
No momento em que seu destino está em xeque diante de uma crise impiedosa e do descontentamento crescente nas ruas, a União Europeia bloco que reúne 27 países e meio bilhão de pessoas ganhou ontem o Prêmio Nobel da Paz "por mais de seis décadas de contribuição para o avanço da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos". Foi uma injeção de memória, sobretudo nos jovens europeus desiludidos com o projeto de união, que não percebem que o continente, na desunião, viveu período bem pior: a destruição em duas grandes guerras.
O presidente da comissão do Nobel da Paz e ex-primeiro-ministro norueguês, Thorbjoern Jagland, foi direto na mensagem política: "Esta é uma mensagem à Europa para que faça todo o possível para garantir que o que foi alcançado até agora siga adiante".
Numa entrevista em Oslo, ele alertou para o aumento de atitudes extremistas e nacionalistas e disse que "existe um perigo real de que a Europa comece a se desintegrar".
Cotada para o prêmio há muitos anos, a UE, em pleno turbilhão da crise, desbancou vários favoritos, entre eles o cientista político americano Gene Sharp, além de dissidentes russos e líderes religiosos.
Bruxelas, sede da UE, comemorou a reparação ao que muitos classificam de um "esquecimento histórico". O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, disse que a UE é "a maior pacificadora na História".
"Todos estamos muito orgulhosos de os esforços da União Europeia para manter a paz na Europa terem sido recompensados", disse Rompuy. "A Europa atravessou duas guerras civis no século 20 e estabelecemos a paz graças à UE."
"Encorajamento"
O ex-chanceler federal alemão Helmut Kohl, um dos artesões da criação do euro, também comemorou. Num comunicado, ele disse que o prêmio era um "encorajamento para continuar no caminho da Europa unida". Já o presidente da Comissão Europeia, o braço executivo do bloco, José Manuel Durão Barroso, disse que o prêmio era a prova de que a UE era "algo muito precioso".
O entusiasmo não foi compartilhado pelo premier britânico, David Cameron, que evitou comentar o assunto. Ele tem sido pressionado pelos eurocéticos do Partido Conservador a adotar um discurso linha-dura com Bruxelas.
O prêmio, ao mesmo tempo em que deu uma injeção de ânimo na imagem desgastada do bloco, acabou expondo as divergências que persistem sobre os rumos do continente unificado. O Nobel da Paz foi criado num país Noruega que hoje se revela profundamente anti-União Europeia. A Noruega rejeitou duas vezes, por referendo, as iniciativas para entrar no bloco (em 1972 e 1994), e uma pesquisa recente mostrou que 80% dos noruegueses se opõem à UE.
"Acho um absurdo!", reagiu Heming Olaussen, líder de uma organização que luta contra a adesão norueguesa ao bloco.
Vivien Pertusot, do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), em Bruxelas, defende a escolha do Nobel da Paz para a União Europeia (UE). Para ele, no momento de crise, o prêmio traz uma mensagem forte a todos os europeus: "não se deve, sobretudo, desistir".
"O prêmio é merecido porque envia uma mensagem a certos europeus que se esquecem de realidades da UE. A primeira realidade é todo o caminho que percorremos para a construção europeia. Construímos formações sólidas e positivas", diz.
"Eurocéticos" e autoridades criticam a premiação
Folhapress
Os críticos à implantação da União Europeia, chamados de "eurocéticos", reprovaram a concessão do Prêmio Nobel da Paz ao bloco de 27 países, anunciada ontem.
O tom das críticas foi especialmente em relação ao papel na solução dos problemas econômicos e na atuação dos emissários europeus em crises internacionais, como os conflitos internos na Líbia e na Síria e na guerra do Iraque.
Representante de um dos países da União Europeia, o presidente da República Tcheca, Vaclav Klaus, ironizou o prêmio, dizendo que era uma brincadeira de mau gosto.
"A atual União Europeia é uma comunidade quase ilegítima e onde a democracia e a liberdade se escondem em um canto", disse, em comunicado.
O vice-presidente do Parlamento da Noruega, Akhtar Chaudhry, disse que o comitê do Nobel mostrou que está fora do controle dos noruegueses. O país concede o prêmio e recusou duas vezes a entrada no bloco europeu.
Humor
O deputado holandês Geert Wilders, contrário à união, disse no Twitter que a decisão não foi feliz pelo momento financeiro pelo qual passa a Europa. "Prêmio Nobel para a União Europeia. No momento em que Bruxelas e toda a Europa está em colapso e na miséria. O que vem depois? Um Oscar para Van Rompuy?"
O líder do partido independente do Reino Unido, Nigel Farage, fez referência aos problemas ao criticar à escolha do comitê responsável pelo Nobel.
"Isso mostra como os noruegueses têm senso de humor. A União Europeia criou pobreza e desemprego para milhões e nos últimos dois anos causou animosidade entre os países do norte e do sul da Europa".
O ex-presidente da Polônia e Prêmio Nobel da Paz de 1983, Lech Walesa, também criticou o prêmio, dizendo que o valor em dinheiro de US$ 1,2 milhão (R$ 2,5 milhões) poderia ser entregue a um ativista individual. "Existem muitos casos de empenhos pessoais em todo o mundo", acrescentou.



