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A Gazeta do Povo publica, com exclusividade no Brasil, o perfil do cardeal José Tolentino de Mendonça preparado pelos vaticanistas Diane Montagna e Edward Pentin, autores do projeto The College of Cardinals Report. Jornalistas com décadas de experiência na cobertura do Vaticano, Montagna e Pentin escreveram perfis de todos os cardeais apontados como principais candidatos a suceder Francisco no comando da Igreja Católica, com informações biográficas e suas posições sobre temas em debate dentro da Igreja.
O cardeal José Tolentino Calaça de Mendonça é um poeta, estudioso bíblico e educador em seu Portugal natal, além de um prelado muito alinhado à ala “progressista” da Igreja, com grande afinidade com o papa Francisco.
Nascido em Funchal (Ilha da Madeira), em 1965, ele é um dos membros mais jovens do Colégio Cardinalício. Passou seus primeiros anos em Angola, onde seu pai trabalhava como pescador. Esses anos foram marcados por memórias afetuosas, mas também pela traumática experiência de testemunhar o assassinato de um homem, um evento que o influenciou profundamente e sobre o qual ele mais tarde escreveu em sua poesia (1).
À época, Angola era uma colônia portuguesa, embora a guerra de independência já estivesse em curso. Após a Revolução dos Cravos (em 25 de abril de 1974), em Portugal, as colônias receberam a promessa de independência, o que levou a uma fuga em massa da população branca. A família Mendonça retornou a Madeira quando José Tolentino tinha 10 anos, mas a experiência africana deixou sua marca no cardeal.
Após retornar a Madeira em 1975, Tolentino ingressou no seminário menor e se formou em Teologia pela Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, em 1989. Foi ordenado no ano seguinte para a Diocese do Funchal, mas atuou como pároco em Madeira por apenas três anos, antes que seus interesses acadêmicos o levassem de volta ao Patriarcado de Lisboa.
A carreira acadêmica e pastoral de Tolentino inclui as funções de professor de seminário, pároco e reitor do Pontifício Colégio Português, em Roma. Ele obteve um mestrado em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, também em Roma, em 1992.
O cardeal José Tolentino é um leitor apaixonado e prolífico, amante da literatura; sua poesia é altamente considerada por especialistas – mais no âmbito secular do que no religioso
O cardeal José Tolentino de Mendonça teve uma carreira prolífica na Universidade Católica Portuguesa (UCP): após obter seu bacharelado em Teologia em 1989 e seu doutorado em Teologia Bíblica em 2004 pela UCP, ele atuou como professor assistente de 1996 a 1999 e, posteriormente, como professor titular. Sua dedicação à academia culminou em sua nomeação como vice-reitor, em 2012, e decano da Faculdade de Teologia, em 2018.
Ele também ocupou diversos cargos acadêmicos em nível internacional, incluindo professor visitante na Universidade Católica de Pernambuco, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, todas no Brasil. Além disso, foi Straus Fellow na Universidade de Nova York durante o ano acadêmico de 2011-2012, contribuindo para uma equipe de pesquisa focada em “Religião e Razão Pública”.
Ao longo de sua carreira, o cardeal José Tolentino de Mendonça também desempenhou papéis eclesiásticos significativos. Foi o primeiro diretor do Secretariado Nacional para a Cultura da Conferência Episcopal Portuguesa de 2004 a 2014, promovendo o diálogo entre a Igreja e o meio cultural mais amplo em Portugal. Embora o secretariado estivesse nominalmente sob a tutela de um bispo, o então padre Tolentino claramente comandava as ações, e os bispos estavam felizes com esse arranjo.
Em 2018, o papa Francisco escolheu Tolentino para pregar os exercícios espirituais para a Cúria Romana em Ariccia e, quatro meses depois, nomeou-o arquivista e bibliotecário da Santa Igreja Romana, simultaneamente elevando-o a arcebispo. Em 2019, ele foi feito cardeal e nomeado para vários dicastérios do Vaticano. Naturalmente, isso o levou a deixar Lisboa e se mudar para Roma. Em setembro de 2022, Francisco nomeou o cardeal José Tolentino de Mendonça como prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação.
Tolentino atraiu considerável controvérsia durante sua vida sacerdotal, principalmente por simpatizar com abordagens heterodoxas e tolerantes em relação à homossexualidade (embora nunca tenha se manifestado publicamente contra o ensinamento da Igreja nessa área), e por se aliar a uma freira beneditina radical feminista que promove o aborto, a ordenação de mulheres, o “casamento” entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por casais homossexuais. Ele vê tais atos como parte de um esforço para engajar a Igreja com a cultura moderna.
O cardeal José Tolentino de Mendonça fala fluentemente português e italiano, além de um inglês razoável, e domina as línguas clássicas do hebraico e grego antigos, essenciais para seu trabalho acadêmico. É um leitor apaixonado e prolífico, amante da literatura; sua poesia é altamente considerada por especialistas – mais no âmbito secular do que no religioso, ressalte-se. Alguns de seus poemas abordam temas religiosos, mas seu trabalho não pode ser classificado como religioso, abrangendo uma ampla variedade de experiências humanas (2).
Para cardeais-eleitores que desejam um candidato de continuidade, alguém certamente heterodoxo e modernista, com um impulso revolucionário talvez ainda maior que o de Francisco, o cardeal José Tolentino poderia ser o candidato ideal
Seu papel no Dicastério para a Cultura e Educação e sua conexão com grupos influentes como a Comunidade de Santo Egídio, as Nações Unidas e aliados na Cúria Romana fortalecem seu perfil como uma figura modernista significativa dentro da Igreja Católica contemporânea.
Em termos de governança, ele já demonstrou sua capacidade, ocupando inúmeros cargos de autoridade, mas as habilidades administrativas de Tolentino foram questionadas. Ele também não é conhecido por seu espírito de equipe, e pode ser alguém com o qual é difícil trabalhar.
Entre os progressistas, o cardeal José Tolentino de Mendonça é visto como um possível candidato de compromisso no próximo conclave, especialmente se outras figuras como o cardeal Matteo Zuppi não tiverem sucesso. Um pontificado de Tolentino Mendonça seria um retorno a um papa europeu, mas vindo das periferias da Europa, tendo sido criado em Angola e na Ilha da Madeira.
De fato, apesar de ser relativamente jovem, seu status de papabile dentro do Colégio Cardinalício não deve ser subestimado. O cardeal José Tolentino de Mendonça está alinhado com o papa Francisco na maioria das questões e estima muito o pontífice argentino. Para aqueles cardeais-eleitores que desejam um candidato de continuidade, alguém certamente heterodoxo e modernista, com um impulso revolucionário talvez ainda maior que o de Francisco, o cardeal português da Madeira poderia ser o candidato ideal (3).
Notas
(1) “Foi uma etapa para mim muito importante, porque são os primeiros anos da vida, as primeiras coisas que vemos, que temos consciência, digamos. Foi ali que andei na escola pela primeira vez, que me iniciei na experiência do mundo e de fato quem teve essa experiência pela África sabe que há uma marca que permanece, porque a África dá-nos essa dimensão da vastidão, [da] largueza do espaço (...) uma limpidez que nos fica gravada no coração”. Francisco Pinto Balsemão, “José Tolentino Mendonça: ‘Tenho uma relação muito aberta com o papa, que escuto muito, e procuro ser um colaborador leal e presente’”, Deixar um Mundo Melhor, 13 de maio de 2022. Ele também disse que viver em Angola foi um “mundo encantado, não este mundo desencantado da modernidade, mas um mundo anterior à modernidade”.
Em um conclave, o cardeal José Tolentino de Mendonça provavelmente receberia votos entre seus irmãos cardeais portugueses e também entre os do Brasil, onde ele supostamente exerce grande influência
O êxodo da população portuguesa foi traumático não apenas em nível individual, mas para todo o país, que teve de absorver cerca de 1 milhão de pessoas, muitas dos quais perderam tudo. “Portugal ainda não [soube] encontrar uma narrativa na qual possa falar livremente do que foi o nosso encontro com a África”, disse ele, na mesma entrevista. Mais recentemente, refletindo sobre a colônia portuguesa, ele afirmou que percebeu mais tarde “o quanto o sistema colonial, que também era um sistema racista, bloqueia a realidade e não permite que a fraternidade flua de maneira correta”.
(2) Ele publicou seu primeiro livro de poemas, Os Dias Contados, em 1990. Desde então, publicou dezenas de obras, que vão desde poesia até estudos bíblicos, teologia e comentários. A grande maioria de sua obra literária é publicada apenas em português. Seus livros publicados em inglês incluem: Hidden Treasure: The Art of Searching Within (Alba House, 2014); Our Father Who Art on Earth: The Lord’s Prayer for Believers and Unbelievers (Paulist Press, 2013); No Journey Will Be Too Long: Friendship in Christian Life (Paulist Press, 2015); Religion and Culture in the Process of Global Change: Portuguese Perspectives, com os coeditores Alfredo Teixeira e Alexandre Palma (Council for Research in Values & Philosophy, 2016); Jesus and the Woman: Revealing God’s Mercy (Paulist Press, 2017) e I Thirst: Our Desire for God, God’s Desire for Us (Paulist Press, 2019), um retiro pregado para o papa e a Cúria Romana durante a Quaresma de 2018.
(3) Em um conclave, o cardeal José Tolentino de Mendonça provavelmente receberia votos entre seus irmãos cardeais portugueses (surpreendentemente, há muitos deles, relativamente falando) e também entre os do Brasil, onde ele supostamente exerce grande influência. No caso de línguas principais como italiano, inglês, francês e espanhol, não faz muito sentido agrupar os cardeais por idioma nativo, pois suas realidades são diferentes demais para formarem um grupo monolítico. O português, no entanto, pode ser uma exceção. Os cardeais de Portugal – e há um número surpreendente deles, considerando o tamanho do país – votariam facilmente em um compatriota, e os dos países africanos de língua portuguesa talvez também o fizessem, dados os laços muito fortes entre as igrejas, que permanecem em grande parte livres de qualquer hostilidade remanescente do período colonial.
Os cardeais brasileiros seriam outro caso. Brasil e Portugal estão separados há mais de 200 anos e, embora os laços permaneçam fortes, as realidades sociais em cada país são completamente diferentes, assim como a maioria das preocupações pastorais, desafios e até mesmo o estilo eclesial. No entanto, se alguém pode superar essa diferença, é o cardeal José Tolentino de Mendonça, que exerce grande influência no Brasil e é muito respeitado tanto no mundo cultural quanto na Igreja do país. Isso pode representar apenas cerca de uma dúzia de votos, mas poderia ser suficiente para chamar a atenção para ele após uma primeira rodada, especialmente considerando que, na época do próximo conclave, ele já será uma figura renomada na própria Cúria Romana, podendo também atrair votos de outros cardeais curiais. No mínimo, isso poderia colocá-lo na posição de “grande eleitor”, caso ele decida orientar seus próprios apoiadores a votar em outro candidato.
Deve-se, porém, levar em conta a idade do cardeal. Nascido em 1965, no próximo conclave é improvável que ele tenha chegado aos 60 e poucos anos, podendo ainda estar na casa dos 50. Será que o Colégio Cardinalício gostaria de estabelecer um papado tão longo quanto o de João Paulo II, com um candidato tão semelhante a Francisco? Isso seria uma declaração muito ousada, mas que parece improvável, pelo menos por enquanto.
O que o cardeal José Tolentino de Mendonça pensa sobre...
Ordenação de diaconisas: É ambíguo. Embora o cardeal Tolentino tenha dito que se alinha com o ensinamento oficial da Igreja, suas alianças com defensores da ordenação de mulheres ao diaconato sugerem que ele não é totalmente contrário a essa possibilidade.
Bênção para casais do mesmo sexo: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Tolentino sobre o assunto.
Tornar opcional o celibato para os padres: É ambíguo. O cardeal José Tolentino de Mendonça apoia a continuidade das discussões sobre o celibato sacerdotal.
Restrições à missa tridentina: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Tolentino sobre o assunto.
Acordos secretos entre China e Vaticano: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Tolentino sobre o assunto.
Promover uma “Igreja sinodal”: É a favor. O cardeal Tolentino vê a sinodalidade como algo que vai “marcar a Igreja do futuro” e como vital para sua futura relação com o mundo.
Foco nas mudanças climáticas: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Tolentino sobre o assunto.
Reavaliar Humanae vitae: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Tolentino sobre o assunto.
Comunhão para divorciados “recasados”: É a favor. O cardeal Tolentino comemorou a abordagem do documento e seu discernimento pastoral ao lidar com as complexidades das vidas de cada pessoa.
“Caminho sinodal alemão”: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Tolentino sobre o assunto.
Dados pessoais
Nome: José Tolentino Caraça de Mendonça
Data de nascimento: 15 de dezembro de 1965 (59 anos)
Local de nascimento: Madeira (Portugal)
Criado cardeal: 5 de outubro de 2019, pelo papa Francisco
Posição atual: prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação
Lema: Considerate lilia agri (“Olhai os lírios do campo”)
© 2025 The College of Cardinals Report. Publicado com permissão. Original em inglês: Cardinal José Tolentino de Mendonça



