• Carregando...
A capital mais fria do mundo também pode se tornar a mais poluída | BRYAN DENTON/
NYT
A capital mais fria do mundo também pode se tornar a mais poluída| Foto: BRYAN DENTON/ NYT

Há muito tempo, os mongóis confiam no folclore para explicar o quanto seus invernos são frios.  

Durante a primeira das nove fases da estação – cada uma composta de nove dias, começando em 22 de dezembro – dizem que a vodca feita a partir do leite congela. Durante o terceiro período de nove dias, quando as temperaturas podem chegar a 40 graus negativos tanto em Fahrenheit quanto em Celsius, o rabo de um boi de três anos cai. Por volta do sexto grupo de nove dias, que ocorre no meio de fevereiro, espera-se que as estradas reapareçam sob o gelo e a neve.  

Para os quase 1,5 milhão de moradores da capital, Ulaanbaatar, no entanto, o sofrimento do inverno é hoje definido quase que totalmente pela fumaça que sai das chaminés da cidade. Desde 2016, além de ser a capital mais fria do mundo, também teve a distinção de ter um dos maiores níveis de poluição do ar já registrados, ultrapassando megacidades famosas pela poluição como Pequim e Nova Délhi.  

Segundo números do governo local, cerca de 80% da poluição do ar de Ulaanbaatar é produzida por apenas metade da população que mora nos distritos "ger" do norte da cidade, nomeados assim por suas tradicionais casas nômades, importantes para o estilo de vida pastoril dos mongóis.  

A ger, ou cabana circular, é uma tenda que compreende um cômodo, com as camas e os móveis da família dispostos ao redor do equipamento que torna possível viver em um projeto de arquitetura simples em um clima tão hostil: um fogão. A ger pode ser embalada e colocada em um caminhão e montada novamente em poucas horas.  

Com pouco trabalho disponível nas pequenas cidades da Mongólia, centenas de milhares deixaram para trás o estilo pastoril nômade na esperança de encontrar oportunidades na cidade de Ulaanbaatar, que teve um crescimento rápido por causa dos minérios. E eles se instalaram nos distritos ger, que surgiram por causa da falta de clareza sobre a propriedade da terra.  

Durante a era comunista, a terra era do Estado, mas, a partir de 1991, os terrenos foram definidos como propriedade dos cidadãos da Mongólia, o que causou confusão à medida que recém-chegados à cidade reivindicavam terras e exigiam o direito de posse.  

Questão de sobrevivência

Nos últimos anos, os trabalhadores migrantes predominantemente de baixa e média renda que moram nesses distritos não planejados vêm queimando mais de 907.185 toneladas métricas de carvão bruto por ano. O uso mais pesado é durante o inverno quando ficar aquecido se torna uma questão de sobrevivência já que as temperaturas permanecem abaixo de zero por semanas. Aqueles que não podem pagar pelo carvão em geral queimam lixo, colocando plásticos e outros poluentes na mistura.  

Enquanto as famílias se aglomeram do lado de dentro, queimando carvão sem parar, regiões da cidade veem seus níveis de material particulado fino, um poluente, crescer aos milhares. Em 30 de janeiro, uma estação de Ulaanbaatar registrou uma leitura de 3.320 microgramas por metro cúbico – 133 vezes o que a Organização Mundial de Saúde estabelece como seguro e mais de seis vezes o que considera perigoso.  

Em janeiro, o primeiro ministro Ukhnaagiin Khurelsukh anunciou que o transporte e o uso de carvão bruto em Ulaanbaatar seriam banidos a partir de abril de 2019 como parte de um esforço para melhorar a qualidade do ar na cidade.  

Enquanto isso, o governo vem tentando, com seus recursos limitados, reduzir o problema. Foram oferecidos subsídios para as famílias para a compra de fogões que produzem menos poluição e, desde janeiro de 2017, a eletricidade em vários dos maiores distritos poluidores da cidade é gratuita durante a noite, quando os níveis de poluição são mais severos.  

Mas o custo dos aquecedores elétricos que conseguem esquentar adequadamente uma casa com isolamento fino no frio do inverno está fora do alcance da maioria nos distritos ger. A eletricidade não subsidiada é mais cara do que o carvão e muito menos abundante.  

Proibição

A proibição programada do carvão causou surpresa entre os mineiros e os vendedores que extraem e transportam caminhões de combustível recém-extraído da região da cidade de Nalaikh, que fornece 75 por cento do carvão queimado nos distritos ger.  

Muitos não acreditam que o governo da Mongólia vai conseguir impor a proibição.  

"É um conto de fadas", afirma Khangai Unurkhaan, de 25 anos, que vende carvão bruto de caminhão no mercado Shar Khad perto do centro da cidade.  

"Existem milhares de famílias que mineram, vendem e queimam carvão para viver", explicou Unurkhaan, que mal tinha dado seu nome e já estava saindo para entregar na casa de um cliente uma carga de mais de uma tonelada métrica de carvão, que custa de US$65 a US$75, dependendo da qualidade do produto, e dura um mês para uma família, segundo estimativas oficiais.  

Os moradores, porém, concordam que alguma coisa precisa ser feita, principalmente para proteger os mais novos e os mais velhos, que correm riscos maiores por causa da poluição.  

Consequências

As alas pediátricas dos hospitais já possuem bancadas de nebulizadores para tratar a grande variedade de infecções respiratórias e vírus que se tornam crônicos e perigosos durante os meses de inverno.  

Por causa da poluição, "uma gripe simples se torna uma pneumonia ou uma bronquite muito facilmente. E precisa de um tratamento de longo prazo", explica o doutor Soyol-Erdene Jadambaa, imunologista do hospital infantil de alergia e imunologia Batchingun, uma clínica privada.  

"Precisamos de uma cidade completamente nova", afirma Batmend Shirgal, que foi criado em Ulaanbaatar e agora é engenheiro em uma das usinas de energia da cidade, enquanto sua filha de dois anos ajuda o irmão mais novo a segurar um nebulizador na frente do rosto na Clínica Pediátrica Seven Dwarfs, perto do aeroporto de Ulaanbaatar.  

A família viveu o ano todo em uma parte planejada da cidade com aquecimento municipal até o ano passado, quando as duas crianças sofreram casos severos de pneumonia e foram hospitalizadas. Este inverno, a família fugiu para Nalaikh, a 38 quilômetros da cidade, onde o ar é mais limpo apesar de a região ser a fonte primária do carvão de Ulaanbaatar.  

"Se você tirar o carvão do ger, as pessoas vão queimar qualquer coisa. Os pneus de seus carros, as cercas dos vizinhos. É difícil sobreviver com 30 graus negativos", diz Shirgal.  

The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]