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Opinião

Tiroteios em escolas viraram um gênero hoje em dia

O fenômeno de tiroteios em campi dos EUA já não nos chocaria tanto se não fosse o fato de os criminosos engenhosamente começarem a utilizar novos detalhes mais picantes. Em outubro do ano passado, foi em uma escola Amish, no estado da Pensilvânia; em 2005 numa escola dentro de uma reserva indígena americana. Este ano, quase no dia do oitavo aniversário de Columbine (mais um incidente nessa série de atrocidades), os corpos das 32 vítimas do tiroteio em Virginia Tech tem um gosto amargo de competição. O homem que, infelizmente, se matou tarde demais em Blacksburg, Virgínia, levou consigo mais que o dobro das vítimas que Dylan Klebold e Eric Harris conseguiram fazer na escola Columbine, em 1999.

É possível que "Virginia Tech" não tenha o mesmo alcance que "Columbine", mas é de se pensar se o novo atirador não estava competindo para atualizar o léxico cultural – pôr nos dicionários um sinônimo para "violência aleatória em campi".

Enquanto os matadores continuam a improvisar, o resultado na mídia é o mesmo ritual entorpecente. Então nós nos perguntamos: por que essas turbulências continuam acontecendo, principalmente nos Estados Unidos? O que pode ser feito? Respostas não faltam, mas são todas insatisfatórias.

Por que acontecem crimes como esse? Não querendo ser repetitiva, tiroteios em campi continuam acontecendo por que eles continuam acontecendo. Toda vez que vaza uma estória dessas, toda vez que flashes da notícia são vistos ao redor do mundo, as chances de outro massacre acontecer aumentam. Todos esses eventos são crimes copycat (copiados).

Vale dizer que tiroteios em escolas viraram um gênero hoje em dia. Gênero de literatura, romances, etc. Eu mesma já contribuí para o gênero. Esses crimes fazem parte do nosso vocabulário cultural. Qualquer indivíduo decepcionado amorosamente, desesperado ou vingativo de qualquer idade e tamanho quer participar deste "show", e com uma idéia fixa na cabeça: tiroteio em um câmpus.

Eu, honestamente, não acredito que a opção das escolas ou universidades é arbitrária quando ficam remoendo o sofrimento por terem sido o local desses acontecimentos. Para a maioria de nós, a escola e a universidade são o berço de experiências emocionais profundas e de formação de caráter, e o poder psicológico desses locais não necessariamente diminui com o passar do tempo.

No mês passado eu tive que ir a uma escola primária americana por um motivo particular. Quando eu estava andando pelo hall e pelos vestiários, senti aquele cheiro ardido de pó de giz, e, automaticamente, vieram a minha cabeça memórias que não eram, na maioria, boas. Eu me senti claustrofóbica, sufocada e quase suspirei de alívio quando vi que podia ir embora sem passar pela sala de tiranias da diretora.

Para alguns sortudos, a escola e a universidade são os lugares onde nos distinguimos pela primeira vez, mas, para a maioria da população, elas são locais das primeiras mágoas, humilhações e ferimentos. Essas instituições são a nossa porta de entrada para hierarquias sociais brutais e acabam sendo também as fomentadoras da nossa primeira devastação romântica. Que melhor lugar teríamos para encenar nossa retribuição primitiva?

Com relação ao que aconteceu nos EUA, muito pouco foi revelado ao público sobre o atirador na Virgínia. Ele não queria ser esquecido. Anonimato é a última coisa que os atiradores em campi têm em mente. Já se foi a época em que aparecer nos jornais por fazer algo errado era algo horrível, do qual todos tinham medo. Os americanos perderam esse senso de "vergonha". Meus compatriotas esqueceram da velha distinção entre fama e infâmia, tudo em busca do conceito pluralista de "celebridade". O que importa é ser visto e lembrado. Até mesmo uma atenção póstuma é melhor do que ficar no esquecimento.

O atirador em Virgínia era um imigrante que estava há pouco tempo no país, mas chegou com seu itinerário pronto. Eu preferia mil vezes que ele continuasse sendo anônimo. Se todos os culpados por crimes ficassem anônimos eternamente, com a fama e todo o ressentimento causado enterrados junto com eles, certamente a freqüência dessas "farras" grotescamente gratuitas iria despencar.

Uma das forças motivadoras para esse tipo de assassino não é apenas ser notado, mas também ser compreendido. Não se pode, entretanto, declarar os enjeitados como fora-da-lei, muito menos forçar o conceito cultural de vergonha goela abaixo da população. Nós também não queremos que instituições educacionais reproduzam o mesmo rigor paranóico de segurança usado nos aeroportos. A única medida preventiva para a solução disso é a Logística. É só dificultar o acesso a armas. Quantos assassinatos em massa o povo americano deve testemunhar para que o governo tome providências sérias para o controle de armas?

Enquanto eu escrevo este artigo, a fonte de armas para o incidente de segunda-feira foi levada a conhecimento público. O estado da Virgínia é o que tem as leis mais frouxas para armas no país. Você "só" pode comprar uma arma de mão por mês, e o exame de fichas criminais não é solicitado se você comprar armas numa feira ou show de armamentos. Além disso, a lei para o controle de armas nos EUA é tão ridícula, que muitos desses atiradores de câmpus provavelmente não teria problema algum em adquirir suas armas enquanto se divertissem com as regras mais severas que fossem aplicadas. Quem é que não pode dizer que os atiradores do futuro não farão apostas para ver quem consegue primeiro a liberação da arma?

Para o governo federal americano levar o controle de armas a sério será necessário um levante armado em massa da população. Se as pessoas fossem fazer valer os princípios da sua própria Declaração de Independência, onde "Quando qualquer forma de governo se tornar destrutiva.... é direito do povo alterá-lo ou aboli-lo, e instituir novo governo", o Congresso fecharia a indústria armamentista num piscar de olhos.

Lionel Shriver, jornalista e escritora norte-americana, é autora do romance We need to talk about Kevin (Precisamos conversar sobre Kevin), que narra um tiroteio numa escola americana.

Tradução: Thiago Ferreira

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