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Desde o início das manifestações, na quinta-feira passada (28), 22 pessoas foram mortas e mais de 400 presas | MORTEZA SALEHI/AFP
Desde o início das manifestações, na quinta-feira passada (28), 22 pessoas foram mortas e mais de 400 presas| Foto: MORTEZA SALEHI/AFP

Iranianos estão indo às ruas em uma escala não vista em quase uma década. Nos últimos seis dias, foram realizadas manifestações em mais de vinte cidades, desde a cidade xiita de Mashhad (a segunda maior do Irã) até remotos centros regionais e bairros populares de Teerã. Até o momento, pelo menos 22 pessoas foram mortas.

Não há como saber como isso vai terminar. A nova geração de manifestantes – alguns dos quais destruíram pôsteres do Supremo Líder Ali Khamenei e protagonizaram ataques a postos policiais – parece estar ferozmente determinada. Mas o estado iraniano está equipado com um gigante aparato de repressão preparado para esmagar até o menor sinal de dissidência. 

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Quaisquer que sejam as consequências finais, a atual onda de instabilidade já é um importante divisor de águas na história do Irã moderno. Gerações anteriores de manifestantes ainda mantinham secretamente a esperança de que o sistema teocrático pudesse ser mudado de dentro. Eles acreditavam que ao votar em candidatos reformistas, estes poderiam persuadir o resto a obter um sistema mais aberto e democrático. Os atuais manifestantes já perderam esta esperança. 

Por quê? Um dos motivos tem a ver com o chamado Movimento Verde de 2009. Naquela época, centenas de milhares de iranianos foram às ruas por algo que começou como um protesto contra as fraudes eleitorais. Muitos dos manifestantes haviam dado seus votos ao candidato reformista Mir Hossein Mousavi, mas, ao invés disso, a vitória foi para Mahmoud Ahmadinejad, cujos apoiadores no clero conservador supostamente teriam fraudado os resultados em seu favor. 

Membros da oposição pró-Mousavi – muitos deles jovens e de classe média – esperavam fervorosamente que, ao colocá-lo no poder, uma nova era de liberalização iniciaria. Quando Ahmadinejad foi declarado o vencedor das eleições, ficou claro que os elementos de linha dura do regime não permitiriam isso. Os manifestantes, então, se tornaram radicalizados, criticando fortemente o regime, e a repressão que se seguiu foi, conforme previsto, terrível. Manifestantes foram mortos; provavelmente, nunca saberemos quantos exatamente. Milhares foram presos ou levados a se exilar. 

Golpe

O segundo golpe ao sonho de uma perestroika iraniana foi dado pelo atual presidente do país, Hassan Rouhani, que foi eleito para o seu primeiro mandato em 2013 e reeleito no ano passado. Posando como um novo candidato “reformista”, Rouhani ganhou votos ao iludir os iranianos com vagas promessas de mudança. 

Ele claramente falhou nisso. O acordo nuclear do Irã com o Ocidente, que deu a Teerã isenção de sanções em troca do adiamento de seu programa armamentista, foi feito para conduzir uma nova onda de prosperidade. Isso não aconteceu. E o próprio Rouhani mostrou que esta falha foi primariamente culpa do Irã. 

No fim do ano passado, ele tentou fazer dar certo com promessas de transparência ao publicar detalhes do orçamento nacional, mas seu gesto saiu pela culatra. Muitos iranianos ficaram indignados em saber que bilhões de dólares estavam indo para obscuras fundações religiosas lideradas por notáveis do regime – além dos vastos gastos governamentais nas aventuras militares do Irã na Síria, Iraque e Líbano. Tudo isso está ocorrendo no contexto de uma economia onde o desemprego real de jovens é estimado em 40 por cento. É marcante que o atual grupo de manifestante pareça conter muitas pessoas jovens de origem mais modesta. 

Considerando tudo isso, é fácil entender por que os anúncios do governo de uma série de aumentos em itens básicos no final de dezembro geraram fúria generalizada. Conforme já vimos em outras autocracias no passado, protestos economicamente motivados frequentemente se transformam em protestos políticos com o tempo. 

No entanto, neste caso, as preocupações dos manifestantes foram quase que imediatamente do preço dos ovos para demandas de mudanças no regime. Em apenas três dias, a BBC já estava transmitindo notícias de um ataque à sede da milícia Basij, pró-governo, na cidade iraniana de Arak. Em Mashhad, onde a grande agitação começou no dia 28 de dezembro, manifestantes tentaram de fato incendiar um seminário. Em Teerã, outros colocaram fogo em motocicletas da polícia. 

E os manifestantes certamente não estão falando de ilusórias promessas de reforma. Seus slogans atacam: “Morte ao ditador” e “Clérigos devem sair”. “Deixem a Síria, pensem em nós!”, “Nós não queremos uma república islâmica”. “A revolução islâmica foi um erro nosso”. A propósito, é importante mencionar que criticar publicamente Khamenei – como muitos manifestantes tem feito – é no Irã um crime sujeito a severas punições, incluindo aprisionamento e flagelação. 

Previsivelmente, as autoridades iranianas tentaram relegar as agitações como sendo frutos de maquinações estrangeiras. Mas não espere que as pessoas se enganem – afinal, não são os sauditas ou os americanos os responsáveis pela corrupção endêmica, o mau gerenciamento ou o monopolizador estrangulamento da Guarda Revolucionária sobre a economia. Todas essas coisas mostram precisamente porque o sistema atual – como a antiga União Soviética – não podem permitir reformas sem se condenar ao colapso. 

O fato é que muitos iranianos agora parecem entender é que isso não traz bons presságios para o futuro do país. Ao tornar uma verdadeira reforma impossível, o regime parece determinado a mostrar que a única opção realista para mudança é a do confronto violento – levando alguns cidadãos a expressarem o medo de que seu país poderia estar indo em direção de se tornar “outra Síria”. Esperemos que eles encontrem uma solução.

Tradução de Maíra Santos.
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