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A Gazeta do Povo publica, com exclusividade no Brasil, o perfil do cardeal Raymond Burke preparado pelos vaticanistas Diane Montagna e Edward Pentin, autores do projeto The College of Cardinals Report. Jornalistas com décadas de experiência na cobertura do Vaticano, Montagna e Pentin escreveram perfis de todos os cardeais apontados como principais candidatos a suceder Francisco no comando da Igreja Católica, com informações biográficas e suas posições sobre temas em debate dentro da Igreja.
O mais jovem de seis filhos em uma família fortemente ligada às suas raízes irlandesas, o cardeal Raymond Burke cresceu em uma fazenda leiteira rural no meio-oeste dos Estados Unidos. Ele recorda com carinho a formação católica que recebeu de sua família: um pai católico irlandês e uma mãe batista americana, que se converteu ao catolicismo após conhecer seu marido. Aos 8 anos, Raymond perdeu o pai, vítima de um tumor cerebral.
Após um período como seminarista na Universidade Católica da América, nos Estados Unidos, onde foi bolsista de filosofia Basselin, ele foi enviado a Roma para estudar na Pontifícia Universidade Gregoriana, dos jesuítas, instituição que formou mais papas do que qualquer outra universidade no mundo. Em 1975, na solenidade de São Pedro e São Paulo, dia 29 de junho, foi ordenado sacerdote pelo papa Paulo VI. Após alguns anos de trabalho pastoral e ensino, foi enviado de volta à Gregoriana, onde completou um doutorado em Direito Canônico antes de retornar, em 1983, para a diocese de La Crosse, no Wisconsin, onde serviu como moderador da cúria e vice-chanceler. João Paulo II chamou Burke de volta a Roma pela terceira vez em 1989, para servir no Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, a “suprema corte” da Igreja, como o primeiro americano nomeado “defensor do vínculo” (o encarregado de defender a validade do matrimônio em processos de nulidade). Nesse período, Burke também lecionou Direito Canônico na Pontifícia Universidade Gregoriana.
Em 1995, Burke foi ordenado bispo por João Paulo II, e designado para a diocese de La Crosse. Durante seu mandato, concebeu o projeto de construção de um grande santuário dedicado a Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira das Américas. O santuário foi finalmente dedicado em 2008, quando ele já era arcebispo de St. Louis, no Missouri, havia cinco anos. Em meio a suas muitas responsabilidades pastorais, continuou publicando trabalhos acadêmicos. Amplamente reconhecido como um especialista em direito canônico, Burke foi chamado de volta a Roma pela quarta vez quando Bento XVI o nomeou prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica. Ele foi elevado a cardeal em 2010 e, desde então, tem continuado seu trabalho no direito canônico, entre muitos outros apostolados.
Burke tem sido especialmente firme na defesa da sacralidade dos sacramentos e da inviolabilidade da vida humana, notadamente ao negar a comunhão a legisladores católicos que promovem o aborto
Em 2014, seu mandato na Assinatura Apostólica chegou ao fim e, em vez de renová-lo, o papa Francisco o nomeou patrono da Ordem Soberana e Militar de Malta. Em 2017, o papa o reintegrou à Assinatura Apostólica, nomeando-o membro do tribunal para que pudesse servir como juiz quando necessário. Uma semana antes de completar 75 anos, em junho de 2023, Francisco o substituiu como cardeal patrono da Ordem de Malta, embora ele já estivesse sem funções nesse cargo desde 2017.
Amplamente reconhecido como um dos maiores especialistas da Igreja em direito canônico, o cardeal Raymond Burke é também conhecido mundialmente por seu trabalho apostólico internacional, incluindo seu apoio às causas pró-vida e à liturgia tradicional, bem como sua devoção à Sagrada Eucaristia, à Santíssima Virgem Maria e ao Sagrado Coração de Jesus.
A devoção do cardeal Burke à Santíssima Virgem manifestou-se em seu bem-sucedido projeto de construção do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe em La Crosse, Wisconsin. Como bispo diocesano, promoveu o crescimento da vida religiosa em sua diocese e impôs disciplina quando necessário. Ele tem sido especialmente firme na defesa da sacralidade dos sacramentos e da inviolabilidade da vida humana, notadamente ao negar a comunhão a legisladores católicos que promovem o aborto.
Em sua experiência curial como ex-prefeito da Assinatura Apostólica, bem como em outros cargos na Cúria Romana, demonstrou um compromisso com a implementação dos ensinamentos da Igreja em conformidade com a tradição católica e o Concílio Vaticano II, evitando, no entanto, envolver-se em jogos de poder curiais, preferindo aplicar a lei da Igreja com justiça e equidade.
O relacionamento do cardeal Burke com o papa Francisco tem sido tenso, ele não hesitou em criticar o pontificado sempre que julgou necessário
O cardeal Raymond Burke é conhecido por sua fidelidade à doutrina revelada da Igreja, característica que, em alguns momentos, provocou fortes críticas daqueles que, dentro da própria Igreja, não aceitam esses ensinamentos. Ele tem respondido com mansidão e oração, mantendo-se firme em suas convicções, o que leva muitos fiéis a procurá-lo em busca de orientação diante de dúvidas ou confusão em relação à liderança da Igreja. Aqueles com formação sólida enxergam nele um bispo autenticamente católico e capaz de resolver questões de fé, sejam doutrinárias ou canônicas. E, apesar de ter sido destituído de quase todos os seus cargos eclesiásticos, com exceção dos títulos de bispo e cardeal, muitos o buscam quando visitam Roma – um sinal que alguns veem como testemunho tanto de sua santidade pessoal quanto do sensus fidelium em ação. Sempre disposto a promover o bem das almas e da sociedade, ele apoia diversos grupos, associações, instituições educacionais e projetos católicos que buscam esses mesmos objetivos. Mais recentemente, tem utilizado os meios digitais para divulgar seu magistério.
Além do inglês, sua língua nativa, o cardeal Raymond Burke tem proficiência em latim, francês e italiano; embora não seja um especialista em espanhol, já proferiu homilias bilíngues e é capaz de pregar e escrever nesse idioma.
Seu relacionamento com o papa Francisco tem sido tenso, pois o cardeal Raymond Burke não hesitou em criticar o pontificado sempre que julgou necessário. Isso atingiu seu ápice em 2023, quando Francisco cortou sua ajuda de custo, sua aposentadoria e seu plano de saúde, além de tentar despejá-lo de seu apartamento em Roma sob a alegação de que ele estaria “trabalhando contra a Igreja e contra o papado” e promovendo “desunião” na Igreja. Por sua vez, Burke enxerga seu papel como um apoio ao papa e acredita ser sua obrigação, como cardeal e conselheiro do pontífice, oferecer críticas construtivas, sempre fundamentadas na fé, na razão e na tradição apostólica.
Referência para fiéis de todo o mundo que buscam uma voz clara e coerente com a tradição apostólica entre os cardeais, o cardeal Raymond Burke é amplamente reconhecido como um defensor da ortodoxia e da piedade católica tradicional, bem como um prelado profundamente preocupado com a salvação das almas.
Em 2021, o cardeal ficou gravemente doente, com Covid-19, e esteve à beira da morte. Ele acredita firmemente que sua recuperação foi milagrosa, graças à intercessão da Santíssima Virgem e às muitas orações dos fiéis. Está convencido de que foi salvo para realizar “alguma obra futura que o Senhor” tem para ele.
O que o cardeal Raymond Burke pensa sobre...
Ordenação de diaconisas: É contra. Comentando a exortação apostólica pós-sinodal do papa Francisco Querida Amazônia, o cardeal Burke disse estar “muito grato” pelo fato de o documento parecer indicar que não seria possível a admissão de mulheres ao diaconato.
Bênção para casais do mesmo sexo: É contra. O cardeal Raymond Burke afirmou, sobre a aprovação das bênçãos para casais do mesmo sexo pelo “caminho sinodal” alemão, em 2023, que “esses são pecados contra o próprio Cristo e... de natureza gravíssima. O Código de Direito Canônico prevê as sanções apropriadas”. Ele acrescentou: “O que [a decisão do Sínodo Alemão] faz é transformar a Igreja em algum tipo de agência humana”, protestou.
Tornar opcional o celibato para os padres: É contra. O cardeal Burke disse, em uma entrevista de 2015, que tornar o celibato clerical opcional “seria uma questão muito séria, pois está relacionado ao exemplo do próprio Cristo, e a Igreja sempre valorizou em seus sacerdotes o seguimento do exemplo de Cristo, também em Seu celibato... É algo mais do que uma disciplina e, portanto, acredito que seria muito difícil conceber uma mudança nisso”.
Restrições à missa tridentina: É contra. O cardeal Burke é firmemente contrário ao documento Traditionis custodes, que ele chamou de “severo e revolucionário”, e questionou a autoridade do papa para revogar o uso do rito.
Acordos secretos entre China e Vaticano: É contra. O cardeal Burke criticou o Partido Comunista Chinês e elogiou o cardeal chinês Joseph Zen Ze-kiun, que tem sido fortemente crítico dos acordos, chamando-o de “um verdadeiro pastor nos dias de hoje para os católicos na China que permanecem fiéis a Cristo e sofrem a perseguição do governo comunista ateu da China”.
Promover uma “Igreja sinodal”: É contra. Em um prefácio de livro que escreveu em 2023, o cardeal Burke afirmou que “sinodalidade e seu adjetivo, ‘sinodal’, tornaram-se slogans por trás dos quais uma revolução está em andamento para mudar radicalmente a autocompreensão da Igreja, de acordo com uma ideologia contemporânea que nega grande parte do que a Igreja sempre ensinou e praticou”.
Foco nas mudanças climáticas: É contra. O cardeal Burke não abordou publicamente a questão, mas, considerando suas tendências teológicas e políticas, bem como sua falta de foco no assunto, é provável que ele não seja a favor.
Reavaliar Humanae vitae: É contra. O cardeal Burke defendeu os ensinamentos de Humanae vitae e os vê como uma doutrina imutável. Ele afirmou que revogar Humanae vitae significaria “rejeitar toda a tradição moral da Igreja Católica”.
Comunhão para divorciados “recasados”: É contra. O cardeal Raymond Burke foi um dos quatro cardeais autores das dubia que questionaram o novo ensinamento, e contribuiu para o livro Remaining in the Truth of Christ, que argumentava contra tal mudança.
“Caminho sinodal alemão”: É contra. Em 2022, o cardeal Burke se juntou a 70 bispos para assinar uma carta aberta expressando “preocupação crescente” sobre o “caminho sinodal”, alertando que ele estava causando confusão e tinha “potencial para cisma”.
Dados pessoais
Nome: Raymond Leo Burke
Data de nascimento: 30 de junho de 1948 (76 anos)
Local de nascimento: Richland Center (Estados Unidos)
Criado cardeal: 20 de novembro de 2010, por Bento XVI
Posição atual: prefeito emérito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica
Lema: Secundum Cor Tuum (“De acordo com o Teu Coração”)
© 2025 The College of Cardinals Report. Publicado com permissão. Original em inglês: Cardinal Raymond Leo Burke.



