
Brasília - Documentos secretos da diplomacia norte-americana relatam que o governo Lula tem negado a atuação de grupos terroristas no Brasil para não "estigmatizar a comunidade muçulmana" e "prejudicar o turismo" no país. As informações foram divulgadas no domingo pelo site WikiLeaks, que se dedica à revelação de material militar sigiloso dos Estados Unidos e outros países. Elas ressaltam preocupações com atividades de grupos islâmicos em São Paulo e em regiões do Sul.
O portal diz possuir 1.947 correspondências enviadas pelo serviço diplomático dos EUA no Brasil para Washington ao longo da última década e promete divulgar todas nesta semana. Dessas, apenas seis foram publicadas integralmente e descrevem, na visão dos emissários, a maneira como o governo brasileiro tem abordado o terrorismo no país. Um dos telegramas, enviado em janeiro de 2008 pelo embaixador Clifford Sobel, fala sobre a necessidade de olhar para além da Tríplice Fronteira, mas revela preocupações com a vizinhança de Foz do Iguaçu.
"Embora a área entre Argentina, Brasil e Paraguai domine exclusivamente as manchetes, a preocupação primária de contraterrorismo para os funcionários brasileiros e para a missão diplomática dos EUA no Brasil é a presença e atividades dos indivíduos com ligações com o terrorismo em especial vários sunitas extremistas suspeitos e alguns indivíduos ligados ao Hezzbollah em São Paulo e outras regiões do Sul", diz o texto.
Tríplice Fronteira
A correspondência aponta que há "suspeitos" de ligações com o Hamas e o Hezbollah na Tríplice Fronteira, mas que há "poucas evidências" de que os dois grupos têm uma presença operacional na região. Por outro lado, a área precisaria continuar sendo monitorada porque mantêm condições favoráveis aos terroristas. Entre elas, a frouxidão nos controles de fronteira, o contrabando, o tráfico de drogas, o acesso fácil a documentos falsos e armas e o comércio de produtos piratas.
O mesmo despacho cita o Brasil como um "parceiro cooperativo no combate ao terrorismo". No entanto, descreve que diante dos holofotes as autoridades brasileiras, particularmente o Ministério das Relações Exteriores, são "sensíveis a quaisquer declarações públicas de que os terroristas têm presença no Brasil". Além dos receios quanto à discriminação da comunidade árabe e ao enfraquecimento do turismo, Sobel aponta que o governo trabalha para "evitar parecer ligado estreitamente ao que é visto como uma guerra excessivamente agressiva dos EUA contra o terrorismo".
O embaixador também retrata tentativas de disfarçar a ação de terroristas no país. Segundo o documento, a Polícia Federal "frequentemente prende pessoas ligadas ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados ao terrorismo para evitar chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo". A correspondência não expõe nomes dos supostos terroristas, mas fala sobre duas prisões que ocorreram em 2007 em Santa Catarina e Estados Unidos.
Nesse e em outros documentos, há menções sobre compartilhamento de informações entre órgãos de inteligência norte-americanos e brasileiros. No telegrama mais recente entre os seis divulgados, enviado a Washington no dia 31 de dezembro de 2009, a ministra conselheira da Embaixada dos Estados Unidos, Lisa Kubiske, volta a tratar da existência de "dois discursos separados": a negação do governo, de um lado, e a colaboração da polícia em ações antiterrorismo, de outro.
Ela avalia positivamente a prisão em São Paulo de um libanês ligado a Al-Qaeda conhecido como "Senhor K", sob a acusação de racismo, ocorrida sete meses antes. Também elogia a postura do Itamaraty ao admitir que o Brasil pode ficar mais visado pelos terroristas pelo fato de o Rio de Janeiro ter sido escolhido como sede dos jogos olímpicos de 2016.



