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Cardeal Jean-Marc Aveline

cardeal Jean-Marc Aveline
O cardeal Jean-Marc Aveline, arcebispo de Marselha, em foto de 2022. (Foto: Fabio Frustaci/EFE/EPA)

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A Gazeta do Povo publica, com exclusividade no Brasil, o perfil do cardeal Jean-Marc Aveline preparado pelos vaticanistas Diane Montagna e Edward Pentin, autores do projeto The College of Cardinals Report. Jornalistas com décadas de experiência na cobertura do Vaticano, Montagna e Pentin escreveram perfis de todos os cardeais apontados como principais candidatos a suceder Francisco no comando da Igreja Católica, com informações biográficas e suas posições sobre temas em debate dentro da Igreja.

O cardeal Jean-Marc Noël Aveline, arcebispo de Marselha e supostamente o “favorito” do papa Francisco para sucedê-lo, é um prelado afável e erudito, um papável emergente com ampla aceitação, dedicado às questões de migração e diálogo inter-religioso.

Ele vem de uma família de pieds-noirs, um grupo etnocultural de franceses e outros europeus que se estabeleceram na Argélia durante o período colonial francês. Nasceu na cidade argelina de Sidi bel Abbès, que já foi sede da Legião Estrangeira Francesa, em 26 de dezembro de 1958.

Em 1962, quando tinha apenas 4 anos, Jean-Marc e seus pares foram forçados ao exílio após a Argélia conquistar a independência, depois de uma guerra sangrenta. Como todos os repatriados, ele e sua família vagaram de hotel em hotel, chegando primeiro a Villejuif, perto de Paris, e depois a Marselha, onde se estabeleceram em 1965. Foi ali que sua família finalmente encontrou alguma estabilidade. Devido a essa infância traumática, Aveline manteve uma preocupação especial com os migrantes e uma sensibilidade ao tema do exílio.

O pai de Aveline era funcionário da SNCF (a companhia ferroviária estatal francesa) e ele cresceu nos bairros do norte de Marselha, os mais pobres dessa metrópole cosmopolita de onde nunca sairia. Em 1975, Jean-Marc concluiu o bacharelado em Marselha e, dois anos depois, ingressou no seminário em Avignon. Foi influenciado pelo poeta e místico padre Jean Arnaud, cofundador da Missão Operária em Marselha, que lhe ensinou a amar “uma Igreja mariana e escatológica”, “uma Igreja gentil, capaz de partir apressadamente para visitas inesperadas”, mas onde “a comunhão vem antes da organização e a misericórdia prevalece sobre o julgamento”.

Devido à saída traumática de sua família da Argélia para a França, Aveline manteve uma preocupação especial com os migrantes e uma sensibilidade ao tema do exílio

Aveline concluiu seus estudos no seminário em Paris, no Seminário dos Carmelitas. Estudou no Instituto Católico de Paris e se formou em Grego Bíblico, Hebraico e Teologia. Ao mesmo tempo, estudou Filosofia na Sorbonne.

Segundo o prefeito de Marselha, Benoît Payan, citado na revista L’Obs, Jean-Marc Aveline é um homem de “inteligência superior”. Outros o descrevem como alguém naturalmente bondoso, muito perspicaz e de caráter complexo.

Aveline foi ordenado sacerdote em 3 de novembro de 1984, para a arquidiocese de Marselha. Durante esse período, tornou-se amigo do cardeal Roger Etchegaray, então arcebispo de Marselha, que o considerava seu “filho espiritual”. Continuou seus estudos em Teologia até o nível de doutorado e, em 2000, defendeu sua tese sobre a cristologia das religiões.

Sendo um acadêmico, a educação é uma de suas prioridades. O ensino superior e a pesquisa universitária são um fio condutor em sua trajetória. Ele lecionou no seminário interdiocesano de Marselha antes de se tornar diretor de Estudos. Em 1992, por iniciativa do cardeal Robert Coffy, então arcebispo de Marselha, fundou o Instituto de Ciência e Teologia das Religiões (ISTR) em Marselha, que dirigiu até 2002. A missão do instituto é inserir a fé cristã no contexto da “pluralidade de culturas e religiões”, e convidar a teologia, em uma perspectiva mediterrânea, a ser uma teologia “de acolhimento e diálogo”.

A partir de 1995, foi diretor do Instituto Saint-Jean, que se tornou o Instituto Católico do Mediterrâneo, ligado à Universidade Católica de Lyon. Seu perfil chamou a atenção de Bento XVI, que o nomeou membro do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso em 2008.

Suas origens modestas e sua constante preocupação com as “periferias” de sua Arquidiocese de Marselha – uma cidade caracterizada por sua posição mediterrânea, abertura ao mundo e grandes fluxos migratórios – claramente contam a favor de Aveline na visão do papa Francisco

De 2008 a 2013, Aveline atuou como vigário-geral da Arquidiocese de Marselha. Trinta anos após sua ordenação sacerdotal, em 26 de janeiro de 2014, foi consagrado bispo auxiliar de Marselha pelo arcebispo Georges Pontier. Sucedeu a Pontier quando o papa Francisco o nomeou arcebispo metropolitano da cidade, em 8 de agosto de 2019.

Aveline foi um dos 21 cardeais criados pelo papa Francisco no consistório de 27 de agosto de 2022, tornando-se o quinto cardeal eleitor da França na época. Ele é visto por alguns na França como o responsável pelo fim de uma “dinastia” de quatro décadas do falecido cardeal Jean-Marie Lustiger, de Paris, e o prenúncio da “nova era” frequentemente mencionada por Francisco.

Em setembro de 2023, ele conseguiu algo que seus confrades bispos não haviam conseguido: convencer o papa Francisco a visitar a França – não para uma visita ao país em si, como Francisco fez questão de destacar, mas para um encontro com bispos e jovens do Mediterrâneo em Marselha. A visita foi altamente significativa para o cardeal, para quem os desafios do Mediterrâneo são decisivos para o futuro do mundo.

Em 2 de abril de 2025, o cardeal Aveline foi eleito o novo presidente da Conferência dos Bispos Franceses, com posse marcada para 1.º de julho.

O cardeal Jean-Marc Aveline é frequentemente retratado na imprensa francesa – católica ou não – como o prelado favorito do papa Francisco, e é considerado o bispo francês mais “bergogliano”. Suas origens modestas e sua constante preocupação com as “periferias” de sua Arquidiocese de Marselha – uma cidade caracterizada por sua posição mediterrânea, abertura ao mundo e grandes fluxos migratórios – claramente contam a seu favor na visão do papa Francisco. Diz-se que os dois se encontravam regularmente no Vaticano, fora das agendas oficiais. Ele é especialmente bem-visto por aqueles da esquerda política e eclesiástica.

Sobre questões polêmicas dentro da Igreja, o cardeal Jean-Marc Aveline adota uma postura cautelosa, evitando se posicionar de forma clara

Tendo crescido em Marselha, onde a comunidade muçulmana é particularmente forte e os fiéis de muitas religiões convivem, sua história pessoal o torna muito sensível à questão dos migrantes e do diálogo inter-religioso. O papa Francisco chegou a considerar nomeá-lo prefeito do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso, mas preferiu que ele continuasse com seu trabalho pastoral em Marselha. Suas visões sobre o diálogo entre religiões refletem de perto as do papa Francisco: evitar esforços de conversão e enfatizar, em vez disso, o “mistério” da pluralidade religiosa, a experiência e a amizade, que superam as fórmulas teológicas.

Sobre questões polêmicas dentro da Igreja – ordenação de mulheres, celibato sacerdotal, comunhão para divorciados recasados – o cardeal Jean-Marc Aveline adota uma postura cautelosa, evitando se posicionar de forma clara. Ele prefere não abordar temas sensíveis nem revelar suas inclinações políticas. Aveline adota uma postura proativa em temas que ganharam destaque no pontificado de Francisco, como o diálogo inter-religioso e a recepção aos migrantes, sem no entanto demonstrar nenhuma militância agressiva sobre tais assuntos. Assim, ele aparece como uma figura bastante liberal, mas inclinado a consensos.

Aveline defende a descentralização radical na Igreja, frequentemente repetindo que seu “centro de gravidade não está nela mesma, mas na relação de Deus com o mundo”. Após uma assembleia dos bispos franceses em Lourdes, afirmou que “o orgulho está corroendo a Igreja” e que, “em vez de se proteger como instituição, ela deve aceitar perder tudo para ganhar Cristo. Sua salvação está na conversão ao Evangelho”.

Segundo um perfil publicado no jornal católico progressista La Croix, o cardeal Aveline é considerado um “verdadeiro homem de oração”, um “pastor muito amado” em sua diocese e alguém com um “contato próximo com as pessoas”, favorecido por sua simpatia mediterrânea, que lhe confere uma aura unificadora. Diz-se dele que é profundamente relacional e alguém que busca novas formas de se conectar com as pessoas.

Os críticos consideram parte do seu pensamento como perigoso, distintivamente heterodoxo e modernista. Suas posições, dizem, se inclinam ao indiferentismo, distanciando-se da compreensão tradicional da fé católica, da revelação divina e da necessidade da Igreja para a salvação.

Aveline provavelmente continuaria a guiar a Igreja na mesma direção de Francisco, mas com um toque mais erudito e menos ideológico

Em 2021, Aveline agiu para encorajar os católicos tradicionalistas depois de Traditionis custodes, chegando a celebrar a missa tridentina após a publicação do documento. Ele também trabalhou para resolver uma disputa entre um bispo francês de mentalidade mais tradicional, de quem é amigo, e o Vaticano – a mediação falhou.

Desde sua nomeação como arcebispo de Marselha, em 2019, o número de vocações caiu, mas não significativamente, com 198 padres registrados em 2023 (contra 221 em 2019). Em 2023, havia um seminarista menor e nove em seminário maior. A diocese tem pouco mais de 1 milhão de habitantes, dos quais 742 mil são listados como católicos.

O cardeal teve duas irmãs, ambas falecidas: Martine, que morreu aos sete meses, e Marie-Jeanne, que faleceu de um câncer agressivo em 2011. Seus pais ainda estão vivos, e ele os visita regularmente e os ajuda.

Alguns temem que, tendo se tornado o bispo mais proeminente da França, Aveline esteja sobrecarregado. A isso, ele responde: “Cada vez que sua carga de trabalho aumenta, você deve aumentar seu tempo de oração”.

O cardeal Jean-Marc Aveline, condecorado com a prestigiada Legião de Honra pelo presidente francês Emmanuel Macron em 2022, provavelmente continuaria a guiar a Igreja na mesma direção de Francisco, mas com um toque mais erudito e menos ideológico. A questão é se, dado sua relativo juventude, os cardeais eleitores desejariam seguir esse caminho por um pontificado longo.

O que o cardeal Jean-Marc Aveline pensa sobre...

Ordenação de diaconisas: É ambíguo. O cardeal Jean-Marc Aveline, em algumas ocasiões, concedeu espaço para mulheres durante as liturgias, mas sem se pronunciar nem a favor nem contra a ordenação de mulheres como diaconisas.

Bênção para casais do mesmo sexo: É contra. O cardeal Aveline foi um dos signatários do comunicado emitido pela Conferência dos Bispos da França, que recomendava cautela em relação a Fiducia supplicans e enfatizava que as bênçãos deveriam ser concedidas a indivíduos, e não a casais.

Tornar opcional o celibato para os padres: É ambíguo. O cardeal Jean-Marc Aveline demonstrou abertura a essa possibilidade. Em 2023, ao ser questionado sobre a permissão para que padres se casem, ele respondeu: “Ah, eu não sei sobre isso! Essas são questões que não dependem de opiniões, mas das necessidades do povo de Deus. É uma questão real; não se pode decidir apenas porque nos reunimos, mas é preciso pesar os prós e os contras, analisar os critérios com cuidado e meditar”.

Restrições à missa tridentina: É contra. Na época de Traditionis custodes, o cardeal Aveline renovou sua confiança nos padres de sua diocese que celebravam a missa tridentina, e o cardeal ocasionalmente celebrou missas no rito tradicional, inclusive após a publicação do motu proprio.

Acordos secretos entre China e Vaticano: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Aveline sobre o assunto.

Promover uma “Igreja sinodal”: É a favor. O cardeal Aveline desempenhou um papel fundamental no Sínodo sobre a Sinodalidade (2021-2024), atuando como membro da comissão responsável por supervisionar, revisar e aprovar o rascunho do relatório de síntese do sínodo durante a assembleia de 2023. Além disso, foi eleito para representar os europeus em um comitê encarregado de elaborar o documento final, em outubro de 2024.

Foco nas mudanças climáticas: É a favor. Em 2021, o cardeal Aveline assinou, junto com o cardeal Peter Turkson, uma petição global intitulada “Saúde da Terra, Saúde da Humanidade”, que relacionava biodiversidade e clima, em preparação para a COP26 sobre o clima em Glasgow e a COP15 sobre biodiversidade na China. A petição foi elaborada por 300 associações católicas para defender a conexão entre clima e biodiversidade. No entanto, essa preocupação com o clima permanece discreta.

Reavaliar Humanae vitae: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Aveline sobre o assunto.

Comunhão para divorciados “recasados”: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Aveline sobre o assunto.

“Caminho sinodal alemão”: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Aveline sobre o assunto.

Dados pessoais

Nome: Jean-Marc Noël Aveline
Data de nascimento:  26 de dezembro de 1958 (66 anos)
Local de nascimento: Sidi Bel Abbès (Argélia)
Criado cardeal: 27 de agosto de 2022, pelo papa Francisco
Posição atual: Arcebispo de Marselha (França)
Lema: Fiat mihi secundum verbum tuum (“Faça-se em mim segundo a tua palavra”)

© 2025 The College of Cardinals Report. Publicado com permissão. Original em inglês: Cardinal Jean-Marc Aveline

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