• Carregando...
O ditador chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, em encontro dos Brics em Brasília, em 2019
O ditador chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, em encontro dos Brics em Brasília, em 2019| Foto: EFE/André Coelho

Criado em 2009 como uma parceria para aprofundar laços econômicos entre as maiores potências emergentes do mundo, os Brics (sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – esta entrou depois, em 2011) têm sido fundamentais para aliviar as sanções impostas a Moscou pelo Ocidente devido à guerra na Ucrânia.

Além de mecanismos paralelos ao sistema de comunicação de transações bancárias Swift, do qual os principais bancos da Rússia foram desligados, chineses e indianos aumentaram suas importações de petróleo do país governado por Vladimir Putin, prevendo a redução da compra e/ou o estabelecimento de teto de preços para o produto russo por parte dos países europeus.

Os Brics miram uma expansão – em setembro, a Argentina pediu formalmente sua entrada no bloco -, até mesmo com movimentos contraditórios: após especulações de que o Irã poderia entrar no grupo, nas últimas semanas tem se falado sobre uma adesão da Arábia Saudita, inimiga de Teerã.

Independentemente de para onde essas questões vão caminhar, o que parece certo é que os Brics, que nasceram como um bloco econômico, estão se tornando cada vez mais um grupo político.

Isso ficou claro numa declaração de Putin em junho, durante cúpula virtual do bloco. “Para que os países dos Brics assumam um papel de liderança, hoje é mais necessário do que nunca elaborar uma política unificadora e positiva, a fim de criar um sistema [mundial] verdadeiramente multipolar”, apontou o presidente russo.

Em artigo recente para o site Economics Observatory, Matthew Bishop, pesquisador da Universidade de Sheffield (Inglaterra), ponderou que Rússia e China (que reafirmaram em fevereiro, pouco antes do início da guerra na Ucrânia, uma parceria “sem limites”) estão com perfis políticos ainda mais parecidos, com a consolidação do poder de Xi Jinping no país asiático e a escalada autoritária de Putin, enquanto a Índia sob Narendra Modi também reforça uma retórica nacionalista, com generalizadas violações de direitos humanos.

“Consequentemente, alguns formuladores de políticas públicas europeus e americanos temem que os Brics possam se tornar menos um clube econômico de potências em ascensão que buscam influenciar o crescimento e o desenvolvimento globais, e mais um clube político definido por seu nacionalismo autoritário”, destacou Bishop.

Num artigo totalmente simpático ao Kremlin, Fyodor Lukyanov, editor-chefe do site Russia in Global Affairs, disse que até o início deste ano não havia grandes esforços dentro dos Brics para aprofundar laços econômicos nem para transformar o bloco numa alternativa ao G7, o grupo dos sete países mais desenvolvidos do mundo, “porque ligações com o Ocidente eram cruciais para todos os seus membros”.

Entretanto, segundo o jornalista, isso mudou desde a “operação militar especial” russa (como o Kremlin descreve a invasão) na Ucrânia e as sanções impostas em seguida pelo Ocidente. A não adesão a essas medidas por parte de outros países, especialmente os dos Brics, indica que há espaço para uma alternativa à “hegemonia” ocidental, na opinião de Lukyanov – o tal sistema “multipolar” defendido por Putin.

“Todos os outros países, especialmente os grandes estados dos Brics ou aqueles que reivindicam um papel próprio no mundo, não apenas se distanciaram de aderir à campanha ocidental como a rejeitaram abertamente, apesar de tal postura acarretar o risco de repercussões dos Estados Unidos e de seus aliados”, escreveu o jornalista russo.

“Um sistema internacional centralizado, liderado por um ator hegemônico, está fadado a acabar. Isso acontecerá independentemente do resultado do conflito na Ucrânia [Lukyanov não usa o termo guerra no artigo em nenhum momento]. E, assim, outros formatos terão alta demanda. As novas circunstâncias abrirão perspectivas para os Brics.”

Contradições internas

Para Ana Flávia Pigozzo, professora do curso de negócios internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), os Brics já nasceram com um viés político – a prova é que não se tornou um bloco econômico tradicional, no sentido de isenções fiscais, parcerias estratégicas duradouras entre todos os seus membros e outros movimentos.

“Os Brics têm um fundo mais amplo, de aproximar a academia, os bancos centrais, de criar políticas iguais, mas acaba não tendo muitos reflexos na prática. Não há um benefício fiscal automaticamente, como no Mercosul. Então, o bloco acaba meio esquecido pelos empresários de cada país”, argumentou Pigozzo.

“Com certeza o que a Rússia está buscando é se fortalecer em outras regiões, por perder força nos Estados Unidos e na Europa. Como se ela se perguntasse: ‘Quem são meus amigos?’. Já tem a China, a Índia, então se Moscou quer uma aproximação com o Oriente Médio, tenta trazer algum país de lá; quer se fortalecer na América do Sul, então busca alguém mais para não depender apenas do Brasil: traz a Argentina. Desde o começo, os Brics já têm um viés político”, complementou a professora.

Um aprofundamento desse perfil traria desafios. Além da contradição dos inimigos Irã e Arábia Saudita estarem interessados em entrar nos Brics, há disputas fronteiriças entre Índia e China, e o Brasil não parece disposto a referendar uma visão mais politizada do bloco: após se abster em votações nas Nações Unidas sobre a guerra na Ucrânia, este mês Brasília votou a favor de uma condenação da Rússia pela anexação de quatro regiões ucranianas. Foi o único integrante dos Brics a fazê-lo.

Outro entrave fundamental é que o apoio de China e Índia à Rússia esbarra no pragmatismo: os dois países evitam um endosso claro à invasão russa à Ucrânia porque sabem que isso lhes fecharia mercados no Ocidente.

Ana Flávia Pigozzo acredita que o aprofundamento do viés político dos Brics esbarra justamente em contradições internas, que já frearam a parceria no campo econômico.

“É um bloco que, se pensarmos no tempo de criação dele, já poderia ter evoluído muito mais. São interesses muitas vezes tão antagônicos que o bloco acaba sendo comprometido pelos problemas entre um e outro e acaba não se fortalecendo no que seria interessante. O interesse numa relação Brasil-China, por exemplo, pode contrariar um interesse da Índia. O que realmente agrega um para o outro? Eu acredito que até por isso o bloco não cresceu, não ganhou força suficiente”, apontou.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]