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Acelerador de partículas

“Ou comprova-se `modelo-padrão´, ou a Física passará por revolução”

“Esta é uma época muito empolgante para a Física, com inúmeras implicações, inclusive filosóficas. Foi assim com a mecânica quântica, no início do século passado.”Gabriel Guerrer, doutorando em Física que estuda atualmente no Cern, em Genebra | Álvaro Gomes dos Santos Neto
“Esta é uma época muito empolgante para a Física, com inúmeras implicações, inclusive filosóficas. Foi assim com a mecânica quântica, no início do século passado.”Gabriel Guerrer, doutorando em Física que estuda atualmente no Cern, em Genebra (Foto: Álvaro Gomes dos Santos Neto)

Entrevista com o físico brasileiro que trabalha com o LHC Gabriel Guerrer

Enquanto o mundo inteiro observou com curiosidade e temor, na semana passada, as notícias sobre o teste da supermáquina aceleradora de partículas, em Genebra, na Suíça, um curitibano estava radiante com a oportunidade de integrar o projeto.

O estudante de doutorado Gabriel Guerrer, de 24 anos, faz parte de um dos quatro experimentos ligados ao Grande Colisor de Hádrons (LHC), testado na última quarta-feira, quando feixes de prótons (partícula que integra o núcleo dos elementos) foram colocados para circular dentro de um túnel de 27 quilômetros.

No dia do teste, Gabriel estava em um congresso de Física em Roma e ficou surpreso com a repercussão na imprensa. Para ele, a parte mais interessante do experimento virá daqui a algumas semanas: os prótons irão colidir uns com os outros, transformando energia em matéria. Esse é o objetivo do projeto: detectar as partículas produzidas nas colisões de alta energia, em busca do bóson de Higgs, a chamada "partícula de Deus", que explicaria como a massa é formada – umas das questões mais fundamentais da Física, ainda sem resposta.

Desde junho na Suíça, onde fica até dezembro, o curitibano será um dos cientistas a monitorar os resultados das colisões.

Em entrevista concedida à Gazeta do Povo, de Roma, por telefone e e-mail, ele conta que nunca teve temor dos efeitos do teste – ao contrário de cientistas que tentaram barrar o experimento. Impressionada, uma jovem indiana teria se suicidado por causa do lançamento do LHC. Leia abaixo como Gabriel chegou ao Laboratório Europeu de Física de Partículas (Cern) e como será seu trabalho no projeto:

Gazeta do Povo – Como foi seu percurso profissional até chegar ao Cern?

Gabriel Guerrer – Fiz a graduação na Universidade Federal do Paraná (UFPR), bacharelado em Física. Depois parti para um mestrado na área de Física experimental de altas energias, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro. Hoje estou no segundo ano do doutorado, no mesmo instituto, num período de cooperação com o Cern. Sempre tive isso em vista e fui me direcionando para esse objetivo. Ir para o Cern era fundamental para ver as coisas de perto.

Qual é a sua ocupação dentro do projeto?

O nosso grupo desenvolveu um novo método para medir a "quantidade da violação da simetria de carga-paridade" – algo que tem sido recebido com entusiasmo pela comunidade científica. No meu experimento, o LHCb, também estou desenvolvendo outras atividades de caráter mais prático. Participo do monitoramento do experimento – rodadas de oito horas na sala de controle, observando vários monitores e gráficos para garantir o funcionamento e a qualidade dos dados – e do desenvolvimento e teste do "trigger" (um sistema computacional). O que acontece é que temos 40 milhões de colisões por segundo, mas só podemos guardar em disco 2 mil, por motivos técnicos. O que o "trigger" faz é aplicar critérios para escolher eventos de interesse para nossa análise, de maneira muito rápida. Temos de garantir o armazenamento de eventos "bons" – senão, todo esforço para fazer a máquina funcionar seria em vão. É uma parte fundamental do experimento.

Qual é a principal contribuição de todo o projeto, na sua opinião?

Além das criações tecnológicas, como a invenção da GRID (utilização de vários computadores ligados por rede de alta-velocidade, ao invés de uma super máquina para processar a enorme quantidade de dados gerada pelo experimento) e o desenvolvimentos de novos aparelhos para exames médicos, acho que o grande papel do experimento é confirmar se a teoria física que temos atualmente, o "modelo-padrão", descreve corretamente os fenômenos em uma nova escala de energia – ou se precisamos de uma teoria completamente nova. Seria uma grande revolução. Esta é uma época muito empolgante para a Física, com inúmeras implicações, inclusive filosóficas. Foi assim com a mecânica quântica, no início do século passado.

Você acredita que o projeto trará novas informações sobre o Universo?

Eu vejo o LHC como o maior empreendimento humano da atualidade em termos de número de pessoas envolvidas, uso de tecnologia de ponta, complexidade e possibilidade de novas descobertas. Acre-dito que será um marco na Física, expandindo a fronteira do conhecimento humano, ajudando os cientistas a compreender melhor a estrutura da matéria e suas interações fundamentais.

Você sentiu receio de que houvesse algum tipo de risco?

De maneira nenhuma. Colisões a energias muito maiores que a do LHC acontecem todos os dias na nossa atmosfera, causadas por partículas provenientes de outros lugares do Universo, conhecidas como raios cósmicos. Se fosse realmente possível criar buracos negros a partir da colisões de partículas a alta energia, isso já teria acontecido há muito tempo, na época dos dinossauros (risos).

Qual é a diferença de potência entre o LHC e aceleradores de partículas que temos no Brasil?

No Brasil, os aceleradores operam a energias muito menores. Não vale nem a pena comparar a diferença de energia porque são destinados a outros tipos de estudos, com outros objetivos.

Você acredita em Deus?

Não acredito no Deus bíblico, assim como não acredito na ciência como verdade absoluta. Acho que a vida é recheada de coisas que nunca compreenderemos, por uma limitação própria do ser humano. Assim, não vejo a Física como a descrição do que é e como funciona o Universo, mas como nós o entendemos. Deus, para mim, é a natureza, os seres-vivos, os sentimentos nobres. Aí, sim, digo que acredito em Deus e que estamos aqui para aprender, vivenciar, evoluir e ser felizes.

Qual é o seu sonho para depois do doutorado?

Gosto de desafios e da liberdade criativa. Pode ser que continue fazendo pesquisa, mas também me vejo trabalhando em uma grande empresa ou indústria e até mesmo dando aula em cursinho. Não sei ainda, tenho aproveitado ao máximo essa fase. Mas tudo pode acontecer.

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