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Na primeira semana de novembro, a divulgação de um vídeo em que o megatraficante uruguaio Sebastián Marset (por quem os EUA oferecem US$ 2 milhões por informações que levem à sua captura ou condenação) aparece jurando lealdade ao Primeiro Comando da Capital (PCC) chamou a atenção para as conexões internacionais do grupo criminoso paulista.
A divulgação do vídeo ocorreu dias depois da megaoperação da polícia do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho nos complexos da Penha e do Alemão, que terminou com 113 presos e 121 pessoas mortas, quatro delas policiais.
Especialistas apontam que as duas facções brasileiras, designadas como grupos terroristas por Argentina e Paraguai, têm laços com várias organizações criminosas de outros países, embora a criada em São Paulo esteja mais adiantada nesse processo.
“O Comando Vermelho ainda não tem a expansão internacional que o PCC já tem, mas o Comando Vermelho precisa dessas rotas para abastecer o mercado interno e também abastecer sua expansão internacional, que está começando, principalmente como um atacadista para outros continentes, coisa que o PCC já faz”, afirmou Roberto Uchôa, membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em entrevista à Gazeta do Povo.
As rotas mencionadas pelo especialista são as duas rotas principais pelas quais a cocaína é transportada pelo Brasil, a Rota do Solimões (que passa pelo rio homônimo) e a Rota Caipira (Sul e Sudeste), cujo domínio é buscado pelas duas facções brasileiras.
Nesse caminho, as organizações criminosas estabelecem parcerias com facções de países vizinhos para fins de abastecimento: o Paraguai é um grande fornecedor de maconha e Bolívia, Peru e Colômbia são os principais produtores de cocaína do mundo.
O PCC e o Comando Vermelho têm parcerias com as guerrilhas colombianas, como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
No norte da América do Sul, outro parceiro importante do PCC é o venezuelano Tren de Aragua, que os EUA vincularam ao ditador Nicolás Maduro.
“O Tren de Aragua está atuando com o PCC, tanto para drogas quanto para armas, principalmente em Roraima, onde há uma grande quantidade de venezuelanos refugiados. O Tren de Aragua se aproveitou disso para se expandir por toda a América do Sul, com essa diáspora venezuelana”, explicou Uchôa.
Ainda na América do Sul, investigações no Brasil apontaram elos do PCC com o Hezbollah na Tríplice Fronteira, por meio dos quais os terroristas libaneses fornecem armas para o grupo criminoso paulista e em troca recebem proteção e podem se beneficiar de rotas de cocaína operadas pela facção.
A respeito dos carteis mexicanos, a revista Veja revelou em 2022 que um documento produzido pela Embaixada do Brasil no México indicou ligações do PCC com os temidos Cartel de Sinanola e Jalisco Nova Geração.
Embora ainda não haja maiores informações sobre essa parceria, Uchôa especulou que ela pode estar ligada ao tráfico de drogas sintéticas e a trocas de armas, às quais os carteis mexicanos têm acesso maior do que as facções brasileiras.
“O Cartel Jalisco Nova Geração já postou vídeo mostrando que tem [o lançador de mísseis] Javelin, usado na guerra da Ucrânia, é arma restrita americana. Você vê que as organizações criminosas como um todo nos últimos anos estão se conectando muito mais. Trocando informações, ações e perspectivas de negócios”, disse o especialista.
Líder do PCC foi preso em Moçambique
Na Europa, a máfia calabresa ‘Ndrangheta é a principal aliada no sul da Itália, além de haver parcerias com subgrupos espanhóis, a Máfia dos Balcãs e a Máfia Albanesa, para distribuição de drogas no mercado europeu.
No Oeste da África, as facções brasileiras têm conexões com grupos criminosos na Nigéria, na Guiné e em Angola, em uma movimentação que tem mudado de característica, segundo Uchôa.
“O Oeste da África era importante antes apenas como um hub para a Europa. A droga era levada para lá, por vezes eram aproveitadas as redes de tráfico humano que subiam pelo Sahel e depois ela era atravessada pelo Mediterrâneo principalmente para a Espanha, através de superlanchas. São lanchas muito rápidas, eles atravessam rapidamente [o mar], soltam a droga e quando a polícia chega, não tem mais ninguém”, disse o especialista.
Porém, Uchôa destacou que, com o crescimento econômico na região, o Oeste da África também se tornou um importante mercado consumidor de cocaína.
Na busca por novos mercados, o PCC já chegou ao leste da África: em Moçambique, um líder importante da facção paulista, Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, foi preso em 2020.
Segundo Uchôa, essa movimentação expõe a busca dos grupos criminosos brasileiros por expandir seus negócios: o Ministério Público de São Paulo detectou que o PCC já está presente em pelo menos 28 países.
“O PCC, principalmente, tem investido no crescimento de outros mercados, como a Ásia e Oceania, porque o preço da cocaína lá é estupidamente superior ao que ele ganha na Europa, por exemplo. Enquanto na Europa vai vender por 30 mil euros o quilo de cocaína, lá vai vender por 90 mil euros”, afirmou o analista, que destacou que hoje o tráfico de drogas é apenas um dos negócios mantidos pelas facções, que também se dedicam ao garimpo ilegal, venda de gasolina e bebidas adulteradas e contrabando de cigarros.
Nesse sentido, o Brasil precisará buscar integração interna das suas forças de segurança e parcerias com outros países para conter o PCC e o Comando Vermelho.
“Um problema que era regional, era um problema de Rio e São Paulo, se tornou um problema nacional, depois um problema na América do Sul e agora um problema intercontinental. E é preciso que a gente entenda isso, que não é mais um desafio apenas para o Brasil”, disse Uchôa.
“O Brasil precisa assumir a responsabilidade de combate a essas organizações e vai precisar tanto de integração interna como regional, na América do Sul, e quase global. Não dá para trabalhar mais sozinho, para atacar organizações que estão em 28 países”, justificou.
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