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Merdan Ghappar enviou relatos a familiares sobre campo de detenção voltado à etnia uigur (Imagem: Reprodução)
Merdan Ghappar enviou relatos a familiares sobre campo de detenção voltado à etnia uigur (Imagem: Reprodução)| Foto:

Tornozelos inchados, roupas sujas e preso a uma cama de metal por algemas em um pequeno cômodo. Ao fundo da gravação, é possível ouvir uma mensagem de propaganda, disparada por alto-falantes, que acusa "forças separatistas" de tentarem encorajar os uigures a "acreditar no Islã para se unir".

É assim que o modelo Merdan Ghappar aparece em uma filmagem (assista ao fim desta matéria) feita por ele mesmo de dentro de um campo de detenção chinês na província de Xinjiang, no Noroeste do país. Ghappar é uigur, minoria muçulmana que o Partido Comunista da China parece disposto a exterminar, e é em Xinjiang que a maioria dos uigures chineses moram. As imagens foram obtidas e divulgadas recentemente pela rede BBC.

Ghappar tem 31 anos, é modelo e costumava trabalhar para o gigante do varejo digital chinês Taobao. Em janeiro de 2020, ele foi retirado à força de sua casa em Foshan, no Sul do país, e levado a uma delegacia em Xinjiang. Lá, ficou detido por 18 dias antes de ser transferido a um "centro de prevenção de epidemias" temporário, local onde fez o vídeo.

Em março, uma tia de Ghappar recebeu o vídeo pelo WeChat, mensageiro chinês equivalente ao WhatsApp, junto com várias mensagens de texto nas quais o modelo descrevia a instalação onde se encontrava. Ghappar teria visto até 60 pessoas trancafiadas em uma sala com tamanho menor que 50 metros quadrados, algemadas e com as cabeças cobertas por sacos.

Ele também afirmou ter ouvido "gritos horríveis" e disse que estava cheio de piolhos e picadas de pulgas. Depois de um tempo, contudo, as mensagens pararam e a família do modelo não recebeu mais notícias dele.

Leia também: Intelectual uigur previu repressão chinesa à minoria

A BBC contatou o professor de História da Universidade de Georgetown, nos EUA, James Millward, especialista nas políticas chinesas aplicadas em Xinjiang. Segundo ele, o vídeo e as mensagens de Ghappar são consistentes com outros documentos e relatos sobre a situação dos uigures nos campos de detenção mantidos pelo Partido.

"Este jovem homem, como modelo, já tem uma carreira de sucesso. Ele fala mandarim muito bem, escreve muito bem e usa frases sofisticadas, então, claramente não se trata de alguém que precisa de educação para um propósito profissional", afimou o professor. Isso porque a versão oficial do Partido Comunista Chinês é de que esses lugares seriam, na verdade, “centros vocacionais”, e não unidades de detenção.

Uigures

Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de um milhão de uigures estão detidos em campos secretos na China, número que equivaleria a 10% da minoria muçulmana que vive no país. O objetivo do governo chinês seria a eliminação de qualquer ameaça ao poder do Partido Comunista, por meio da supressão da liberdade religiosa e de dissidências no país.

As autoridades chinesas usam um sistema amplo e secreto de tecnologia para vigiar os uigures, por meio, principalmente, da invasão de celulares e de ferramentas de reconhecimento facial. Muitas vezes, usar um véu no rosto ou não aparar a barba é motivo suficiente para ser detido. Outro motivo que leva à detenção é ter mais filhos do que é permitido pelo governo.

Nos "campos de reeducação", os uigures são obrigados a abandonar suas crenças e costumes e a jurar fidelidade ao Partido Comunista para que possam sair desses locais. Os horários são regrados e os "reeducandos" são proibidos de manter qualquer contato com o mundo exterior.

A China também busca apagar a minoria estimulando o casamento entre uigures e pessoas da etnia han, maioria na China. Chineses han também são estimulados a migrar para Xinjiang, recebendo, inclusive, benefícios financeiros para tanto. Além disso, métodos de controle de natalidade forçados e até abortos a fim de diminuir o número de uigures em Xinjiang têm sido registrados.

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