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O bispo sudanês Macram Gassis, que morreu no domingo (11), aos 84 anos de idade
O bispo sudanês Macram Gassis, que morreu no domingo (11), aos 84 anos de idade| Foto: The Global Lane/YouTube/Reprodução

O bispo Macram Gassis vislumbrava uma civilização cristã moderna na mais inóspita das circunstâncias: no Sudão. Por quase quatro décadas, até pouco antes da sua morte no domingo passado (11), aos 84 anos de idade, o bispo católico trabalhou incansavelmente para colocar em prática essa visão, colocando sua própria vida em risco muitas vezes. Ele foi um herói extraordinário.

Sua diocese de El Obeid abrangia uma área devastada pela guerra com o triplo do tamanho da Itália, que incluía as Montanhas Nuba e parte do sul sudanês. Área de deserto em grande parte subdesenvolvida, com uma economia apenas rudimentar, foi alvo de repressão genocida por parte de uma ditadura militar islâmica que manteve o poder em Cartum por 30 anos, até ser derrubada em 2019.

Ordenado sacerdote missionário pela ordem religiosa comboniana, o bispo Macram era sobretudo um pastor. Percorrendo a vasta região ao redor da sua diocese, ele batizou, crismou e ordenou centenas de católicos. Ele celebrou casamentos e orou pelos mortos.

Uma foto inesquecível mostra uma fila interminável de homens, mulheres e crianças sudaneses brilhantemente vestidos, numa área com mato alto em uma liturgia ao ar livre, para receber a Sagrada Comunhão do bispo, que, por sua vez, está elegantemente vestido e usando uma mitra como se estivesse em uma grande catedral. Sua catedral de verdade e igrejas foram deliberadamente atingidas pelas bombas do governo do Sudão. Apesar dos perigos, atingiu um sucesso incrível no recrutamento de padres e freiras para ajudá-lo a pregar o Evangelho e realizar boas ações.

Para o bispo Macram, honrar a dignidade humana significava que todos devem ser educados, cuidados e respeitados – mulheres, católicos, protestantes, muçulmanos, seguidores de práticas tradicionais, jovens e idosos.

Com o tempo, ele forjou uma sociedade civil que gerou igrejas, escolas, hospitais, maternidades e clínicas de saúde, centros de treinamento de professores, centenas de poços de água potável, reitorias e conventos.

Em aviões precários, ele transportou suprimentos humanitários e materiais altamente necessários, incluindo sacos de cimento. Ele convenceu arquitetos, contadores e profissionais de saúde a se juntarem a ele. Isso exigia que ele viajasse para o Ocidente, implorando por ajuda.

Durante o auge da perseguição religiosa na diocese de El Obeid, ele foi esnobado por Theodore McCarrick, hoje destituído, mas que na época era um poderoso cardeal e arcebispo de Washington, capital americana. Mas como convidado frequente de Raymond Arroyo na emissora católica EWTN, o bispo Macram falava apaixonadamente sobre as necessidades da sua diocese sitiada, e muitas manifestações de apoio aconteciam em seguida.

Um dos feitos extraordinários do bispo Macram, elogiado até mesmo pelo New York Times, foi o Hospital Mãe da Misericórdia, nas remotas Montanhas de Nuba. Ele lançou o empreendimento no início dos anos 2000, enquanto se recuperava de um câncer. É o único hospital moderno em centenas de quilômetros e atende uma população de mais de 1 milhão de pessoas.

Em 2008, ele contratou Tom Catena, um médico americano e, assim como ele, uma lenda. Catena ainda está lá, agora auxiliado por dezenas de enfermeiros e farmacêuticos diplomados e pela primeira equipe de médicos assistentes qualificados de Nuba. Catena conheceu o bispo por meio da médica pessoal deste, a cirurgiã Deirdre Byrne, freira de Washington integrante dos Pequenos Trabalhadores do Sagrado Coração. Inspirada pelo bispo, ela também viajou para o Mãe da Misericórdia, para fazer cirurgias.

O bispo também ousou erguer a voz contra os violentos ataques do antigo governo. Em 2014, a Associated Press publicou uma reportagem sobre seus protestos após onze bombardeios contra o hospital em dois dias.

Conheci o bispo Macram no início dos anos 1990, em uma conferência de direitos humanos da ONU, em Genebra, na Suíça, quando fiz parte da delegação dos Estados Unidos. Presente para testemunhar sobre os massacres em seu país natal, o Sudão, ele foi um dos poucos líderes da Igreja a se manifestar (como também fez perante o Congresso dos EUA) sobre as atrocidades em curso contra a liberdade religiosa naquela região e para alertar sobre a crescente ameaça do terrorismo islâmico. Essa ação singular resultou em um mandado de prisão expedido pelo governo sudanês e manteve sua vida em risco a cada minuto que permaneceu no país.

Depois que parte do rebanho do bispo foi libertado da escravidão, incluindo escravidão sexual, em Cartum, perguntei a ele: “O que um pregador pode dizer a sobreviventes profundamente traumatizados?”.

Ele afirmou que lhes disse para manter a cabeça erguida, porque “vocês também são amados como filhos de Deus, que ensinou que todos nós devemos chamá-Lo de Abba, Pai”. Ele também pregou para nós, ocidentais. “Meu povo não é mendicante”, ele me disse, explicando que, embora peçam ajuda material, seu testemunho de fé diante da extrema perseguição é uma lição de profunda devoção espiritual para a Igreja ocidental.

Até 2000, mais de 2 milhões de nubanos e sudaneses do sul, a maioria cristãos, foram mortos por Cartum por meio de ataques armados a aldeias e fome em massa intencional. Ele implorou em suas cartas de Natal: “Por favor, continuem orando por nós. Meu rebanho está na via crucis. Nossa crucificação ainda continua”.

Sua coragem provinha da fé. Dedicou sua vida a Deus e à sua igreja. Ele se deleitava em contar histórias aos ocidentais sobre os Nuba, Dinka, Nuer e outras pessoas de sua diocese, tornando viva a humanidade do “seu povo”. Notavelmente, embora tivesse origem nacional sudanesa, sua origem étnica era árabe, enquanto “seu povo”, aquele a quem dedicou sua vida, era africano, de origens religiosas variadas. Com o mesmo espírito, ele serviu de ponte entre o Oriente e o Ocidente, em casa e entre amigos em ambos os lugares.

O bispo Macram fará muita falta.

*Nina Shea é diretora do Centro de Liberdade Religiosa do Hudson Institute.

© 2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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