• Carregando...
A Venezuela tem a pior taxa de inflação do mundo, o segundo pior índice de desemprego, a terceira pior taxa de homicídios e a décima pior pontuação em corrupção. Na imagem, um supermercado de Caracas mostra a que ponto chega a escassez de comida no país | Juan Barreto / AFP
A Venezuela tem a pior taxa de inflação do mundo, o segundo pior índice de desemprego, a terceira pior taxa de homicídios e a décima pior pontuação em corrupção. Na imagem, um supermercado de Caracas mostra a que ponto chega a escassez de comida no país| Foto: Juan Barreto / AFP

O governo da Venezuela conseguiu transformar o país que tem as maiores reservas de petróleo do mundo em um estado paupérrimo no qual falta comida, sobra violência e o dinheiro não tem valor

Apesar disso, seu controle do poder ainda parece forte. Ele neutralizou os tribunais, fustigou a imprensa e substituiu o Legislativo controlado pela oposição por um mais maleável, integrado apenas por chavistas. Nem mesmo os protestos em massa foram capazes de impedir o seu declive ao autoritarismo. Por que não? Porque a Venezuela de Nicolás Maduro aprendeu o que o Zimbábue de Robert Mugabe percebeu há uma década: que é possível fazer as pessoas permanecerem sempre ao seu lado se elas pensarem que os seus opositores são inimigos. 

Leia também: Maduro diz que pré-venda de moeda virtual rendeu mais de US$ 700 milhões em seu 1º dia

Conclui-se, então, que as revoluções não sobrevivem apenas de pão. Elas também precisam de polarização. 

Essa é a única explicação para o fato de que dois dos governos mais economicamente destrutivos da história recente também sejam os mais duradouros. A Venezuela tem a pior taxa de inflação do mundo, o segundo pior índice de desemprego, a terceira pior taxa de homicídios e a décima pior pontuação em corrupção. Para se ter uma ideia de quão terríveis são as coisas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a inflação esteja de 1.000% ao ano e que subirá para mais de 2.000% até o final do ano. (O governo, é claro, não se dá mais o trabalho de publicar os seus próprios números). 

Isso significa a morte da moeda do país. Ela perdeu 99,7% do seu valor, de acordo com os preços do mercado negro, entre o começo de 2012 e o fim de 2016, e mais 98,3% desde então. Somando, isso representa uma queda de 99,9% nos últimos seis anos. 

Foi a mesma história no Zimbábue, que consegue ser ainda pior. A sua economia retrocedeu 50% entre 1998 e 2008, ao mesmo tempo em que a inflação explodiu a níveis tão astronômicos que, de acordo com o professor da Johns Hopkins, Steve Hanke, os preços chegaram a um ponto em que dobravam diariamente. Essa foi a segunda pior hiperinflação da história, e o país ainda não se recuperou totalmente. Ainda hoje, a economia do Zimbábue é 10% menor do que era há vinte anos. 

Hoje, “9 em cada 10 vezes” que um “governo tem desempenho econômico tão ruim ao longo do tempo, ele tem probabilidade de cair”, disse Steven Levitsky, cientista político de Harvard e coautor do novo livro “How Democracies Die” (“Como democracias morrem”, em tradução livre). 

Esses governos são forçados a sair do poder por meio de eleições, manifestações, pelas Forças Armadas ou até mesmo por membros ambiciosos do seu próprio partido que querem garantir um futuro político. Mas em qualquer caso, alguém os impedirá antes que as políticas fracassadas transformem o país em um estado falido. 

Tudo isso ocorre... a menos que o governo possa dividir o povo. Esse é o truque mais antigo. 

O que Venezuela e Zimbábue têm em comum

Embora seja verdade que as eleições sempre podem ser canceladas, manifestantes alvejados, generais podem ser comprados e desertores entrem em ação, esses tipos de táticas ditatoriais trazem grande repercussão. Elas também exigem pelo menos um suporte tácito do resto do regime. O presidente pode mandar atirar, mas são os soldados que precisam fazer isso. O que um autocrata economicamente malsucedido precisa, então, é algo que impeça que todo mundo de fora do governo se una e que todo mundo de dentro do governo não se separe. 

E isso é uma ideologia. Talvez a única coisa que a Venezuela e o Zimbábue têm em comum. 

Ambas as ideologias surgiram em oposição a uma desigualdade extrema e aos regimes antigos que deixaram apodrecer. No caso da Venezuela, foi o abismo extremo entre os ricos e pobres que os governos anteriores mantiveram, enquanto estavam muito ocupados em manter as metas de austeridade estipuladas pelo FMI. No Zimbábue, foi o sistema racista de castas que as autoridades coloniais estabeleceram e que os colonizadores brancos mantiveram. O que significa que essas sociedades estão divididas há muito tempo. 

Os chavistas da Venezuela e o Zanu-PF do Zimbábue são apenas organizações políticas organizadas em volta desse fato. O problema, no entanto, é que é fácil para isso alimentar um ciclo de polarização cada vez maior. Para os partidos deixarem de ser grupos de interesses para se transformarem em tribos hostis. E para que a própria política se torne em uma guerra, então tudo passa a ser permitido. 

Hugo Chávez substituiu na companhia de petróleo estatal 18 mil trabalhadores em greve que sabiam o que estavam fazendo – cerca de 40% do total dos funcionários – por 18 mil pessoas que ele sabia que eram leais ao regime. O resultado previsível foi que a produção de petróleo estagnou justamente quando o governo mais precisava dela para sustentar os seus novos gastos sociais ambiciosos.

Controle da economia por apaniguados (corruptos e incompetentes) e a derrocada

Isso inclui a tentativa de assumir o controle da economia. Chavistas e o Zanu-PF adotaram iniciativas nessa linha em resposta ao seu comando ter sido desafiado. Nenhum deles estava disposto a tolerar qualquer fonte de poder, seja político ou econômico, fora do seu controle. A revolução era muito importante e os seus inimigos não eram confiáveis. 

E é por isso que, em 2003, o presidente venezuelano Hugo Chávez substituiu na companhia de petróleo estatal 18 mil trabalhadores em greve que sabiam o que estavam fazendo – cerca de 40% do total dos funcionários – por 18 mil pessoas que ele sabia que eram leais ao regime. O resultado previsível foi que a produção de petróleo estagnou justamente quando o governo mais precisava dela para sustentar os seus novos gastos sociais ambiciosos. Nem mesmo os preços de petróleo na casa dos três dígitos foram suficientes para pagar as contas, então o governo simplesmente imprimiu o dinheiro que precisava – e isso aumentou muito mais depois da queda do petróleo em 2014. 

Até agora, os Chavistas cometeram tantos erros quanto seria esperado de um cartel de drogas economicamente analfabeto, mas esse foi o mais elementar: eles tentaram controlar a galinha dos ovos de ouro, mas acabaram a matando. Nenhuma quantidade de dinheiro impresso poderia consertar isso. 

O Zimbábue não foi diferente, exceto que faliu de modo muito mais repentino do que gradual. Começou em 2000, quando Mugabe foi derrotado em um referendo constitucional que lhe daria ainda mais poder. Ele culpou os fazendeiros brancos do país e decidiu investir contra eles ao mesmo tempo em que tentava lustrar a sua popularidade simplesmente tomando as terras e entregando aos seus aliados negros. Essa foi a pior resposta a uma questão difícil. 

Assim como muitos estados pós-coloniais, o Zimbábue vinha tentando equilibrar o que é bom para a sua economia com o que é justo para o seu povo historicamente oprimido. O que significa que ele não queria romper laços com os fazendeiros brancos que eram a base da sua economia de exportação de modo tão rápido que a sua produção caísse, mas queria romper laços com eles em algum momento. 

E até aquele momento, Mugabe havia se apoiado no que talvez fosse o melhor acordo possível: vender as fazendas dos donos brancos para compradores negros quando elas ficassem disponíveis no mercado. Mas não foi isso que ocorreu. O governo passou simplesmente a tomar tudo o que pudesse o mais rápido possível sem considerar se os amigos a quem estava dando as terras realmente sabiam cultivá-la. Eles não sabiam. E então o Zimbábue deixou de ter uma economia. Mas não deixou de ter uma impressora para fazer dinheiro. E é assim que acabou com uma nota no valor de 100 trilhões de dólares zimbabueanos. 

Ódio sem fundamento a opositores

A ironia é que esses governos falharam pelo mesmo motivo que as pessoas os apoiaram: a polarização. “Os Chavistas odeiam muito os seus oponentes”, disse Levitsky, e ainda os veem como “trapalhões imperialistas que querem trazer de volta a ordem antiga”. Isso faz com que uma “ruptura com Maduro” pareça uma “aliança com o inimigo”, mesmo que o seu governo tenha criado uma crise humanitária na qual três quartos dos adultos venezuelanos perderam peso em 2016 em uma média de 8,5 kg cada. 

Mugabe também conseguiu sobreviver, de modo similar, a uma das maiores catástrofes econômicas da história moderna porque, segundo Levitsky, ele era “o líder de um partido de libertação razoavelmente disciplinado que conseguiu usar as memórias da guerra e o seu próprio heroísmo para atrair apoio”. Foi apenas quando Mugabe tentou transformar a sua esposa em sua sucessora na presidência que ele foi deposto. O regime, no entanto, permanece. 

Mas isso não significa que nada importa ou que esses governos nunca cairão. “As condições para uma divisão interna na Venezuela são, na verdade, muito boas”, disse Levitsky, porque o “aperto fiscal crescente” do país deve levar a mais “disputas por poder e recursos” entre as diferentes elites. Mas isso significa que o extremismo em defesa do líder não é uma virtude. 

Permanecer fiel ao presidente mesmo que ele mate pessoas na rua é o tipo de coisa que leva um país à ruína. Isso é verdade seja na Venezuela, no Zimbábue ou muito mais perto de casa.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]