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O sacerdote Misael Martinez, refugiado político da Venezuela. | André Rodrigues / 
Gazeta do Povo
O sacerdote Misael Martinez, refugiado político da Venezuela.| Foto: André Rodrigues /  Gazeta do Povo

No último dia de finados, 2 de novembro, um sacerdote orava com visitantes que estavam no Cemitério Municipal de Curitiba para prestar homenagem aos seus familiares mortos. “A igreja precisa estar onde o povo está”, disse Misael Martinez.

O venezuelano é sacerdote comunitário da Divina Misericórdia, que segue a fé católica, mas é independente. Misael chegou a Curitiba há cerca de um ano, como refugiado político, depois de sofrer perseguição em seu país por causa de suas opiniões. 

Ele conta que no dia 19 de setembro do ano passado, três homens entraram no seu apartamento no último andar de um prédio em Caracas, “supostamente para roubar”, disse. “Eles queriam me assassinar. Eu pensei que podiam atentar contra a minha vida, então eu tive que fugir para cá”. 

A vinda para o Brasil foi uma “odisseia”. Misael veio com sua filha de 13 anos e trouxe também suas duas cachorras. Ele foi acolhido por um amigo de Curitiba que havia conhecido 40 anos atrás quando passou pela cidade. “Estou tratando de sobreviver. Eu queria estar na Venezuela, porque um homem tem que estar onde está o seu coração, mas um homem de Deus está onde Deus quer que ele esteja”. 

Em Curitiba, o sacerdote faz serviço religioso no cemitério como “teoterapeuta”, que é “como um psicoterapeuta, mas de Deus”, explica. Ele é quem procura as pessoas que estão em luto para oferecer ajuda e consolo. Sem cobrar pelos serviços, conta com a ajuda das pessoas. “As culturas mais antigas se preparavam para a morte, enquanto a modernidade, que é quem mais sofre com a morte, não se prepara para ela”. 

As críticas de Misael não poupam quase ninguém na Venezuela. Para ele, que é considerado uma pessoa muito polêmica no país, é dever de um sacerdote denunciar as injustiças. 

O sacerdote acredita que os problemas da Venezuela atual podem ser resumidos por quatro pecados capitais. O primeiro deles: a “brutalidade do governo venezuelano liderado por Maduro”. 

Nicolás Maduro comanda o país desde 2013. Embora o país negue, a crise humanitária da Venezuela causa a fome de pelo menos 3,7 milhões de pessoas, segundo a FAO, agência da ONU especializada em alimentação e agricultura. 

“O governo é bruto porque tem tudo: a riqueza e o poder do voto que o povo lhe deu. Mesmo assim ele não reage, porque está metido em uma caixa ideológica”, critica Misael, que logo em seguida direciona suas críticas para a oposição ao governo venezuelano. 

“O segundo pecado é a torpeza da oposição venezuelana. Eles querem se livrar de Maduro através de uma intervenção internacional. Eles não têm feito um trabalho com o povo”. 

Analistas políticos apontam que a oposição no país está enfraquecida. A ausência da oposição pode ser parcialmente explicada pela repressão do regime – há dezenas de presos políticos e líderes exilados. Além disso, a oposição abatida e dividida acaba sem uma liderança forte para se contrapor a Maduro, que surpreendentemente tem conseguido melhorar a imagem de seu governo perante os venezuelanos. 

Misael diz que a oposição cometeu muitos erros no país. “Quando eles reagiram, o fizeram com violência. Cometeram muitos erros, e erros políticos se pagam muito caro”. 

O terceiro pecado capital da Venezuela é “a avareza dos empresários”, continua o sacerdote. “Os empresários venezuelanos vivem do dinheiro do Estado, do petróleo. O governo dá dinheiro a eles, e eles não montam empresas. Em vez disso, trazem coisas importadas, não querem indústria”, afirma. 

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Por fim, o quarto pecado capital venezuelano “é do povo”. “[O governo] lhes deu universidades, educação, comida, e eles não aproveitam isso. Eles querem viver de uma cesta de comida”, critica. 

As contundentes opiniões de Misael sobre a situação da Venezuela atual encontram apoiadores. O venezuelano diz que muitas pessoas pedem que ele volte ao país e entre para a política. Ele recusa, no entanto, dizendo que a sua luta “é espiritual”. 

Crise humanitária 

Estima-se que mais de 1 milhão de venezuelanos tenham deixado o país, 130 mil com destino ao Brasil, por causa do colapso do socialismo de Maduro. O estado de Roraima é o que mais abrigou esses refugiados no país, e as pequenas cidades próximas à fronteira têm sentido os efeitos dessa migração em massa. Em agosto, foram registrados conflitos entre venezuelanos e brasileiros. 

Misael se diz preocupado com a manipulação de informações acerca do assunto. Segundo ele, o governo de Maduro não reconhece a crise humanitária, e quando a ONU declara a existência de uma crise, cria as condições para uma intervenção militar. Ele acredita que a maior parte dos que deixaram o país é formada por pessoas da classe média. 

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Problemas globais 

A raiz para os principais problemas do mundo está no materialismo, acredita Misael, e acrescenta que a classe política dominante também tem grande parcela de culpa. “A classe política latino-americana mantém a região na pobreza. A miséria que vemos aqui no Brasil é a mesma que vemos na Argentina, Peru, Bolívia, Chile, Equador, Colômbia, Panamá, até o México, não há diferença”, sentencia. “Nós precisamos de uma classe política que seja humana, porque a política é necessária, então que não seja materialista, porque o materialismo está afetando terrivelmente o mundo”. 

Falando sobre a política brasileira, o sacerdote criticou o que chama de “monarquia democrática”, que são as famílias que permanecem no poder por gerações. "Acredito em uma nova classe política. É preciso acabar com a monarquia democrática – do pai, do filho e do neto. Como que permitimos monarquias na América?"

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