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igualdade de gênero

Ultraortodoxas judias lutam pelo direito de serem votadas

Em Israel, mulheres desafiam o conservadorismo da comunidade da qual fazem parte, que rejeita a presença feminina na política

Duas iniciativas paralelas estão sacudindo o mundo ultraortodoxo israelense. Mulheres religiosas estão determinadas a mudar o status quo haredi (“temente a Deus”, em hebraico): querem a presença de ultraortodoxas no Knesset, o Parlamento em Jerusalém. Mas elas enfrentam o conservadorismo da comunidade da qual fazem parte, que rejeita a presença feminina na política. Os dois partidos ultraortodoxos de Israel, Shas e Judaísmo da Torá, não aceitam candidatas mulheres, cujo papel se restringe à criação dos filhos e ao lar. Nos últimos meses, as ativistas fizeram barulho na internet, distribuíram panfletos, colaram cartazes e deram entrevistas à mídia. Mas não foi desta vez. Nenhuma mulher ultraortodoxa foi incluída na lista dos partidos para as eleições legislativas de 17 de março. Elas, no entanto, não se dão por vencidas.

— Tem gente que não lembra que, antigamente, mulheres nem sequer podiam votar. Tenho certeza de que é só uma questão de tempo para que tenhamos representantes no Knesset — diz a ativista e estudiosa de feminismo heredi Esty Reider-Indorsky. — Minha neta vai votar num partido ultraortodoxo que tenha candidatas mulheres. Já posso escutar os sinos da História badalando.

Boicote na votação

Os haredim são cerca de 10% da população de Israel. Mas a única mulher ultraortodoxa a ser eleita para o Parlamento até hoje foi Tzvia Greenfeld, em 2008, pelo partido de extrema-esquerda Meretz. As ativistas reclamam que os parlamentares religiosos tradicionais não discutem questões femininas, como doenças causadas por muitas gestações (não é incomum famílias com mais de dez filhos). Há dois meses, elas tiveram esperança quando o Shas lançou a candidatura de Adina Bar Shalom, filha do fundador do partido, o mitológico rabino Ovadia Yossef, que morreu há um ano. Mas Adina — conhecida por suas obras de caridade — acabou recusando, afirmando que preferia “continuar a influenciar a sociedade de dentro de casa”.

Esty, uma ultraortodoxa moderna e desenvolta, que treina para maratonas mesmo morando em Bnei Brak, a cidade mais religiosa de Israel, não concorda. Em 2012, ela lançou, com colegas que pensam como ela, o grupo Não Concorrem, Não Votam, que ameaça boicotar os partidos ultraortodoxos caso eles não incluam também mulheres. Racheli Ibemboim, 29 anos, uma das líderes, afirma que o grupo vai cumprir a ameaça.

— Nossos votos irão para outros partidos. Mas vamos continuar com nosso objetivo, que é trabalhar em prol da comunidade, das nossas filhas, de outras mulheres — explica Racheli. — É uma corda bamba, um desafio, mas quero que mulheres como eu não precisem colocar as cabeças em guilhotinas, fechar os olhos e esperar que seus problemas passem.

Mulheres lançam partido

Racheli mora no mais conhecido bairro ultraortodoxo de Jerusalém, Meah Shearim, onde as regras de conduta são antigas e pouco flexíveis. Não há TVs ou computadores nas casas. Jornais, só os religiosos. O código de vestimenta e de comportamento é rigoroso. A própria Racheli só sai de casa com peruca para não mostrar o cabelo, além de cobrir totalmente braços e pernas. Mas, aos 24 anos, ela desafiou o status quo ao assumir a presidência da ONG de caridade Meir Panim. Acabou conhecendo Esty Shushan, outra feminista que pensa como ela.

— Quero que haja uma parlamentar ultraortodoxa. Uma mulher que, apenas com sua existência, fará uma mudança grande na nossa sociedade. Fará com que haja um recebimento do outro. Que os homens parem de pensar que mulheres não têm existência própria, que não podem tomar decisões — diz Esty Shushan.

Além do Não Concorrem, Não Votam, outras mulheres lançaram, há um mês, um partido político: U’Bezchutan (“E graças a elas”, em hebraico), formado só por ultraortodoxas. Para arrecadar dinheiro, expuseram a plataforma no site israelense de crowdfunding Mimoona, que arrecada recursos através do financiamento coletivo. A fundadora, Ruth Colian, de 33 anos, quase concorreu à Prefeitura de Jerusalém em 2013 pelo Shas, mas foi afastada da campanha por ser mulher.

— Depois de anos vendo pessoas talentosas sendo excluídas só porque são mulheres, decidimos parar de assistir do lado de fora. Nossa consciência não nos deixará continuar a manter silencio — afirmou Ruth durante o lançamento do partido, que, segundo as pesquisas eleitorais, não deve receber votos suficientes, pelo menos desta vez, para eleger parlamentares.

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