
Porto Príncipe, Haiti - Quem caminha pelas ruas de Porto Príncipe e vê que a maior parte da população está realmente sem ocupação, se convence rapidamente de que só investimentos externos permitirão a geração de trabalho e renda e, a longo prazo, o desenvolvimento do país. Essa é a opinião do embaixador brasileiro no Haiti, Igor Kipman, para quem a presença militar brasileira no país está sendo eficiente em pavimentar o caminho para que novos investimentos ocorram. Curitibano, Kipman conversou sobre a situação do Haiti com a Gazeta do Povo na embaixada brasileira, na região de Pétionville.
O que o senhor pensa da crítica manifestada pelo representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti, o brasileiro Ricardo Seitenfus, retirado do cargo, de que é preciso destinar mais esforços para o desenvolvimento do Haiti e menos para a segurança?
Esse é o discurso do Brasil no Conselho de Segurança da ONU desde 2004 [quando a missão de pacificação, Minustah, entrou no Haiti]. Não é novidade. A cada renovação da resolução [que permite à ONU manter a missão de paz], conseguimos avanços para que a Minustah trate mais de desenvolvimento. A segurança hoje está incomparavelmente melhor do que em 2004. Em 2005, tivemos a vinda da companhia militar brasileira de engenharia, que depois foi ampliada, e hoje a Minustah faz muito mais em termos de desenvolvimento do que em 2004. Um dos trabalhos é desobstruir ruas e abrir estradas. Mas não se pode esperar que ela resolva o problema do desenvolvimento, porque esse avanço depende de investimento pesado nesse caso, estrangeiro. Geração de emprego e criação de renda. Essa não é a função da missão da ONU. Ela coopera para que esses investimentos possam entrar no país, mantendo o ambiente seguro e com infraestrutura. Você não faz ideia do que eram essas ruas da cidade em 2004...
Quais são os principais investimentos privados do Brasil no Haiti?
Temos a empreiteira baiana OAS, que já está atuando aqui, e o interesse manifesto da indústria têxtil brasileira. Ano passado, veio uma missão grande da Associação Brasileira da Indústria Têxtil com cerca de dez grandes empresas, que estão em tratativas para vir investir aqui, mas isso passa pelo ambiente seguro e acesso a infraestrutura. Além disso, o Banco Interamericano trabalha na criação de um polo industrial no norte do país, da qual também temos participado. E a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem um projeto de melhoramento de sementes. Uma variedade de arroz testada já se mostrou dez vezes mais produtiva que a utilizada localmente. Depois vamos buscar substituir as variedades para aumentar a produtividade e reduzir o custo.
Que outros projetos de reconstrução estão em andamento no país?
Há uma quantidade imensa de projetos nem todos em andamento. A preocupação básica no momento é a realocação de 1,3 milhão de desabrigados que estão em barracas precárias. Em outubro do ano passado chegou a epidemia de cólera, que foi mais um complicador.
Em que fase está o projeto de construção da hidrelétrica no Rio Artibonite, para a qual o Brasil destinou recursos?
O projeto foi finalizado em outubro e custou ao governo brasileiro R$ 4 milhões. Agora a obra pode ser licitada, mas a decisão foi aguardar os recursos de construção. Faltam US$ 120 milhões. Estamos buscando parceiros, falando com autoridades.
O atraso na conclusão do processo eleitoral atrapalha a reconstrução do país?
Sim. Há uma expectativa natural do povo haitiano e dos parceiros internacionais em saber quem serão os novos governantes do país, que irão gerir o dinheiro prometido pelos doadores. O atraso faz com que as coisas fiquem emperradas. O combate à epidemia de cólera segue o curso normal, mas projetos de mais longo prazo e maior volume de recursos estão presos. Faz parte do processo democrático. O atraso é ruim, mas inevitável no processo democrático que se está tentando implantar aqui.
A posse, prevista pela Constituição para o dia 7 de fevereiro, claramente não poderá ocorrer. O presidente Préval pode permanecer no cargo mesmo assim?
O entendimento é que sim, porque a Carta haitiana diz que o mandato é de cinco anos, e ele assumiu em maio de 2006.



