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 | Marlene AwaadBloomberg
| Foto: Marlene AwaadBloomberg

Éric Zemmour estava vestido para a batalha. Usando um terno cinza, um cinto marrom da Hermes e calçados de camurça cor chocolate, para combinar, ele percorreu a artilharia cibernética dirigida em sua direção. 

Dias antes, Zemmour, um colunista provocativo do Jornal Le Figaro, e um nome conhecido na França, havia lançado uma ‘granada’ durante o programa de televisão Les Terriens du Dinamiche, que é transmitido no horário nobre aos domingos. Ele disse à Hapsatou Sy, mulher negra, empresária e cronista que participa do programa, que era vergonhoso que seus pais não haviam dado a ela um nome cristão. “Seu nome é uma insulto à França”, disse. E assim começou outra rodada de discussão sobre a identidade nacional do país. 

Durante suas aparições na televisão, programas de rádio e colunas, Zemmour quer, em alguns momentos, escandalizar e em outros, normalizar. Embora falte poder para a extrema-direita francesa, o movimento está, de alguma maneira, vencendo a batalha de ideias. Graças, em grande parte, à Zemmour. As pessoas dão atenção ao homem de terno cinza liso. 

Atualmente, ele está pregando sobre o declínio da França, como fez em seu best-seller de 2014, “French Suicide”. Mas em uma nova obra, “French Destiny”, publicada em agosto, ele mistura sem medo a islamofobia e um revisionismo histórico outrora inimaginável. 

“Vivemos hoje uma colonização das populações que vêm do Sul do Mediterrâneo e que impõem – através de números e, algumas vezes, com violência – a sharia”, disse Zemmour durante uma entrevista na sede do Le Figaro, em Paris. 

Ele antecipa uma “nova guerra civil” entre “aqueles que não querem abandonar a identidade da França, ou seja, identidade branca e cristã, e aqueles que consentem com a islamização do país europeu. 

Falando de maneira direta, Zemmour pertence às “populações que vêm do Sul do Mediterrâneo”. Nascido no subúrbio de Paris, em 1958, ele é filho de judeus berberes que chegaram à França durante a Guerra da Argélia, já como cidadãos franceses. De certa forma, sua visão é similar a dos pied-noirs, grupo de europeus exilados da Argélia que tendem a se tornar politicamente conservadores, que suspeitam dos muçulmanos e são profundamente ressentidos com Charles de Gaulle por ele ter desistido da luta. 

Ao mesmo tempo, Zemmour repercute as visões históricas de Jean-Marie Le Pen, pai da extrema-direita francesa. O livro de memórias de Le Pen, publicado no início de 2018, também foi um best-seller. 

Defesa de governo que colaborou com a Alemanha nazista

Assim como Le Pen, Zemmour defende intensamente o governo francês de Vichy na Segunda Guerra Mundial, um regime que colaborou abertamente com a Alemanha nazista na prisão e deportação de 76 mil judeus franceses e estrangeiros. Na descrição de Zemmour, o líder da França de Vichy, Philippe Pétain, foi um homem de “duas caras” que, nos bastidores, tentou salvar o país e os judeus franceses. Zemmour disse, certa vez, em uma audiência na Grande Sinagoga de Paris, que “a palavra ‘deportação’, em 1942, não significava ‘deportado para Auschwitz’, mas dizia respeito àqueles que eram ‘deportados para a Europa Oriental’. 

Enquanto isso, ele culpa estritamente os árabes pelo antissemitismo contemporâneo. “É simples, se posso dizer”, falou ao Washington Post. “O antissemitismo renasceu na França com a chegada das populações vindas de territórios muçulmanos, onde o antissemitismo – se você quiser- é cultura. 

Logo após fazer essa observação, Zemmour perguntou se poderia rever seus comentários antes da publicação da matéria – uma prática comum na mídia francesa. Quando lhe negaram o pedido, ele recuou. A França tem leis severas em relação ao discurso de ódio, e algumas pessoas foram levadas a julgamento por causa de comentários semelhantes sobre muçulmanos, como aconteceu com o historiador Georges Bensoussan, recentemente. 

Zemmour – que foi condenado por incitar o ódio racial após dizer em rede pública, em 2011, que os empregadores têm o direito de recusar negros e árabes - estava incerto se aconteceria a mesma coisa agora. “Se eu for para à prisão por causa disso, você pode me trazer laranjas”, concluiu no fim da entrevista. 

Embora enfrente essa controvérsia, Zemmour conseguiu tornar visões anteriormente extremas em mais comuns, afinal, ele escreve nas páginas do jornal mais burguês da França e é uma voz contínua na RTL, um dos canais de rádio mais respeitados do país. 

"A burguesia clássica e conservadora pode afirmar a si mesma que este é um bom judeu: um homem que diz que o governo de Vichy não era tão ruim e que os muçulmanos são ainda piores do que as pessoas costumam dizer", disse Dominique Moïsi, cientista político cujo pai sobreviveu à Auschwitz. 

A retórica de Zemmour brinca com preocupações sobre a migração e uma onda mortal de violência terrorista que teve início em 2015. Seu discurso também se beneficia do desencanto dos cidadãos com o presidente francês Emmanuel Macron, cuja agenda pró-negócios lhe rendeu o apelido de "presidente dos ricos". 

Os historiadores estão preocupados

Enquanto isso, os historiadores preocupam-se com o quão difundida a imagem do passado de Zemmour se tornou. Ele é o primeiro a admitir que seu trabalho nem sempre é baseado em evidências concretas. Como ele mesmo colocou: "Eu não me considero um historiador profissional no sentido de que eu não recorro a arquivos para examinar novas evidências". Ao mesmo tempo, ele tem uma teoria da história: "Todos os historiadores são revisionistas", disse. 

Para Laurent Joly, autor de um novo estudo sobre o antissemitismo de Vichy, publicado em setembro, a popularidade de Zemmour é um sinal preocupante de um público leigo que não está interessado na verdade. "Cada vez mais, o papel do historiador é disputado e o que é autoritário, aos olhos do público, é agora um Zemmour, em um cenário de crescente ignorância histórica, regressão intelectual e uma crise de valores", disse Joly. 

Hoje, Zemmour está em toda parte: sorrindo em capas de livros, reclamando nas páginas de jornais de prestígio e dizendo às minorias para mudarem seus nomes diante das câmeras.  "O que mais me choca", disse Daniel Schneidermann, analista de mídia francês, "é a confusão geral, que permite que seu discurso seja um entre muitos outros".

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