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O Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov: Trump o recebeu na Casa Branca um dia após demitir o diretor do FBI | NATALIA KOLESNIKOVA/AFP
O Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov: Trump o recebeu na Casa Branca um dia após demitir o diretor do FBI| Foto: NATALIA KOLESNIKOVA/AFP

 O presidente Donald Trump revelou informações secretas para o ministro de relações exteriores e para o embaixador russos em uma reunião na Casa Branca semana passada, de acordo com funcionários do governo dos EUA, que afirmam que a revelação de Trump compromete uma fonte crítica de informações no estado islâmico. 

 A informação que Trump retransmitiu foi dada por um parceiro dos EUA por meio de um acordo de compartilhamento de dados e é considerada tão delicada que os detalhes foram recusados a aliados e restritos mesmo entre os membros do governo americano, segundo os funcionários. 

Esse parceiro não teria dado permissão aos EUA para compartilhar esse material com a Rússia, e os funcionários dizem que a decisão de Trump compromete a cooperação com o país parceiro, que tem acesso a funcionários do estado islâmico. Depois da reunião de Trump, oficiais responsáveis da Casa Branca tentaram controlar os danos, fazendo ligações para a CIA e para a Agência de Segurança Nacional. 

“É uma informação codificada”, disse um dos oficiais que está familiarizado com o assunto, usando uma terminologia referente a uma das mais altas classificações usadas por agências de espionagens americanas. Trump “revelou mais informação ao embaixador russo do que compartilhamos com nossos próprios aliados”. 

A revelação foi feita enquanto o presidente enfrenta pressões legais e políticas cada vez maiores em vários aspectos que envolvem a Rússia. Na última semana, ele demitiu o diretor do FBI, James Comey, que estava envolvido com uma investigação que poderia ligar a campanha de Trump com Moscou. A afirmação posterior de Trump que a decisão foi tomada por conta “dessa coisa com a Rússia” foi vista por críticos como uma tentativa de obstrução da justiça. 

Um dia depois de demitir Comey, Trump recebeu o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, e o Embaixador da Rússia, Sergey Kislyak - uma figura chave em outras controvérsias com a Rússia - no Salão Oval. Segundo oficiais, Trump saiu do script durante a reunião e começou a descrever detalhes de uma ameaça terrorista islâmica relacionada ao uso de computadores em bordo de aviões. 

Para quase qualquer pessoa do governo, discutir essas questões com um adversário seria ilegal. Como presidente, Trump tem autoridade para desclassificar segredos de governo, fazendo com que seja improvável que suas revelações tenham desrespeitado a lei. 

Já alguns oficiais da Casa Branca envolvidos na reunião disseram que Trump discutiu apenas preocupações compartilhadas sobre terrorismo. 

“O presidente e o ministro das relações exteriores revisaram ameaças comuns de organizações terroristas que incluem ameaças à aviação”, disse H.R. McMaster, conselheiro de segurança nacional, que também participou da reunião.

“Em nenhum momento foram discutidas fontes ou métodos de informação, e nenhuma operação militar que já não fosse conhecida publicamente foi revelada”. 

McMaster reiterou sua afirmação em uma aparição na Casa Branca na segunda-feira e descreveu a reportagem do “The Washington Post” como “falsa”, mas não respondeu nenhuma pergunta. 

Em seus depoimentos, funcionários da Casa Branca enfatizaram que Trump não discutiu aspectos específicos sobre fontes e métodos de informação nem que falou sobre ele ter obtido as informações de fontes sensíveis. 

A CIA se recusou a comentar e a NSA não respondeu os pedidos de posicionamento. 

Inconsequente

Mas funcionários expressaram preocupação com a maneira com que Trump lidou com a informação delicada, assim como com sua compreensão sobre as consequências em potencial dessa ação. Expor um fluxo de inteligência responsável por uma percepção crítica do estado islâmico poderia, segundo eles, impedir a habilidade dos EUA e de seus aliados de detectar ameaças futuras. 

“Isso tudo é um pouco chocante”, disse um funcionário antigo que é próximo de funcionários administrativos dos EUA.

“Trump parece ser muito precipitado e não compreender a gravidade das coisas com as quais está lidando, especialmente quando se considera inteligência e segurança nacional. É tudo nebuloso por conta desse problema que ele tem com a Rússia”. 

Em sua reunião com Lavrov, Trump parecia estar se gabando de seu conhecimento privilegiado da ameaça.

“Eu tenho uma ótima inteligência. Eu tenho pessoas me passando ótimas informações todos os dias”, disse o presidente, de acordo com um funcionário com conhecimento da troca. 

Trump continuou discutindo aspectos da ameaça que os EUA só conhecem por conta das capacidades de espionagem de um parceiro chave. Ele não revelou nenhum método específico de coleta das informações, mas descreveu como o Estado Islâmico estava perseguindo elementos de uma trama específica e quantos estragos um ataque poderia causar em circunstâncias diferentes. Segundo os funcionários, o mais alarmante é que Trump revelou a cidade do território islâmico onde o parceiro dos EUA detectou a ameaça. 

O jornal The Washington Post não está revelando os maiores detalhes, incluindo o nome da cidade, a pedidos dos funcionários que alertam que revelar essas informações compromete capacidades importantes da inteligência. 

“Todo mundo sabe que essas relações são muito frágeis, e a ideia de compartilhar tantos detalhes com os russos é preocupante”, disse um antigo funcionário de contraterrorismo dos EUA que já trabalhou com membros do time nacional de segurança de Trump.

Ele e outros falaram com a reportagem sob a condição de anonimidade, tendo em vista a delicadeza do assunto. 

A identificação da localidade foi vista como particularmente problemática, segundo os funcionários, porque a Rússia pode usar esse detalhe para identificar o aliado do EUA ou os elementos da inteligência que estão envolvidos. Funcionários dizem que esses elementos podem ser úteis para outros propósitos, como pesquisar a presença russa na Síria. Moscou estaria muito interessada em identificar essa fonte e até corrompê-la. 

Tanto a Rússia como os EUA consideram o Estado Islâmico como inimigo e já compartilharam informações limitadas sobre ameaças terroristas. Mas as duas nações não concordam com a situação na Síria, onde Moscou desenvolveu recursos militares para apoiar o presidente Bashar al-Assad. 

“A Rússia pode identificar nossas fontes e técnicas”, disse um funcionário de alto cargo. 

Um antigo funcionário da inteligência que já lidou com informações de alto nível da Rússia falou que com as dicas dadas por Trump “eu não acho que vai ser difícil para os russos descobrirem o que está acontecendo”. 

Quebra de confiança

Em um nível mais básico, a informação não pertencia aos EUA para passar adiante. Sob as leis da espionagem, países — ou mesmo agências individuais — têm um controle significativo sobre a disseminação da informação a que tiveram acesso, mesmo depois de ela ter sido compartilhada. Violar essa prática quebra a confiança, considerada essencial para compartilhar esses segredos. 

Os funcionários se recusaram a identificar o aliado mas disseram que ele já se afirmou frustrado com a inabilidade de Washington de guardar informações delicadas relacionadas ao Iraque e à Síria. 

“Se esse parceiro descobrir que demos essa informação para a Rússia sem seu consentimento, isso pode destruir esse relacionamento”, disse um dos funcionários. 

Trump também descreveu medidas que os EUA tomou ou contempla tomar quanto à ameaça, incluindo operações militares no Iraque e na Síria, assim como outras medidas para melhorar a segurança, disseram os funcionários. 

Eles não deram detalhes dessas medidas, mas o Departamento de Segurança Interna dos EUA recentemente revelou que considera banir notebooks e outros aparelhos eletrônicos da bagagem de bordo em voos entre Europa e EUA. Os EUA e o Reino Unido fizeram uma medida similar em março, banindo eletrônicos de passageiros que passassem por aeroportos de 10 países de maioria islâmica. 

Trump lança essas contramedidas em termos melancólicos. “Você acredita no mundo que vivemos hoje?”, ele disse, de acordo com um funcionário. “Não é maluco?”. 

Lavrov e Kislyak também estavam acompanhados de assistentes. 

Um fotógrafo russo fez fotos durante a maior parte da sessão que foram lançadas pela agência de notícias estatal Tass. Nenhum membro da mídia americana teve permissão para participar da reunião. 

Passou dos limites

Funcionários de alto escalão pareceram perceber rapidamente que Trump tinha passado dos limites e começaram a se mover para conter o restante. Thomas Bossert, assistente do presidente para segurança interna e contraterrorismo, fez ligações para diretores da CIA e da NSA, os serviços mais intimamente ligados com acordos de compartilhamento de informações com o parceiro. 

Um dos subordinados de Bossert também fez ligações para que a parte problemática da discussão de Trump fosse retirada dos memorandos internos e para que a transcrição completa fosse limitada a poucos destinatários, esforços para prevenir que detalhes delicados fossem disseminados ainda mais ou até que vazassem completamente. 

Alguns funcionários da Casa Branca defenderam Trump. “Essa história é falsa”, disse Dina Powell, vice conselheira de segurança nacional em estratégia. “O presidente discutiu apenas as ameaças comuns que os dois países enfrentam”. 

Mas esses funcionários não conseguiram explicar porque membros da equipe sentiram a necessidade de alertar a CIA e a NSA. 

O Senador Bob Corker disse que preferia comentar sobre as revelações do Post depois de “saber um pouco mais sobre isso”, mas adicionou: “obviamente, eles estão em uma espiral descendente agora e devem achar uma maneira de lidar com tudo que está acontecendo. A vergonha é que temos um time incrível de segurança nacional”. 

Corker também disse que “o caos que está sendo criado pela falta de disciplina está criando um ambiente que acho que… é um ambiente preocupante”.

Sem disciplina 

Trump já saiu repetidamente da pauta ao lidar com oficiais estrangeiros de alto escalão, mais notavelmente na conversa introdutória com o primeiro ministro australiano no começo desse ano. Ele também enfrentou críticas pela aparente falta de atenção à segurança quando se retirou para a Flórida, em Mar-a-Lago, onde apareceu preenchendo relatórios preliminares sobre o lançamento de mísseis norte coreanos em restaurantes locais. 

Funcionários dos EUA disseram que o Conselho Nacional de Segurança continua preparando longos documentos para guiar o Trump em conversas com líderes estrangeiros, mas que ele insiste que a ajuda se limite a uma página em tópicos - e ainda assim os ignora. 

“Ele parece chegar na sala ou na ligação e pronto, e isso acaba trazendo grandes desvantagens”, disse outro funcionário. “Será que ele entende o que é classificado e o que não é? Isso que me preocupa”. 

A reação de Lavrov foi discreta, segundo funcionários, convidando os EUA a trabalhar com Moscou para acabar com o terrorismo. 

Kislyak já figurou em histórias perigosas sobre os laços entre a administração de Trump e a Rússia. O primeiro conselheiro de segurança nacional de Trump, Michael Flynn, foi forçado a sair do cargo depois de 24 dias por conta de seu contato com Kislyak e suas afirmações confusas sobre isso. 

O procurador Jeff Sessions também foi forçado a recusar se envolver com assuntos relacionados à investigação do FBI sobre a Rússia depois de ter sido revelado que ele já se encontrou com Kislyak, mesmo tendo negado contato com qualquer funcionário russo. 

“Tenho certeza que Kislyak foi capaz de passar todas as informações para o Kremlin”, disse o antigo funcionário que já lidou com informações russas. 

As informações oficiais da Casa Branca sobre a reunião com Lavrov e Kislyak não mencionaram a discussão sobre a ameaça terrorista. 

“Trump enfatizou a necessidade de trabalharem juntos para terminar o conflito com a Síria”, dizia o informativo. O presidente também levantou o assunto da Ucrânia e “enfatizou seu desejo de construir uma relação melhor entre os EUA e a Rússia”.

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