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A Moranbong Band é uma criação de Kim Jong-un e é intrinsicamente ligada ao culto de sua personalidade individual como líder supremo | Reprodução
A Moranbong Band é uma criação de Kim Jong-un e é intrinsicamente ligada ao culto de sua personalidade individual como líder supremo| Foto: Reprodução

O último ano foi cruel para a Península da Coreia: tensões nucleares, intransigência diplomática e tweets de Donald Trump prejudicaram ainda mais relações que já eram frágeis. A aproximação exige muito tempo e a trégua é algo lento. A confiança tem que ser construída, o respeito deve ser dado e recebido e os dois lados devem se comprometer a um benefício mútuo.

Tudo isso é particularmente difícil quando você é uma família e sua briga está acontecendo há mais de 60 anos, quando todos desligam o telefone na cara uns dos outros, quando existe troca de palavras duras, quando pessoas perdem a calma e quando, ocasionalmente, sangue é derramado.  

Nesse contexto, mesmo os gestos mais pequenos são difíceis. O plano de atletas da Coreia do Sul e do Norte entrarem juntos na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Inverno de 2018 em PyeongChang, Coreia do Sul, com um banner a favor da unificação entre os dois países (mostrando um mapa da península sem separação de fronteira entre eles) é muito modesto. Mas, de acordo com uma pesquisa realizada na Coreia do Sul, apenas quatro de cada dez moradores de Seul concorda com a ação. Criar um time de hóquei feminino dos dois países também é um passo pequeno que recebe muita oposição – nem metade das jogadoras que participariam do time concordam com a medida.  

O que é necessário para a situação coreana é um equivalente à "diplomacia pingue-pongue": em 1971, o time de tênis de mesa dos EUA foi convidado para participar de uma competição na China de Mao Zedong. Depois da participação do time, Richard Nixon também foi para China. Um grupo de atletas batendo uma bolinha branca com rapidez em uma mesa levou, em um caminho curioso, ao fim de animosidades que duraram um quarto de século entre os países. Pensando assim, talvez a melhor chance de reaproximação das Coreias seja as vinte mulheres que compõe a Moranbong Band, a contribuição da capital norte coreana Pyongyang para a cultura pop mundial.  

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Será que uma banda formada em Pyongyang somente com mulheres que tocam clássicos pop, músicas da Disney, "My Way", do Frank Sinatra e "Eye of the Tiger", tema do filme Rocky: Um Lutador, conseguiria quebrar o gelo entre as duas Coreias em uma apresentação em PyeongChang? Vários hits da banda, como "My country is the best" (Meu país é o melhor) e "Let's Study" (Vamos estudar), já são vistos por fãs no YouTube.

E músicas como "We can't live without his care" (Nós não podemos viver sem os cuidados dele – e é claro que você sabe de quem estamos falando), "Fluttering Red Flag" (Bandeira vermelha tremulante – você sabe de que bandeira estamos falando), e "Victory" (Vitória – é claro que você sabe de que vitória estamos falando) provavelmente serão deixadas de lado na apresentação em PyeongChang, sendo substituídas por sucessos mais aceitáveis como a música de Ursinho Pooh ou a trilha sonora da série Dallas.  

Se a apresentação nas Olimpíadas de fato acontecer, podemos imaginar que Kim Jong-un ficará muito feliz. A Moranbong é uma criação sua e é intrinsicamente ligada ao culto de sua personalidade individual como líder supremo. É um culto que busca retratá-lo um semi-deus que pode fazer armas nucleares e falar grosso com nações inimigas que querem acabar com a Coreia do Norte, mas que também entende a juventude. Seus interesses artísticos são um salto quântico em relação ao gosto de seu pai por operetas coreanas: as companhias criadas por ele já deixaram de existir, substituídas pela Moranbong.  

A primeira aparição da banda foi em 2012, com Kim Jong-un aparecendo em todas as apresentações e liderando os longos aplausos. A banda é jovem mas patriota, ousada (com saias curtas e músicas da Disney) mas claramente aprovada pelo governo. As meninas me lembraram das bandas que existiam havia uma década na China. Os chineses eram fãs da 12 Girl Band, um grupo de mulheres que misturavam instrumentos tradicionais e ocidentais, usavam muitos figurinos num mesmo show e apresentavam covers de músicas ocidentais com tons mais clássicos e enfeitados de patriotismo.  

Cultura do Sul

Não restam dúvidas também que a Moranbong é uma reação a um conhecimento maior da moda e música da Coreia do Sul no Norte, um fenômeno cultural conhecido como hallyu, ou seja, a onda coreana que emana de Seul. Os produtos culturais passam inclusive pelas grossas paredes da censura impostas pelos vizinhos do Norte. O lançamento da Moranbong coincidiu com o sucesso internacional de Psy, a música "Gangnam Style", e a banda inclusive tentou fazer uma espécie de rap de adoração do líder.  

As apresentações não são feitas apenas para a elite; os membros da Moranbong aparecem regularmente na televisão e se apresentam na frente de telas que mostram lançamentos de mísseis. De acordo com pessoas que visitam Pyongyang regularmente, elas estão influenciando os cortes de cabelo de moradores da cidade e fazendo com que itens como sapatos de salto alto, cosméticos e saias curtas sofram menos censura.  

Se o inevitável comitê de burocratas conseguir concordar com um set de músicas, pode ser que o show na abertura das Olimpíadas realmente aconteça. Já existe uma grande variedade de programas de televisão, quadrinhos e romances obcecados pelo Norte que estão disponíveis no Sul – como a distopia Nossa Aspiração é a Guerra, de Jang Kang-myung, livro sobre traficantes de droga pós-unificação. É difícil ver como a audiência que assistirá a cerimônia de abertura no dia 09 de fevereiro não irá adorar a apresentação de música de uma Coreia do Norte kitsch no meio dos Montes Taebaek.  

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Mas o conhecimento é uma via de mão dupla. A última década mostrou um aumento considerável da entrada da cultura da Coreia do Sul no Norte – filmes, programas de TV, revistas de moda e romances chegam em pendrives pela China. A posse ampla de laptops, pelo menos nas cidades, fez com que fosse ainda mais fácil transmitir as informações com pendrives, fazendo com que o pop, os dramas e a moda do Sul chegasse ao Norte. O jovem que dramaticamente chegou na fronteira recentemente podia dizer aos seus médicos quais eram suas bandas favoritas.  

No Norte, o poder feminino parece pronto para avançar. Pyongyang, ao que tudo indica, realmente gostaria que a Moranbong se apresentasse nas Olimpíadas. Só saberemos depois se as ideias de unificar o time de hóquei ou juntar as delegações na entrada do estádio darão certo, mas é certo que a presença da delegação do Norte em conversas entre as Coreias estão avançando no planejamento. Como explicar a presença de Hyon Song Wol, líder da Banda Moranbong, em falas na cidade de fronteira Panmunjom?  

Esperança

Além de ser uma ocupada estrela do pop norte coreano, Hyon também é membro do Comitê Central do Partido de Trabalhadores da Coreia desde outubro do ano passado. Ela estava nas reuniões oficialmente como vice-chefe de delegação (em um grupo de quatro pessoas). Tecnicamente, ela era o membro com maior hierarquia de toda a delegação. Ro Son Gwon, líder do Comitê da Coreia do Norte para a Reunificação Pacífica da Coreia, liderou a comitiva e teve um papel central nas negociações, mas não faz parte do Comitê Central do Partido.  

Hyon foi a estrela das conversas e, se Moranbong se apresentar, ela provavelmente vai ser a estrela da cerimônia de abertura também. O que era antes impensável pode acontecer – um poder cultural na Coreia do Norte pode ganhar.  

É verdade que, no contexto atual de um regime que aumenta cada vez mais suas sanções, com soldados fugindo pelas fronteiras desesperadamente enquanto são mirados por soldados que eram companheiros há cinco minutos, e com ameaças acontecendo entre o líder supremo e o presidente dos EUA, Donald Trump – com os jogos de guerra sendo suspendidos durante as Olimpíadas – talvez algumas músicas de uma banda brega não signifiquem muito.  

Ainda assim, as conversas entre as Coreias ofereceram alguma esperança depois de um ano ruim, e uma possível apresentação de Moranbong em Pyeongchang pode melhorar o humor na região. O que vai acontecer depois dos jogos ainda não está claro. Mas o caminho entre a mesa de pingue-pongue e a mesa de negociação também parecia muito longo.

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