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Nicolas Maduro (C) durante reunião com membros do Grupo Internacional de Contato para a Venezuela, no Palácio Miraflores, em 16 de maio de 2019
Nicolas Maduro (C) durante reunião com membros do Grupo Internacional de Contato para a Venezuela, no Palácio Miraflores, em 16 de maio de 2019| Foto: Divulgação/Palácio Miraflores/AFP

Depois de mais de três anos de silêncio, o Banco Central da Venezuela publicou, na terça-feira (28), dados sobre a economia do país, revelando uma queda de 47,6% no PIB (Produto Interno Bruto) entre 2013 e 2018 e uma inflação, subestimada, de 130.060% no ano passado.

Os dados, porém, não surpreenderam tanto quanto a decisão de divulgá-los, fazendo surgir hipóteses sobre a motivação do BCV.

Um dia após o anúncio, o Fundo Monetário Internacional (FMI) informou que suspendeu em janeiro um trabalho que realizava com a Venezuela sobre dados econômicos, em meio a questionamentos sobre o reconhecimento do país. Mais tarde, duas fontes ligadas ao órgão disseram que a Venezuela sofreu pressão do governo chinês para divulgar seus indicadores econômicos, segundo o jornal O Globo.

Entre os economistas venezuelanos, especula-se que o regime de Nicolás Maduro esteja buscando financiamento de organismos multilaterais. “É plausível que o governo, na situação restrita de caixa em que se encontra, esteja buscando acesso a financiamento internacional, seja de China ou outro aliado, ou até mesmo de um organismo multilateral. Ninguém empresta dinheiro sem conhecer esses dados”, analisou Asdrubal Oliveros, da consultoria venezuelana Ecoanalítica, em entrevista à radio Circuito Éxitos, na quarta-feira (29).

O diretor da consultoria Econometrica, Henkel García, considera que pode haver mais de um fator envolvido na decisão e que um deles é a relação com o Fundo Monetário Internacional. “Talvez [a divulgação dos dados] tenha sido feita para não deteriorar mais o relacionamento com o FMI. Em algum momento, nós teremos que acudir ao FMI para normalizar a situação [econômica] de agora”, disse à Gazeta do Povo.

Para Antônio Jorge Ramalho da Rocha, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), o regime tentará associar os números da economia às sanções. "Como eles já vêm fazendo, para criar outras versões sobre o estado da economia e, com isso, gerar confusão que lhes permita melhorar sua posição nos diálogos que começam a acontecer sob o patrocínio da Noruega".

Em novembro passado, a Bloomberg noticiou que o BCV estava se preparando para entregar dados ao FMI, a fim de tentar evitar sanções e até mesmo uma possível expulsão da Venezuela do organismo, o que faria com que a Venezuela perdesse o acesso aos poucos fundos restantes associados ao credor.

Henkel e Oliveros não veem, neste momento, uma ligação entre a divulgação das cifras e as conversas entre representantes do ditador Nicolás Maduro e do líder da oposição, Juan Guaidó, mediadas pela Noruega. “É muito cedo para dizer que há uma mudança de postura por parte do governo”, afirmou García.

Especula-se, porém, que este possa ser o primeiro passo de uma transição de governo que vem sendo articulada nos bastidores por várias figuras internacionais - de Cuba a Estados Unidos - e que não necessariamente será liderada por Guaidó.

Gabriel Kohlmann, da consultoria brasileira Prospectiva, explica que esta abertura de dados é necessária para que a Venezuela consiga normalizar suas relações com a comunidade internacional e obter ajuda externa para recuperar sua economia e a decadente indústria petrolífera.

“A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo, mas está produzindo menos do que a Petrobrás, para citar um exemplo.  A PDVSA [estatal do petróleo] também precisará de muito capital nos próximos dois anos para fazer uma atualização tecnológica de suas plataformas. E isso está muito bem mapeado pelos generais venezuelanos, pelo governo e por quem está pensando essa transição”, explicou.

A avaliação feita pela Prospectiva neste momento, em conversas com parceiros em Caracas e agentes do governo brasileiro, é de que há um trabalho intenso de bastidores para uma transição do regime Maduro, não necessariamente com Guaidó - houve uma certa decepção dos EUA com a liderança dele após o levante fracassado de 30 de abril -  e com a presença de generais ligados ao chavismo, já que há um entendimento generalizado de que o establishment militar não poderá ser excluído do processo.

Um porta-voz do FMI disse à agência de notícias Reuters que o BCV publicou os indicadores por conta própria, sem pressão do Fundo. O representante afirmou ainda que o órgão não tem condições de avaliar a qualidade das estatísticas divulgadas pelo BCV.

Uma fonte familiarizada com o tema falou à Reuters que o governo chinês tinha esperanças de que a divulgação ajudasse a fazer com que a Venezuela seguisse as diretrizes do FMI, o que por sua vez dificultaria um reconhecimento de Guaidó por parte da instituição.

Há um ano, o FMI emitiu uma "declaração de censura" contra o país latino-americano, pela falta de informação de dados econômicos oportunos e precisos, como o PIB e a inflação.

Dados confiáveis?

Em análise para a rádio Circuito Éxitos na manhã desta quarta-feira, Asdrubal Oliveros, diretor da consultoria venezuelana Ecoanalítica, afirmou que alguns dados divulgados pelo BCV estão próximos do que já vinha sendo informado por consultorias privadas e instituições financeiras. O PIB é um deles: a Ecoanalítica estava estimando uma queda de 52% desde que Maduro assumiu o poder, em 2013, enquanto o dado oficial ficou em 47% para o período.

Outros, porém, passam longe, como é o caso da inflação. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a taxa do ano passado foi de 929.790%, bem distante da anunciada pelo banco. “Não vou afirmar [neste momento] que houve manipulação”, disse Oliveros. “A diferença pode estar relacionada ao tipo de amostragem, ao peso dado aos produtos subsidiados… onde esses dados estão sendo buscados. Vamos indagar [o BCV] para determinar o grau de diferença das nossas cifras”.

Os dados mostram que a economia venezuelana vem caindo há 19 meses consecutivos, tendo registrado um PIB de -19,4% em 2018, e apontam ainda que o setor petrolífero deixou de ser o mais produtivo do país - este posto agora seria ocupado pelas telecomunicações, segundo o BCV.

A atividade petroleira, que já produziu 3,2 milhões de barris por dia, caiu para 1,03 milhão em abril. As exportações de petróleo passaram de US$ 85 bilhões em 2013 para US$ 29 bilhões em 2018.

“A queda do setor privado é impressionante. O nível da produção é o menor desde 1996”, disse Oliveros.

Para García, estes números do BCV confirmam que a maior parte da destruição da economia ocorreu muito antes das sanções impostas pelos Estados Unidos à Venezuela.

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