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Uma disputa judicial internacional que dura cinco anos, envolvendo a guarda de um menino de 8 anos, de pai norte-americano e mãe brasileira, atingiu na última semana o plano diplomático e pode ser tema de uma conversa entre os presidentes Lula e Obama marcada para este mês. Nesta quarta-feira (4), a secretária norte-americana de Estado, Hillary Clinton, disse que está pressionando o governo brasileiro pelo retorno do garoto.

O ex-modelo norte-americano David Goldman reivindica a guarda do filho que teve com a brasileira Bruna Bianchi, morta em 2008 no parto de sua segunda filha. Desde a morte de Bruna, o segundo marido dela tem a guarda da criança, de acordo com decisão provisória da Justiça brasileira.

O caso começou na Justiça estadual do Rio e depois passou para a competência federal.

Goldman diz que o Brasil viola uma convenção internacional ao negar seu direito à guarda do filho. A família brasileira do garoto diz que, por "razões socioafetivas", ele deve permanecer no país.

Destaque na TV dos EUA

O caso ganhou repercussão nos Estados Unidos depois de Goldman dar uma entrevista à rede NBC em 30 de janeiro, em que ele defendeu sua posição de maneira emocionada.

Desde a separação, Goldman recebeu apoio de vários políticos norte-americanos. Em 24 de fevereiro, reportagem do jornal "The New York Times" disse que o Congresso americano analisa duas resoluções cobrando do Brasil a repatriação da criança. Uma rede de amigos de Goldman mantém um site no qual faz campanha a favor da sua causa.

O Departamento de Estado americano já citou o Brasil anteriormente por não respeitar o tratado de abdução de Haia, acusando o país de ser tendencioso em favor dos cidadãos brasileiros. A convenção garante um mecanismo para resolver os casos de abdução entre os países que assinaram o acordo - a criança deve ser devolvida prontamente, e a custódia deve ser disputada no país de origem dela.

Em entrevista ao jornal "O Globo", Goldman definiu-se como "um pai à procura de Justiça". Ele acusou a família Bianchi de impedir o seu contato com o filho, e negou a versão de que estaria explorando a imagem da criança ou interessado em dinheiro.

Goldman desmentiu também que seu caso seja uma disputa entre EUA e Brasil. "Esta não é uma disputa entre Brasil e EUA, e sim o caso de um pai que busca o direito de educar seu filho", disse a "O Globo". "Há muita gente boa, honesta e trabalhadora no Brasil e nos EUA, que reconhece a importância da presença dos pais na vida de seus filhos. Você acredita que autoridades governamentais estariam discutindo o meu caso se não soubessem com certeza que as minhas alegações são verdadeiras? Eu tenho lutado por meu filho com dignidade e amor, e ninguém poderá mudar isto."

O G1 pediu entrevista com David Goldman, mas, segundo um amigo, ele estava viajando e só depois iria avaliar o pedido.

Advogado do padrasto

O G1 também procurou João Paulo Lins e Silva, o viúvo de Bruna que detém a guarda da criança no Brasil. Um advogado foi designado para dar entrevista. A guarda de Sean, segundo o advogado Carlos Eduardo Martins, foi concedida a João Paulo uma semana depois da morte de Bruna, quando o padrasto deu entrada com uma ação declaratória de paternidade socioafetiva e com o pedido de guarda propriamente dito.

"Ao contrário do que andam dizendo, isso não foi feito no apagar das luzes. A mãe dele faleceu e ele estava sem guardião. Essa guarda provisória tem natureza de urgência", disse Martins. Segundo ele, o pedido teve o consentimento dos avós maternos do menino, e o processo contou com declarações de várias pessoas que conviviam com a família.

Esse processo, que corria numa vara de família estadual, acabou se unindo a uma ação federal, da União, com assistência de David, contra João Paulo, pedindo que se cumpra a Convenção de Haia e restituição do menor para os EUA. "Apesar de naturezas distintas, os dois processos foram unidos por conta do pedido de visitação feito pelo pai", diz o advogado dos Bianchi, que explica que nos dois casos, os pedidos foram negados por falta de estudos psicológicos.

Na última semana, conta Martins, o menino passou por uma sessão dessa perícia psicológica, e David e seus pais são esperados para um procedimento semelhante daqui a duas semanas.

Por conta da batalha judicial, a família brasileira do menino o tem deixado inteirado do que anda acontecendo. "Ele sabe, claro, limitado ao entendimento de uma criança de 8 anos. A gente tenta amenizar isso ao máximo possível", diz o advogado.

Casamento, filho e separação

Goldman conheceu Bruna em Milão, na Itália, em 1997. Eles casaram-se dois anos depois e foram viver no estado norte-americano de Nova Jersey.

Os dois tiveram um filho em 2000, nascido na cidade de Red Bank. Essa criança se tornaria o foco de uma disputa internacional dali a quatro anos.

Goldman levou Bruna e o filho deles ao aeroporto de Newark, em Nova Jersey, em junho de 2004, para que eles viajassem de férias ao Brasil para visitar a família materna. Na época, a família vivia em Tinton Falls.

O plano original era de que ele próprio se reunisse a eles dali a uma semana, no Rio, e por isso, segundo ele, a viagem do garoto foi consentida.

Antes que isso acontecesse, Bruna, já no Brasil, ligou para o marido anunciando o fim do casamento, pedindo o divórcio e a custódia do filho. Segundo Goldman, ela disse que, se ele quisesse ver o menino novamente, teria de conceder a ela a custódia da criança.

O caso foi parar na Justiça internacional, com Goldman apelando a convenções internacionais e acusando a ex-mulher de abdução internacional de crianças. Independentemente das tentativas de Goldman, Bruna conseguiu manter a guarda do menino no Rio de Janeiro.

No ano passado, ocorreu uma reviravolta. Bruna, então com 34 anos, morreu de complicações no parto de seu segundo filho, uma menina, fruto de um novo casamento no Brasil, com João Paulo Lins e Silva, advogado que a representou no divórcio.

Obama e Hillary

Sem a presença da mãe do garoto no processo, Goldman voltou a apelar para obter a guarda do filho. Seu caso foi levado à administração do novo presidente do Estados Unidos, Barack Obama, que tomou posse em 20 de janeiro. Goldman coloca na internet um e-mail de apoio que teria recebido de Obama.

No dia 25 de fevereiro, a secretária norte-americana de Estado, Hillary Clinton, reuniu-se com o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O caso de Goldman foi dicutido. Segundo jornais brasileiros e norte-americanos, o assunto também deve entrar na pauta de discussão entre os presidentes Obama e Lula, que têm encontro marcado para este mês, em Washington. Um protesto de pessoas ligadas a Goldman está marcado para a data.

Nesta quarta (4), Hillary voltou ao assunto. Ela falou ao programa "Today", da NBC, desde Jerusalém, onde está em visita diplomática.

A diplomata disse que David Goldman seguiu as regras "de toda lei conhecida de adoção internacional" e que deve receber a custódia de seu filho. Hillary aplaudiu os esforços de Goldman.

"Eu levei isso até os mais altos níveis do governo brasileiro", disse a secretária.

Hillary disse que o caso de Goldman é só um exemplo de um problema mundial. Ela comparou o caso com o do menino cubano Elián González, que terminou em 2000, na administração de seu marido, Bill Clinton, que decidiu que ele deveria ser devolvido a seu pai em Cuba, apesar da reivindicação de seus parentes em Miami.

Desde que o menino veio para o Brasil, em 2004, Goldman só pôde vê-lo uma única vez, em 9 de fevereiro. Os advogados dele argumentam que, por se tratar de uma criança, o caso precisa ser resolvido com urgência, já que o impasse impede que o menino cresça em contato com o pai.

Atualmente com 42 anos, Goldman disse, nas entrevistas à imprensa norte-americana, que nunca teve nenhuma pista de que Bruna estivesse infeliz com o casamento, e que o pedido de separação e de custódia do filho foram um susto.

Dois meses depois do susto, em agosto de 2004, um tribunal de Nova Jersey julgou errados os esforços para que a criança ficasse no Brasil e ordenou que ela fosse repatriada imediatamente.

Como isso não aconteceu, Goldman apelou em setembro, fazendo com que o caso fosse considerado uma abdução internacional, sujeita à convenção internacional de Haia.

Em outubro de 2005, um juíz federal do Rio de Janeiro decidiu que a transferência do garoto para o Brasil havia ocorrido de forma ilegal. Ele dizia, entretanto, que, se a criança estivesse adaptada ao novo ambiente há mais de um ano, uma cláusula do tratado permitiria que ela fosse mantida no Brasil, e assim permitiu que Bruna continuasse com a custódia do filho.

Goldman apelou novamente, agora ao Supremo Tribunal Federal brasileiro. Ele argumentava que o processo havia sido iniciado menos de um ano após a abdução. Bruna morreu antes que houvesse uma decisão do Supremo.

Dias após a morte de Bruna, Goldman viajou para o Rio para tentar retomar a custódia do filho. Uma decisão da Justiça do Rio, entretanto, permitiu que o segundo marido de Bruna, Lins e Silva, mantivesse a guarda da criança, obtida após a morte.

Processo está na 16ª Vara Federal

A pedido da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), a Advocacia Geral da União (AGU) está movendo uma ação na 16ª Vara Federal do Rio para que a guarda do menino de 8 anos seja restituída ao pai. A informação foi confirmada ao G1 pelas assessorias do Superior Tribunal de Justiça (STJ), da AGU e da SEDH.

O STJ tratou do caso quando surgiu "um conflito de competência" entre as Justiças estadual e a federal. Por envolver a União, o caso foi encaminhado a uma vara federal cível no Rio.

Em nota, a Secretaria dos Direitos Humanos informou que, "a ação busca cumprir a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, da qual o Brasil é signatário. Dentre os compromissos estabelecidos internacionalmente, está o de devolver crianças ilicitamente retidas em qualquer Estado signatário. De acordo com a Convenção, uma criança só pode sair ou permanecer em outro país com a autorização dos detentores do direito de guarda".

A SEDH diz ainda: "O menino, de pai norte-americano e mãe brasileira, foi trazido por esta última em 2004 a pretexto de visitar a família materna. Uma vez no Brasil, a genitora decidiu permanecer com a criança no país sem a anuência paterna. A atitude ensejou processo de restituição na Justiça brasileira. A mãe contraiu novo matrimônio, com um brasileiro, e neste ano, após complicações decorrentes de um segundo parto, faleceu. O padrasto da criança reivindicou e obteve sua guarda temporária em decisão liminar proferida pela justiça estadual do Rio de Janeiro".

Por fim, a nota informa: "Sob a perspectiva da SEDH, uma vez que o pai norte-americano é detentor da guarda legal da criança nos EUA, a concessão da guarda temporária no Brasil ao padrasto está em desacordo com os dispositivos da Convenção de Haia, que rege a matéria. Por essa razão, a SEDH oficiou o Conselho Nacional de Justiça para manifestar sua preocupação a respeito da condução do caso".

A Advogacia Geral da União informou que não se manifesta sobre o caso.

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