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A Gazeta do Povo publica, com exclusividade no Brasil, o perfil do cardeal Robert Sarah preparado pelos vaticanistas Diane Montagna e Edward Pentin, autores do projeto The College of Cardinals Report. Jornalistas com décadas de experiência na cobertura do Vaticano, Montagna e Pentin escreveram perfis de todos os cardeais apontados como principais candidatos a suceder Francisco no comando da Igreja Católica, com informações biográficas e suas posições sobre temas em debate dentro da Igreja.
O cardeal Robert Sarah é um ex-funcionário sênior do Vaticano com uma mentalidade tradicional e ortodoxa, cujo testemunho profético, santidade pessoal e obras literárias lhe trouxeram um grande e devotado seguimento em todo o mundo.
Nascido em 15 de junho de 1945, em Ourous, Guiné, de pais que se converteram ao cristianismo a partir do animismo, Sarah foi obrigado a deixar sua casa após o ensino fundamental para continuar seus estudos no seminário menor de Bingerville, na Costa do Marfim.
Após a independência da Guiné, em 1958, ele retornou ao país, completou seus estudos e foi ordenado sacerdote em 20 de julho de 1969, em Conacri. Após sua ordenação, obteve a licenciatura em Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e a licenciatura em Escritura no Studium Biblicum Franciscanum, em Jerusalém.
Após concluir seus estudos, foi nomeado reitor do seminário menor de Kindia e serviu como pároco em Boké, Katace, Koundara e Ourous. Em 1979, foi nomeado arcebispo de Conacri, com 34 anos, tornando-se o bispo mais jovem do mundo e recebendo de João Paulo II o apelido de “bispo bebê”. Como arcebispo, viveu sob a ditadura marxista de Ahmed Sékou Touré, que colocou Sarah em uma lista de perseguidos.
Em outubro de 2001, João Paulo II nomeou Sarah secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos, cargo que ocupou por quase uma década. Ao deixar a Guiné para assumir o posto, o então líder guineano, general Lansana Conté, concedeu a Sarah a mais alta honra condecoração do país, mas isso não impediu que o arcebispo criticasse publicamente a corrupção e a má administração do regime.
O cardeal Robert Sarah é um ex-funcionário sênior do Vaticano com uma mentalidade tradicional e ortodoxa
Bento XVI nomeou Sarah como presidente do Pontifício Conselho Cor Unum em 2010, elevando-o ao cardinalato no mesmo ano. Ele participou do conclave de 2013 que elegeu o papa Francisco.
Em 2014, Francisco nomeou Sarah prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, cargo que ocupou até 2021.
Sarah serviu por um tempo como membro das congregações para a Evangelização dos Povos e para as Causas dos Santos, e membro do Comitê Pontifício para os Congressos Eucarísticos Internacionais. Ele continua listado como membro dos dicastérios para as Igrejas Orientais, Causas dos Santos, Evangelização, e Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.
O cardeal Robert Sarah fala fluentemente francês, italiano e inglês.
No conclave de 2013, o cardeal Sarah dificilmente figurou nas listas de papabili; servindo como presidente do Pontifício Conselho Cor Unum, ele ajudava silenciosamente Bento XVI a instilar maior fidelidade ao ensinamento da Igreja nas obras de caridade católicas. Mesmo naquela época, no entanto, ele já se tornara conhecido ao demonstrar, na defesa da fé, uma certa ousadia e uma franqueza calibrada que faltavam a muitos de seus irmãos cardeais ocidentais, especialmente quando se tratava de elementos sensíveis do ensinamento moral da Igreja.
O cardeal Robert Sarah continuou a falar com ainda mais autoridade após o papa Francisco nomeá-lo prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, posição de onde pôde chamar atenção para uma de suas grandes preocupações: a perda do senso do sagrado e a necessidade de defender a fé contra o espírito da era que a rejeitou – mas que continua central para os cristãos na África.
Como prefeito, ele favoreceu a “reforma da reforma” quando se trata da liturgia – uma revisão e um refinamento das mudanças litúrgicas implementadas após o Concílio Vaticano II, abordando falhas e abusos, enquanto se mantinha os princípios centrais da renovação litúrgica promovida pelo Concílio. Ele deu importância particular à promoção da missa ad orientem [com o padre voltado para o sacrário], falou fortemente a favor da comunhão na boca e argumentou contra a intercomunhão entre católicos e não católicos. Ele também alertou contra o perigo do farisaísmo em alguns círculos litúrgicos tradicionais.
Sarah não se deixou intimidar ao confrontar a crise do relativismo e do secularismo na Igreja, promovendo um espírito de verdadeira evangelização e exortando a resistência ao espírito dos tempos
O cardeal Robert Sarah se manifestou de forma quase apocalíptica no Sínodo sobre a Família, de 2015, sobre os males contemporâneos do aborto, da agenda homossexual e do islamismo. Seu livro de 2019 Do profundo de nosso coração, escrito em conjunto com Bento XVI sobre a crise do sacerdócio e em defesa do celibato sacerdotal – o livro foi lançado, de forma controversa, logo antes da publicação da exortação apostólica do papa Francisco sobre o Sínodo da Amazônia, que ameaçava acabar com o celibato sacerdotal obrigatório –, consolidou ainda mais sua imagem como um líder da Igreja fiel e ortodoxo.
Embora tenha sido prejudicado pela oposição interna, ficando impedido de cumprir seus objetivos como chefe do departamento litúrgico do Vaticano, Sarah não se deixou intimidar ao confrontar a crise do relativismo e do secularismo na Igreja, promovendo um espírito de verdadeira evangelização e exortando a resistência ao espírito dos tempos.
O cardeal Robert Sarah geralmente permaneceu em silêncio diante de algumas preocupações profundas sobre o pontificado de Francisco. Ele ficou de fora da controvérsia dos dubia de 2016 e dos debates sobre declarações papais, oferecendo em vez disso avisos indiretos. Essa reticência em criticar o papa também é atribuída, em parte, à sua proximidade com o Opus Dei, que gerenciava algumas de suas relações midiáticas e tem uma política de não criticar publicamente o papa ou os bispos.
O papa Francisco permitiu que o cardeal Robert Sarah se mantivesse no cargo após seu mandato de cinco anos ter expirado em novembro de 2019. Ele completou 75 anos em 15 de junho de 2020 e ofereceu sua renúncia como prefeito da Congregação para o Culto Divino, aceita pelo papa Francisco em 20 de fevereiro de 2021. Sarah respondeu à notícia com uma mensagem no Twitter, na qual declarou: “Estou nas mãos de Deus. A única rocha é Cristo. Nos encontraremos novamente muito em breve em Roma e em outros lugares”.
Desde sua renúncia, ele tem feito um número cada vez maior de declarações públicas e aparições, e está muito ativo nas redes sociais. Sua conta no X tem mais de 140 mil seguidores. Desde 2021 e o fim das restrições da Covid-19, o cardeal Robert Sarah visitou um grande número de países, pregando, oferecendo retiros para padres, religiosos ou leigos, dando conferências acadêmicas e entrevistas à mídia.
Sua experiência em resistir a uma ditadura marxista é frequentemente creditada como a razão de sua sensibilidade em saber quando falar e quando ficar em silêncio, bem como sua ousadia em defender as verdades da fé. Isso se tornou especialmente evidente após sua aposentadoria da Cúria, e nos últimos anos Sarah tem se expressado com ainda mais liberdade e clareza, tanto pela palavra escrita quanto por meio de homilias, conferências, entrevistas e palestras sobre temas espirituais.
Longe de ter perdido seu status na Igreja com sua aposentadoria em 2021, o cardeal Robert Sarah ganhou notoriedade e reconhecimento como defensor da fé
Em uma homilia na Basílica da Sagrada Família em Nairóbi (Quênia), em fevereiro de 2023, ele alertou: “Nossa fé pode ser abalada até mesmo por aqueles dentro da Igreja que buscam mudar a verdade revelada por Deus, semeando confusão em vez de fomentar clareza e confirmar a fé. Essas confusões no ensino ameaçam nossa fundação cristã e o próprio tecido da sociedade”. Como se pode ver pelos temas que ele escolhe abordar, o cardeal Robert Sarah está buscando “fomentar clareza e confirmar a fé”.
Antes mesmo de se aposentar da Cúria, Sarah era bem conhecido por escrever vários livros altamente elogiados, notavelmente sua série de três volumes: Deus ou Nada: Entrevista sobre a fé (2015); A Força do Silêncio: Contra a ditadura do ruído (2017); e A noite se aproxima e o dia já declinou (2019). Graças a essas obras, muitos começaram a reconhecer no cardeal um líder com profundidade, discernimento e até um dom de profecia que ressoou entre aqueles que se sentem privados de ouvir as verdades da fé firmemente enraizadas na Tradição da Igreja.
Seus livros mais recentes ajudaram a consolidar ainda mais essa reputação, incluindo Couples, awaken your love (2021); Catecismo da Vida Espiritual (2022); Para a Eternidade: meditações sobre a figura do sacerdote (2023); e He gave us so much: a tribute to Benedict XVI (2023) [os títulos em inglês indicam livros sem edição brasileira].
Desde que deixou a Cúria, o cardeal tem desempenhado um papel importante no apoio aos católicos que assistem à missa tridentina diante da crescente perseguição de Roma, e assumiu um papel de liderança ao combater a promoção da bênção de casais do mesmo sexo, tornando-se um dos críticos mais vocais a Fiducia supplicans. Ele também alertou contra os perigos do Sínodo sobre a Sinodalidade.
Em julho de 2022, a influente revista semanal francesa Paris-Match publicou uma reportagem de seis páginas sob o título “Quem é o cardeal Sarah”, com um retrato do prelado guineano na capa. Ela o apresentou como tendo “enorme influência” e sendo um “criador de papas”, trazendo-o à luz internacionalmente, apesar de ele já ter se afastado dos círculos oficiais de autoridade na Igreja. O artigo foi criticado na imprensa secular francesa; mesmo assim, a emissora de rádio estatal Radio France Internationale o apresentou como “o cardeal mais respeitado da África”.
Longe de ter perdido seu status na Igreja com sua aposentadoria em 2021, o cardeal Robert Sarah ganhou notoriedade e reconhecimento como defensor da fé. Por alguns anos, ele tem sido considerado – especialmente pela ala mais ortodoxa da Igreja Católica – como um dos principais candidatos a ser o primeiro papa africano desde o papa Gelásio I, no século 5.º.
O que o cardeal Robert Sarah pensa sobre...
Ordenação de diaconisas: É contra. No livro que escreveu com o papa emérito Bento XVI, Do profundo de nosso coração, o cardeal Sarah deixou claro que o diaconato feminino foi descartado pela Igreja Católica. “A possibilidade de mulheres serem ordenadas como sacerdotes ou diáconos”, afirmou Sarah, “foi definitivamente resolvida por São João Paulo II na Carta Apostólica Ordinatio sacerdotalis, datada de 22 de maio de 1994”.
Bênção para casais do mesmo sexo: É contra. Após a publicação da altamente controversa Fiducia supplicans pelo Vaticano em 2023, que permitiu a bênção “não litúrgica” de “casais irregulares”, incluindo casais homossexuais, o cardeal Sarah chamou a promoção de tais bênçãos de “heresia”.
Tornar opcional o celibato para os padres: É contra. O cardeal Sarah é fortemente contra a flexibilização da disciplina do celibato sacerdotal, chamando tal medida de uma “ruptura definitiva com a Tradição Apostólica” que teria “consequências graves”.
Restrições à missa tridentina: É contra. O cardeal Sarah continuou a celebrar o Rito Romano tradicional após a publicação de Traditionis custodes e suas restrições abrangentes, acusando o motu proprio de possivelmente representar “uma ameaça à unidade da Igreja”. Ele acrescentou que a “celebração irrestrita” da missa tridentina “manifestamente produziu bons frutos”.
Acordos secretos entre China e Vaticano: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Sarah sobre o assunto.
Promover uma “Igreja sinodal”: É contra. O cardeal Sarah foi um dos cinco cardeais que, em 21 de agosto de 2023, enviaram um conjunto de cinco perguntas ou “dubia” ao papa Francisco para expressar suas preocupações e buscar esclarecimentos sobre pontos de doutrina e disciplina antes da abertura do Sínodo sobre a Sinodalidade no Vaticano, em outubro de 2023. Ele tem sido crítico da inclusão indiscriminada de todos no diálogo sinodal em nome do sensus fidelium: “Só porque alguém se identifica como católico, não significa que seja parte do sensus fidelium. Ser católico é mais do que uma identificação cultural; é uma profissão de fé”.
Foco nas mudanças climáticas: É contra. O cardeal Robert Sarah, citando a encíclica Laudato Si’ do papa Francisco, pregou sobre a necessidade de os católicos serem guardiães do meio ambiente, dizendo que os interesses financeiros das empresas multinacionais estão entre as maiores ameaças à criação de Deus. “Uma política de produtividade ilimitada inevitavelmente leva a catástrofes humanas, culturais ou ecológicas”, afirmou. No entanto, ele alertou contra a ideia de fazer da “ecologia”, ou outras preocupações humanas, o foco do compromisso da Igreja. Alguns instam a Igreja “a não falar sobre Deus, mas a se lançar de corpo e alma nos problemas sociais: migração, ecologia, diálogo, a cultura do encontro, a luta contra a pobreza, pela justiça e pela paz. Estas são, sem dúvida, questões importantes e vitais diante das quais a Igreja não pode fechar os olhos. Mas uma Igreja como essa não interessa a ninguém. A Igreja só interessa porque ela nos permite encontrar Jesus. Ela só é legítima porque ela nos transmite a Revelação”.
Reavaliar Humanae vitae: É contra. O cardeal Robert Sarah tem defendido consistentemente os ensinamentos da Humanae vitae, que ele vê como proféticos, e não deu nenhum indicativo de que deseja uma reavaliação. Pelo contrário, ele elogiou o papa Paulo VI por sua coragem em publicar a encíclica, apesar da forte oposição. Ele vinculou a aceitação da contracepção artificial a uma crise moral no mundo ocidental, que também tem minado os ensinamentos da Igreja sobre a sexualidade humana e o matrimônio.
Comunhão para divorciados “recasados”: É contra. O cardeal Sarah defende o ensino tradicional sobre a questão, conforme ensinado na exortação apostólica Familiaris consortio, do papa João Paulo II. Ele considerou, no livro Deus ou nada, que a discussão sobre a questão, “como intelectuais desrespeitosos, dando a impressão de contestar o ensinamento de Jesus Cristo e da Igreja”, deveria cessar.
“Caminho sinodal alemão”: É contra. O cardeal Sarah disse: “Se olharmos para o que está acontecendo no ‘caminho sinodal’ alemão, eu não sei aonde isso vai nos levar. Para uma reinvenção total da Igreja? Vamos pegar o que todos dizem e construir um consenso. Mas a verdade da Igreja nos precede. Não pode ser fabricada por nós”.
Dados pessoais
Nome: Robert Sarah
Data de nascimento: 15 de junho de 1945 (79 anos)
Local de nascimento: Ourous (Guiné)
Criado cardeal: 20 de novembro de 2010, por Bento XVI
Posição atual: prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
Lema: Sufficit tibi gratia mea (“Basta-te a minha graça”)
© 2025 The CollegeofCardinals Report. Publicado com permissão. Original em inglês: Cardinal Robert Sarah.



