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Funcionário ajusta bola de decoração em edifício da Comissão Europeia, em Bruxelas, Bélgica | Valentina Petrova/AFP
Funcionário ajusta bola de decoração em edifício da Comissão Europeia, em Bruxelas, Bélgica| Foto: Valentina Petrova/AFP

Análise

Homenagem reforça a fragilizada proposta de integração

Reuters

Ganhar o Prêmio Nobel da Paz é um incentivo moral enorme para uma organização que recentemente teve uma experiência de quase morte e ainda não está totalmente certa de que esteja fora de perigo.

Ao destacar a realização central da União Europeia de assegurar a paz em um continente cheio de cicatrizes de guerra, os jurados do Nobel podem dar de volta ao bloco de 27 nações um senso de propósito que seus integrantes parecem ter perdido em seu cotidiano.

A UE ainda é um ímã de esperança e prosperidade para as democracias emergentes da Europa Oriental e dos Balcãs, mas não é amada pelos europeus tradicionais, cujo senso de pertencimento permanece nacional ou local, e não europeu.

A imagem do bloco entre muitos dos 500 milhões de cidadãos da UE tem sido manchada pela inacabada crise da dívida na zona do euro, que tem alimentado partidos populistas de extrema-direita e de extrema-esquerda em muitos países-membros.

O primeiro-ministro italiano Mario Monti pediu aos líderes da UE para realizarem uma cúpula especial para abordar "a reação contra a integração europeia" e o surgimento de suspeita e preconceito devido à gestão da crise.

Euro

A sobrevivência da moeda partilhada por 17 Estados da UE – o projeto econômico central da Europa – tem mostrado incertezas nos dois últimos anos. Os mercados financeiros perderam a confiança na dívida dos países periféricos problemáticos e duvidaram da determinação das autoridades europeias para manter o euro.

Isso agora parece estar assegurado, após o Banco Central Europeu ter prometido, no mês passado, comprar quantidades ilimitadas de títulos de curto prazo de governos a fim de derrubar qualquer tentativa de apostas no rompimento da moeda única.

Mas grande parte do continente enfrenta uma opressiva recessão e cortes em pensões, além de redução de direitos trabalhistas e de benefícios sociais, fatores que definiram há muito tempo um generoso modelo social europeu.

Interatividade

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No momento em que seu destino está em xeque diante de uma crise impiedosa e do descontentamento crescente nas ruas, a União Europeia — bloco que reúne 27 países e meio bilhão de pessoas — ganhou ontem o Prêmio Nobel da Paz "por mais de seis décadas de contribuição para o avanço da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos". Foi uma injeção de memória, sobretudo nos jovens europeus desiludidos com o projeto de união, que não percebem que o continente, na desunião, viveu período bem pior: a destruição em duas grandes guerras.

O presidente da comissão do Nobel da Paz e ex-pri­­meiro-ministro norueguês,­­ Thorbjoern Jagland, foi direto na mensagem política: "Esta é uma mensagem à Europa para que faça todo o possível para garantir que o que foi alcançado até agora siga adiante".

Numa entrevista em Oslo, ele alertou para o aumento de atitudes extremistas e nacionalistas e disse que "existe um perigo real de que a Europa comece a se desintegrar".

Cotada para o prêmio há muitos anos, a UE, em pleno turbilhão da crise, desbancou vários favoritos, entre eles o cientista político americano Gene Sharp, além de dissidentes russos e líderes religiosos.

Bruxelas, sede da UE, co­­­­­­­­­­me­­­­­­­­­­­­morou a reparação ao que­ muitos classificam de­­ um­­­­­­ "esquecimento histó­­ri­­co". O­­ pre­­­­sidente do Con­­se­­lho­­­­ Eu­­ropeu, Herman Van Rom­­­­­­puy, disse que a UE é "a ma­­­­ior pacificadora na His­­tó­­­­­­ria".

"Todos estamos muito orgulhosos de os esforços da União Europeia para manter a paz na Europa terem sido recompensados", disse Rompuy. "A Europa atravessou duas guerras civis no século 20 e estabelecemos a paz graças à UE."

"Encorajamento"

O ex-chanceler federal ale­­­­mão Helmut Kohl, um dos­­­­ artesões da criação do eu­­­­ro, também comemorou. Num­­ comunicado, ele disse que­­ o prêmio era um "encorajamento… para continuar no caminho da Europa unida". Já o presidente da Comissão Europeia, o braço executivo do bloco, José Manuel Durão Barroso, disse que o prêmio era a prova de que a UE era "algo muito precioso".

O entusiasmo não foi com­­partilhado pelo premier britânico, David Cameron, que evitou comentar o assunto. Ele tem sido pressionado pelos eurocéticos do Partido Conservador a adotar um discurso linha-dura com Bruxelas.

O prêmio, ao mesmo tempo em que deu uma injeção de ânimo na imagem desgastada do bloco, acabou expondo as divergências que persistem sobre os rumos do continente unificado. O Nobel da Paz foi criado num país — Noruega — que hoje se revela profundamente anti-União Europeia. A Noruega rejeitou duas vezes, por referendo, as iniciativas para entrar no bloco (em 1972 e 1994), e uma pesquisa recente mostrou que 80% dos noruegueses se opõem à UE.

"Acho um absurdo!", reagiu Heming Olaussen, líder de uma organização que luta contra a adesão norueguesa ao bloco.

Vivien Pertusot, do Insti­­tu­­to Francês de Relações In­­ternacionais (Ifri), em Bru­­xelas, defende a escolha do Nobel da Paz para a União Europeia (UE). Para ele, no momento de crise, o prêmio traz uma mensagem forte a todos os europeus: "não se deve, sobretudo, desistir".

"O prêmio é merecido por­­que envia uma mensagem­­ a certos europeus que se esquecem de realidades da UE. A primeira realidade é todo o caminho que percorremos para a construção europeia. Construímos formações sólidas e positivas", diz.

"Eurocéticos" e autoridades criticam a premiação

Folhapress

Os críticos à implantação da União Europeia, chamados de "eurocéticos", reprovaram a concessão do Prêmio Nobel da Paz ao bloco de 27 países, anunciada ontem.

O tom das críticas foi especialmente em relação ao papel na solução dos problemas econômicos e na atuação dos emissários europeus em crises internacionais, como os conflitos internos na Líbia e na Síria e na guerra do Iraque.

Representante de um dos países da União Europeia, o presidente da República Tche­­ca, Vaclav Klaus, ironizou o prêmio, dizendo que era uma brincadeira de mau gosto.

"A atual União Europeia é uma comunidade quase ilegítima e onde a democracia e a liberdade se escondem em um canto", disse, em comunicado.

O vice-presidente do Parla­­mento da Noruega, Akhtar Chaudhry, disse que o comitê do Nobel mostrou que está fora do controle dos noruegueses. O país concede o prêmio e recusou duas vezes a entrada no bloco europeu.

Humor

O deputado holandês Ge­­­­­­ert­­ Wilders, contrário à união, disse no Twitter que a de­­­­ci­­são não foi feliz pelo mo­­men­­to financeiro pelo qual­­ passa a Europa. "Prêmio Nobel para a União­­­­ Europeia. No mo­­men­­to em que Bruxelas e toda a Europa está em colapso e na­­ miséria. O que vem depois? Um Oscar para Van Rom­­puy?"

O líder do partido independente do Reino Unido, Ni­­­­gel Farage, fez referência aos­­ problemas ao criticar à es­­colha do comitê responsável­­ pelo Nobel.

"Isso mostra como os noruegueses têm senso de humor. A União Europeia criou pobreza e desemprego para milhões e nos últimos dois anos causou animosidade entre os países do norte e do sul da Europa".

O ex-presidente da Polônia e Prêmio Nobel da Paz de 1983,­­ Lech Walesa, também criticou o prêmio, dizendo­­ que­­ o valor em dinheiro de US$ 1,2 milhão (R$ 2,5 milhões) poderia ser entregue­­ a um ativista individual. "Exis­­tem muitos casos de empenhos pessoais em todo o mundo", acrescentou.

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