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Com a saída de cena do Brasil na mediação do atrito entre Irã e potências ocidentais em torno do programa nuclear dos aiatolás, já é possível fazer um balanço da atuação do Itamaraty. E o saldo para a política externa brasileira, segundo os analistas, é negativo.

Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, divulgada no domingo, o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) demonstrou, pela primeira vez, um recuo da diplomacia brasileira. "Queimamos os dedos ao fazer coisas que todos diziam que seriam úteis", disse o chanceler. "Não vamos agir de forma proativa a não ser que sejamos chamados", acrescentou.

O Itamaraty informou ontem à Gazeta do Povo que o país simplesmente não irá mais se oferecer como interlocutor.

Amorim reitera a esperança de que a negociação avance, mas admite que após a aplicação de sanções ao Irã pela ONU, a chance diminui muito. "Se [os iranianos] vão continuar a trabalhar para um acordo é que não sei – porque não sei qual vai ser a reação do Irã. As primeiras reações sempre são de natureza emocional", disse o ministro a jornalistas no dia seguinte à aprovação das sanções.

Se, para a geopolítica, o saldo das negociações foi nulo, para o Brasil a "passada" rumo à política externa "de gente grande" pode ter resultado negativo.

"Esse acordo foi obtido por um esforço efetivamente ousado na política internacional", admite o professor de Sociologia da Uni­­versidade Tuiuti Gustavo Biscaia de Lacerda. O problema para a imagem nacional foi a recusa pe­­los EUA em chancelar o pacto, alegando que o acordo funcionava em outubro, mas não agora, depois que o Irã já enriqueceu mais urânio.

Logo no dia seguinte vieram as pesadas sanções da ONU. "Os Es­­tados Unidos não aceitaram a instrumentalização do acordo pelo Brasil, que tentou usá-lo para aparecer como um grande líder político internacional. Essa era a meta do Brasil", disse Lacerda à Gazeta do Povo.

Oficialmente, o interesse brasileiro era apenas atender a um pedido do Irã por mediar negociações com o Ocidente, argumento em relação ao qual a maioria dos analistas é cética. "A paz mundial é bonita no discurso. Na verdade os países defendem os seus interesses, mesmo quando cooperam", disse à reportagem a cientista social da Facinter Karla Gobbo.

Lacerda vai além. "Ficamos parecendo aliados do Irã, e isso pegou mal. A impressão que se passa é que o Brasil entrou para o ‘eixo do mal’", diz, referindo-se à denominação dada pelo ex-presidente americano George W. Bush a países que desafiam a liderança dos EUA.

Quando o Brasil foi coerente com o apoio ao Irã e votou contra as sanções no Conselho de Segu­­rança da ONU, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) definiu o ato como um "tiro no pé". "Estamos isolados", dramatizou a jornalistas em Brasília.

Apesar do recuo em mediar a crise com o Irã, não há garantias de que o Brasil tenha parado por aqui. "Não podemos dizer o que (o presidente) Lula e (o chanceler) Amorim farão, porque ambos têm uma grande dose de voluntarismo", analisa Lacerda.

"Existe um sentimento em Washington de que muito dessa história é produto da incrível confiança que Lula tem em si mesmo, que ele acredita ser um mago que pode fazer milagres e conseguir o que outros falharam em obter", disse ao New York Times o presidente do instituto Inter-American Dialogue, Michael Shifter.

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