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Genética

Quando o avanço da ciência preocupa

Novas descobertas sobre diferenças no DNA entre grupos étnicos abrem debate sobre preconceitos

 | Sossella
(Foto: Sossella)

Curitiba – Nos Estados Unidos, um medicamento para tratar a insuficiência cardíaca chamado BiDil é vendido exclusivamente para negros. Segundo o fabricante, os afro-americanos possuem predisposição natural para responder melhor ao tratamento. Esse é um bom exemplo do avanço da medicina genética. Graças a novas descobertas na decodificação do DNA, passamos a entender melhor algumas doenças, a Medicina está se tornando mais personalizada e já é possível rastrear nossos ancestrais.

Há, no entanto, um outro lado dessa ciência que tem potencial para o mal, dizem os seus críticos. Ao comprovar que grupos étnicos possuem DNAs diferentes, a genética acabaria validando supremacias e preconceitos raciais. A última polêmica sobre o assunto começou no mês passado, quando um dos descobridores da estrutura do DNA, o nobel James Watson, declarou ser pessimista em relação ao futuro da África porque os africanos são menos inteligentes do que ocidentais. "Todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [dos negros] é igual à nossa, apesar de todos os testes dizerem que não", afirmou ele.

Na verdade, não há consenso na comunidade científica sobre o quanto da inteligência é um fator genético. Segundo cientistas, o provável é que o determinante do nosso QI seja uma mistura do efeito dos genes e do ambiente.

Matt Ridley, autor de O que nos faz humanos – genes, natureza e experiência (Editora Record), faz uma relação com o "gene do peso" para explicar como o "gene da inteligência" age sobre cada um. "A diferença entre um ocidental geneticamente gordo e um ocidental geneticamente magro está no fato de que é mais provável que o primeiro vá comprar um sorvete. Será que é o gene ou o sorvete que causa sua gordura? Bem, obviamente são os dois. Os genes estão levando o indíviduo a sair e se expor a um fator ambiental, neste caso o sorvete. Certamente deve ser o mesmo no caso da inteligência. É provável que os genes afetem o apetite mais que a aptidão. Os genes não tornam você inteligente; eles aumentam a probabilidade de você desfrutar do aprendizado. Como você gosta de ler, passa mais tempo nesta atividade e fica mais inteligente", diz ele.

Cada um de nós possui cerca de 3 bilhões de bases nitrogenadas que compõem o DNA humano. Apenas cerca de 0,01% delas varia de uma pessoa para outra. "Uma adenina (abreviado como A) que alguém tenha no lugar em que outro tem uma timina (T) e essa diferença pode fazer um aceitar melhor um determinado remédio do que o outro", diz o médico Salmo Raskin, membro do Projeto Genoma Humano e presidente da Sociedade Brasileira de Genética Humana. "Até por uma questão de sobrevivência, a natureza faz com que tenhamos uma variabilidade no DNA", afirma ele.

Para os cientistas, é importante que o argumento contra o racismo seja moral, e não científico. Todas as pessoas possuem DNA único e pesquisas futuras poderão revelar diferenças entre grupos – e há evidências que apontam para isso. "Não é à toa que os grandes corredores ou os melhores jogadores de basqueste são negros. A raça negra tem ótima habilidade motora, assim como tem maior dom para a música. É uma adaptação natural", diz o secretário-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor aposentado do departamento de Genética da USP, Aldo Malavsi. "Não podemos sob a égide do risco de fortalecer um preconceito não avançar a ciência. É dever da sociedade como um todo saber o que fazer com o novo conhecimento", diz ele.

E é aí que entra a capacidade do julgamento moral do ser humano. Mesmo que se descubra uma variação de QI entre populações de diferentes continentes, estatísticas servem para apontar probabilidades entre determinados grupos, mas nada dizem sobre um único indivíduo em particular. Isso convém não esquecer.

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