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Apoiadores do governo de Nicolás Maduro participam de manifestação em homenagem aos 20 anos da chegada de Hugo Chavez ao poder. | Yuri Cortez/AFP
Apoiadores do governo de Nicolás Maduro participam de manifestação em homenagem aos 20 anos da chegada de Hugo Chavez ao poder.| Foto: Yuri Cortez/AFP

“É assombroso e irresponsável”, diz o chanceler venezuelano Jorge Arreaza, “que meios estrangeiros entrem no país sem pedir permissão”.

De todas as coisas assombrosas e irresponsáveis que vêm ocorrendo na Venezuela - morte de crianças desnutridas, assassinatos de opositores, filas onde só se distribui benefícios a quem jura lealdade ao governo ou enterros caseiros, sem falar da corrupção -, a única que parece revoltar Arreaza é essa.

Assim foi sua justificativa para a caça a correspondentes estrangeiros ocorrida na última semana, em que 11 foram detidos, vários deles deportados.

Os jornalistas locais estão mais que acostumados com pressões, ameaças e intimidações. Também elas assombrosas. Três dias depois de ter dado entrevista à Folha de S. Paulo num café de Caracas, Luisa Amelia Maracara, editora do site Cronica Uno, telefona para a reportagem: “aqueles caras que estavam armados no café, eu acho que não eram seguranças da irmã do Maduro, porque na vizinhança ninguém os conhece. Creio que estavam nos seguindo.”

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De fato, durante a conversa da reportagem com a jornalista, entraram homens vestidos de civis e armados no bar. Algo que assustaria qualquer um numa metrópole qualquer, em Caracas isso é normal.

Na hora, Maracara disse acreditar que estavam ali por conta da irmã do ditador Nicolás Maduro, que mora no mesmo quarteirão e que, de fato, minutos depois saiu escoltada por oficiais da Guarda Nacional Bolivariana. “Mas os sujeitos armados continuaram no bar, lembra? Tome cuidado”, me avisa Maracara. Como eu já tinha deixado o país, não me preocupei, mas foram várias as histórias que ouvi, na última semana, sobre o assédio a jornalistas nacionais e estrangeiros.

Na segunda (28), conversando com uma das mais renomadas jornalistas da Venezuela, Luz Mely Reyes, na escadaria do prédio onde está localizada a sede do Efecto Cocuyo, felicitei-a pelos prêmios que ela e o site ganharam, que a fizeram viajar para recebê-los pela América Latina, Europa e EUA.

“Sim, mas eu acabei esticando a viagem o máximo que pude. Em cada destino a que ia por um prêmio, achava a casa de um amigo, ficava um pouco mais, porque sabia que aqui na Venezuela estavam atrás de mim”, contou.

Pouco antes da viagem, Reyes tinha publicado uma investigação sobre a morte de um político que supostamente caiu do edifício em que vivia.

“A gente não sabe o que vai vir depois de expor algo. Pode ser ameaça telefônica, pode ser o Sebin [serviço de inteligência] te seguindo só pra te dar um susto, ou pode ser a prisão”, diz Maracara.

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Mesmo os jornalistas venezuelanos, acostumados a ver estrangeiros assediados no país, se surpreenderam com o número dos que foram constrangidos em uma semana.

Desde 2014, quando começaram as manifestações de rua mais graves, os avanços contra a imprensa estrangeira se intensificaram. A CNN já havia sido expulsa (hoje possui um serviço de streaming só para a Venezuela, que o governo vive tentando derrubar), depois foi o correspondente do New York Times que teve seu visto não renovado, e o da BBC, que foi deportado.

O problema não tem sido tanto passar pelo aeroporto de Maiquetía, embora este seja um dos obstáculos. Entrar aí sem uma boa explicação e com qualquer gadget, computador ou câmera já pode levar à sala de interrogatórios.

Colegas espanhóis que levaram câmera, mas compraram como “disfarce” passagens para as paradisíacas ilhas de Los Roques, não conseguiram entrar. Levados a mostrar equipamentos, foram descobertos e deportados.

Mas o maior risco surge depois de passar por Maiquetía. Entrevistar gente na rua com bloco ou gravador chama a atenção, e um oficial pode prendê-lo ali mesmo. Tirar fotos ou filmar qualquer coisa, também.

Um colega do jornal El País (cujo nome também preservo) foi pego entrevistando vítimas de uma explosão de gás numa padaria. Levaram-no dali para o aeroporto.

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Mas imaginemos que o argumento de Arreaza faça sentido. Conseguir um visto de jornalista na Venezuela é uma faca de dois gumes. Primeiro, podem recusar de cara. Segundo, o mais comum, é que te deem, desde que você apresente uma série tão grande de documentos que pode fazer você perder seu voo: antecedentes médicos, penais, certificados mil, além de lista detalhada de entrevistas que fará.

E ter o visto não oferece garantias se você fugir do roteiro que declarou fazer. E mais, o regime estará sempre perguntando onde você está, dando “incertas” no hotel para saber de você e, o mais penoso, te “convidando” para atos chavistas que são pura propaganda.

Com isso, a maioria dos veículos grandes desistiram de ter base no país. O El País tem colaboradores venezuelanos e uma Redação em Bogotá. Quando o noticiário esquenta em Caracas, um correspondente da sucursal viaja para lá.

O New York Times manteve seu escritório, mas sem correspondente fixo, mandam enviado quando necessário. O mesmo fazem outros jornais norte-americanos. Há freelancers ingleses e norte-americanos que trabalham para vários meios, como Financial Times, The Economist e Washington Post.

A Al Jazeera transmite a partir da cidade colombiana de Cúcuta, na fronteira, e a atravessa quando é o caso.

As agências de notícias estão lá, mas grande parte das equipes em Caracas é venezuelana e recebe apoio do escritório em Bogotá. Também para Bogotá emigraram equipes inteiras de sites venezuelanos ameaçados em seu país.

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