitude semelhante. Embora o nível educacional fosse maior, os europeus também estavam bastante debilitados. Para o Haiti, pode-se reeditar o Marshall incluindo investimentos maciços em educação. Não adianta reconstruir o país materialmente, sem se preocupar com o desenvolvimento humano", argumenta.

Algumas áreas, no entanto, necessitam de atenção especial. Antes de as obras efetivamente começarem, os habitantes da capital precisarão de uma infraestrutura básica. Os sistemas de água, esgoto, energia, hospitalar e educacional deverão ser os primeiros a ser reestruturados. "Me parece urgente usar o conhecimento de profissionais de urbanismo em to­do o mundo para traçar um plano logístico de ocupação. E, paralelamente, já estabelecer algumas medidas prioritárias de infraestrutura básica e de saúde", opina Mehl.

Ribeiro levanta uma dúvida ainda mais imediata: "Para onde vão levar tanto entulho? Esta é uma das questões mais complicadas hoje. Esse entulho não é reaproveitável, e se tornou um transtorno imenso do ponto de vista ecológico."Prostrados

Junto às estruturas físicas, o terremoto abalou também a confiança nas instituições políticas do país. Embora incipiente, a democracia haitiana avançava com a presidência de René Pré­­val. Caso não houvesse a tragédia, o Haiti realizaria eleições legislativas em 28 de fevereiro. "O voto ajuda a formar uma base de confiança. O Haiti precisa continuar construindo as suas instituições sem a interferência internacional", afirma Oliveira, da UFPR.

Sob pressão, ONU luta para encontrar espaço

Isoladamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi uma das instituições mais atingidas pelo terremoto no Haiti. Setenta funcionários morreram na tragédia e 146 continuam desaparecidos. O episódio, classificado pela instituição como o "maior desastre de sua história", ilustra os tipos de de­­safio enfrentados pela ONU ao longo de 64 anos desde a fundação, após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Embora a multiplicidade de sua atuação insinue uma instituição onipotente, a ONU sofre para lidar com os diferentes tipos de pressão política que uma or­­ganização intergovernamental recebe. A principal preocupação de seus quadros diplomáticos é encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses dos membros do Conselho de Segu­rança (responsável por aprovar as in­­tervenções) e os necessidades dos países em que a ONU in­­tervém.

"Como as Nações Unidas não têm autonomia para escolher suas políticas, suas ações são mais facilmente implantas à medida em que não interfiram na agenda dos Estados-membros do Con­selho de Segurança", avalia Leo­nardo Arquimimo de Car­va­­lho, especialista em Relações Inter­nacionais.

Ele cita um exemplo: "Nos anos 1990, a ONU demorou muito para chegar a um consenso sobre se deveria atuar nos Bálcãs (que passava por guerras pós-desmembramento da Iugos­­lávia). Havia a resistência da Rússia, que não queria a atuação das Nações Unidas em sua área de influência".

Passos errados

O conflito balcânico não foi o único momento em que a ONU foi alvo de críticas. Na Somália, ela não conseguiu pôr fim às ofensivas do grupo terrrorista Al Shabaab. Este grupo, segundo os Estados Unidos, está ligado à Al-Qaeda. Em 1993 a ONU interveio na região, sob proteção dos EUA, mas não obteve sucesso.

O Programa Mundial de Ali­­mentação, agência humanitária relacionada à ONU, operava no país há mais de 40 anos para a amenizar a fome que atinge mais de 3 milhões de pessoas. No entanto, teve de finalizar temporariamente suas operações no começo deste ano, por causa de ameaças vindas da Al Shabaab. Outros casos de fracasso ocorreram no Sudão e no Timor Leste, onde a organização não conseguiu assegurar a paz.

Para Ar­­quimimo, atualmente a ONU não consegue responder as ameaças com eficácia. "Hoje as Na­­ções Unidas são uma instituição colonizada por quadros in­­competentes e com um modelo de gestão inadequado. Ela repete o modelo de burocracia dos Estados, o que a torna incapaz de fazer frente a desastres, terrorismo, degradação ambiental. Ou ela se reforma ou está fadada a sempre ter o seu poder sobrepujado por respostas mais rápidas", adverte.

(OT e Carla Bueno Comarella)

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