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análise

Referendo no Equador é mais uma derrota da esquerda na América Latina

Equatorianos decidiram que o ex-presidente Rafael Correa, que governou o país entre 2007 e 2017, não poderá concorrer às eleições de 2021. Decisão é mais uma derrota para os governos populistas de esquerda na região

Em Cangahua, ao norte de Quito, uma senhora deposita seu voto na urna do referendo proposto pelo presidente Lenin Moreno | JUAN RUIZAFP
Em Cangahua, ao norte de Quito, uma senhora deposita seu voto na urna do referendo proposto pelo presidente Lenin Moreno (Foto: JUAN RUIZAFP)

Quando Rafael Correa, o combativo presidente socialista do Equador, decidiu não concorrer às eleições presidenciais de seu país em 2017, o movimento foi amplamente interpretado como uma retirada tática.

A estratégia, segundo analistas, era deixar o seu protegido Lenin Moreno esquentando a cadeira da presidência por um único mandato - e assumindo a culpa pela recessão econômica do país - enquanto a taxa de aprovação de Correa se recuperava antes de um retorno triunfante nas eleições de 2021. 

Mas se era esse o plano, ele falhou completamente. 

Neste domingo (4) os equatorianos compareceram em peso às urnas para aprovar mudanças constitucionais que impedem Correa de voltar à presidência - e ainda enterrar parte significativa de seu legado. 

Segundo resultados parciais, com 89% das urnas apuradas, 64,3% dos eleitores apoiaram uma proposta para limitar os cargos públicos eletivos a uma única reeleição, deixando Correa incapaz de concorrer de novo. 

O resultado do referendo marca o fim de uma era no Equador, onde Correa, 54 anos, tem sido uma figura importante - e contraditória. A decisão é também a mais recente de uma onda de contratempos eleitorais para os líderes populistas de esquerda da América do Sul, que nos últimos três anos sofreu revezes na Argentina, Bolívia e Venezuela. 

Correa ficou no poder de 2007 a 2017, trazendo uma boa dose de estabilidade política à pequena nação andina e inaugurando reformas importantes na educação e na segurança. Ele também sobreviveu ao que pareceu uma tentativa de golpe. Em um episódio memorável,  ele abriu sua camisa e convidou policiais rebeldes a matá-lo, durante uma transmissão ao vivo na televisão. 

Mas os críticos acusam Correa de autoritarismo, incluindo políticas repressivas à mídia. Correa também permitiu ao fundador da Wikileaks, Julian Assange, refugiar-se na embaixada do Equador em Londres.

Políticas emblemáticas de Correa podem ser revogadas

Apesar ser vice-presidente de Correa por seis anos, Moreno não poderia ser mais diferente. Ele é autor de quase uma dúzia de livros que defendem o humor para promover o bem-estar e é conhecido por suas habilidades de ouvinte. Possui reputação de conciliador e elogia o papel de uma imprensa livre, em particular para erradicar a corrupção entre funcionários públicos.

Além disso, Moreno lançou o referendo deste domingo. Correa, que chamou Moreno de "traidor" e "impostor", fez uma campanha ofensiva contra a medida que altera a reeleição, mas parece ter perdido seu “toque mágico”. Sua taxa de aprovação, uma vez alta, agora paira em torno de 30%. Na semana passada, manifestantes atiraram lixo em seu carro. 

Quando o resultado do referendo ficou claro, em um discurso televisionado Moreno falou sobre a necessidade de união nacional, observando que "o confronto está nos atrasando". 

O referendo também incluiu propostas para reverter duas políticas emblemáticas da Correa que enfureciam o poderoso movimento indígena do Equador. Uma delas, aprovada com 68,9% dos votos, reverterá a mineração em áreas urbanas e protegidas. A outra, que recebeu 67,6% votos favoráveis, reduzirá a extração de petróleo no Parque Nacional Yasuní, lar de uma das últimas tribos indígenas que vivem isoladas na Amazônia. 

Nem à esquerda, nem à direita

Paulina Recalde, chefe da empresa equatoriana de pesquisa de opinião pública, Perfiles de Opinión, afirma que a marca do populismo de Correa, enraizada no confronto de classe, tornou-se obsoleta. 

"Não é apenas o tom de Correa. É também a sua substância", disse Recalde. "Você pode avançar contra a classe política tradicional para se eleger ou quando você acabou de chegar ao poder. Mas quando governou durante uma década, a retórica deixa de parecer verdadeira". 

Correa é o mais recente populista de esquerda no continente a amargar os resultados de um referendo. Apesar disso, o professor de política internacional na Universidade Federal de Minas Gerais, Dawisson Belém Lopes, diz que os sul-americanos não estão guinando para a direita. Em vez disso, ele argumentou, estão se rebelando contra líderes tidos como autocráticos, corruptos e incompetentes. 

"Esse tipo de político messiânico deixou de ter sucesso na região", acrescenta. "Os eleitores querem políticos mais sensíveis e uma melhor gestão". No entanto, Belém Lopes alertou, continua a existir o risco de "contágio" dos Estados Unidos. “Trump também assume um papel de referência".

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