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Elon Musk alterou a censura do Twitter, permitindo falar de efeito colateral de vacina e proibindo pornografia infantil
Elon Musk alterou a censura do Twitter, permitindo falar de efeito colateral de vacina e proibindo pornografia infantil| Foto: EFE/ John G. Mabanglo

Na sexta leva de revelações dos Twitter Files, arquivos internos até então sigilosos liberados pelo novo dono Elon Musk a jornalistas independentes seletos, o repórter Matt Taibbi deu foco à relação da rede social com o FBI, importante agência de inteligência do governo americano. A condição para a cobertura exclusiva é que os jornalistas publiquem primeiro as informações no próprio Twitter. Taibbi buscou mostrar dessa vez que o contato entre o site e a agência “era constante e pervasivo, como se ele fosse um subsidiário”.

Nos últimos três anos, o ex-chefe de segurança da rede social Yoel Roth trocou mais de 150 e-mails com o FBI, revelou o jornalista. Antes, foi revelado que havia reuniões periódicas envolvendo as duas partes e outros órgãos como o Departamento de Segurança Interna (DHS, criado após o ataque de 2001 para combater o terrorismo). Documentos obtidos pelo site The Intercept internacional revelaram no início de novembro que essas agências do governo americano faziam reuniões mensais com empresas como Google, Twitter, Facebook, Reddit, Microsoft, Pinterest, LinkedIn e Wikipédia para definir o controle da “desinformação” online.

No caso do FBI, havia ligações quinzenais para as quais o Twitter era convidado. Os arquivos mostram que um grande número dos contatos do FBI e do DHS tratavam de pedidos para que a rede social lidasse com desinformação eleitoral, mesmo se fossem piadas feitas por contas com poucos seguidores. Havia uma força-tarefa no FBI dedicada especialmente a isso. Ela foi criada em 2016, quando Donald Trump concorria à presidência, e chegou a ter 80 agentes. Uma das razões de ser do grupo era combater suposta influência estrangeira nas eleições, além de desinformação.

Piadas eram levadas a sério como “desinformação” pelo FBI

Um e-mail recente de um agente, de 10 de novembro, diz “Olá contatos do Twitter, o FBI de São Francisco notifica-os sobre as contas abaixo”, providenciando uma lista de quatro nomes de usuário. Uma das contas, “@fromMA”, aparenta ser de um idoso que na maior parte publica apenas piadas. Ele foi tratado nas mensagens como um potencial produtor de “desinformação cívica”. O tweet que parece ter chamado a atenção dos agentes dizia “quero lembrar aos republicanos que votem amanhã, quarta-feira, 9 de novembro”. A brincadeira é com a data, pois o dia da votação nas eleições de meio de mandato este ano foi o dia 8. Outra piada quase idêntica, mas dizendo o mesmo aos democratas, chamou a atenção dos agentes em outra mensagem pedindo por ação do Twitter.

Outra conta que na maior parte publica brincadeiras, “@ClaireFosterPHD”, alegou que era contadora oficial de votos e que “se você não está usando máscara, não vou contar seu voto”. Ao ser informada que sua piada chamou a atenção do FBI, ela disse que “qualquer pessoa que não consiga discernir sátira óbvia da realidade não tem lugar na tomada de decisões pelos outros ou trabalhando para os agentes federais”.

Uma mensagem que pedia ação contra 25 outras contas foi encaminhada por um agente do FBI chamado Elvis M. Chan. Mais uma vez, a motivação eram comentários ou piadas que “disseminam falsas informações sobre o tempo, lugar ou procedimento nas eleições próximas”. Elvis assina o e-mail com, entre outras informações, “Pronomes: ele/dele”. Outro e-mail dele revela que havia ferramentas especiais implantadas, como uma chamada “Teleporter” pela qual o FBI enviava relatórios.

Em resposta ao e-mail, o funcionário do Twitter Patrick Conlon informa que puniu sete das contas com suspensão permanente, uma com suspensão temporária, e que nove foram obrigadas a apagar seus tweets com “desinformação cívica” para poderem voltar. Nenhuma das contas se passava por órgão público. Muitas eram satíricas, quase todas tinham baixo engajamento de outros usuários. Uma das contas, “@Tiberius444”, que tem menos de 1500 seguidores, comentou “não acredito que o FBI está policiando piadas no Twitter. Isso é uma loucura”. Os pedidos dos agentes do governo por interferência da moderação eram tantos que um funcionário descreve, em conversa interna, que o atendimento era um “esforço monumental”.

Os documentos revelam, também, que havia planos de escalar as reuniões do Twitter com o DHS e o FBI, além do Departamento de Justiça, para a frequência semanal. A esse respeito, uma funcionária da rede social pergunta aos agentes se haveria impedimentos ao compartilhamento de informações confidenciais “com a indústria”. “O FBI foi enfático que não existem impedimentos a esse compartilhamento”, responderam. A mensagem era endereçada a Jim Baker, ex-advogado do FBI que trabalhava para o Twitter. Quando os arquivos do Twitter começaram a ser publicados, Baker foi demitido por Elon Musk sob acusação de tentar interferir na divulgação.

“Deep State” até local

A parceria não era apenas com o governo federal. Um governo estadual que parecia ter acesso privilegiado era o da Califórnia. Um “portal de apoio aos parceiros” usados pelos oficiais do estado é mencionado nos arquivos. Eles pediam censura, por exemplo, a um tweet de Donald Trump em que ele alegava que o estado contratou uma firma politicamente enviesada para contar “e fazer colheita de” votos. Os governos locais contratavam empresas para monitoramento em massa de publicações, além de think tanks e até um Centro de Política Informada da Universidade de Washington. “O que a maioria considera ‘Estado profundo’ [deep state] é na verdade uma colaboração entremeada de agências estatais, terceirizados e ONGs que às vezes são financiadas pelo Estado”, comenta Matt Taibbi. “Os limites ficam tão borrados que não fazem mais sentido”.

Em um tweet separado da série de revelações, Taibbi fez um resumo opinativo do que encontrou: “Em vez de correr atrás de abusadores sexuais de crianças ou terroristas, o FBI tem agentes — muitos deles — analisando e denunciando em massa publicações de redes sociais. Não como parte de qualquer investigação criminal, mas como uma operação permanente, como um fim em si mesmo. As pessoas não deveriam permitir isso”.

Ele pensa que a alegação de interferência russa nas eleições de 2016, repetida por mais de dois anos pela imprensa progressista americana até se revelar quase completamente falsa, foi um grande motivador para o arranjo da estrutura de censura em parceria com as redes sociais. “É análogo a como o ataque de 11 de setembro [de 2001] inspirou a expansão do Estado de segurança”, compara.

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