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  • Cenas de destruição: conflitos entre as etnias han, maioria no país, e uigur já deixaram 184 mortos na região de Xinjiang. Assutadas com a violência, milhares de pessoas deixaram as regiões de conflito nos últimos dias

São Paulo - Ao abandonar a cúpula do G-8 e assumir pessoalmente o controle do conflito étnico entre hans (maioria absoluta no país) e uigures (minoria étnica de origem muçulmana) na região de Xinjiang, o presidente da China, Hu Jintao, deixou claro o quanto a integridade política e econômica do país é relevante para a liderança comunista. A região, onde pelo menos 184 pessoas morreram no decorrer da última semana, integra as arrojadas metas de desenvolvimento para cinco anos definidas pelo governo em 2005.

Xinjiang, que está localizada no noroeste da China, transformou-se rapidamente em um dos polos da industrialização do país, para onde o governo tem transportado indústria de ponta e uma grande massa de mão de obra qualificada do grupo étnico majoritário han. Hoje autônoma, a região será ligada ao resto do país pelo extraordinário projeto de oito linhas férreas que cruzarão a China de norte a sul e de leste a oeste.

Além disso, Xinjiang tem grande importância estratégica. A província concentra petróleo, gás natural, metais e carvão, além de algodão, e, por consequência, a indústria têxtil. Também a região faz fronteira com Rússia, Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Afeganistão, Mongólia e com as conturbadas regiões do Tibete e da Caxemira.

De acordo com dados do governo chinês, a região de Xinjiang superou no ano passado, pela primeira vez, a província de Heilongjiang, no nordeste chinês, como a maior produtora de petróleo e gás natural do país. Xinjiang possui reservas estimadas em 20,8 bilhões de toneladas de petróleo e 10,8 trilhões de metros cúbicos de gás e substituiu Heilongjiang como a principal área estratégica para indústria de petróleo da China.

Conflitos

As riquezas naturais da região, a migração sistemática alimentada pelo plano de desenvolvimento e as diferenças culturais e sociais entre hans e uigures podem ser citadas como o pano de fundo dos piores incidentes de violência étnica ocorridos na China em anos. Os números oficiais de mortos, de 184, foram contestados por Asgar Can, vice-presidente do Congresso Mundial Uigur exilado na Alemanha. Ele disse ter sido informado de que 600 a 800 pessoas teriam morrido nos confrontos.

Assim como atribui ao dalai-lama os problemas relacionados ao Tibete, o governo chinês sinaliza ser Rabiya Kadeer, a responsável pela incitação ao conflito dos uigures. Kadeer, normalmente identificada como uma mulher de negócios uigur, vive atualmente nos Estados Unidos. Na China, já esteve na prisão, sendo acusada de separatismo. Ainda segundo o governo chinês, a rede extremista Al-Qaeda estaria treinando separatistas uigures.

No domingo, dia 5, segundo testemunhas, muçulmanos uigures deram início a um protesto pacífico que repentinamente tomou proporções violentas. Os protestos acabaram se transformando em conflito com os hans e somente a partir da terça-feira à noite, com pesada intervenção da polícia e soldados vindos de outras cidades, parecia entrar sob controle.

Vinte mil policiais e soldados foram enviados para a região. Mas na sexta-feira, tradicional dia de orações islâmicas, a tensão voltou à tona quando soldados do governo bloquearam o acesso às mesquitas em Urumqi com a intenção de evitar novos distúrbios.

Na reunião da noite de quarta-feira com o comitê permanente do Politburo, o grupo de governo de nove integrantes do Partido Comunista, encabeçado pelo presidente Hu, disse que a estabilidade de Xinjiang é "a tarefa mais importante e urgente" e que o governo vai "tomar medidas firmes contra crimes, dentre eles agressão, vandalismo, roubo ou incêndio" para manter a estabilidade.

Professor de finanças da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, Hsia Sheng explica que nos últimos cinco anos o crescimento da região tem alcançado dois dígitos. Entre janeiro a março deste ano, o crescimento na produção atingiu 6,5% em comparação ao mesmo período de 2008. Praticamente o mesmo ritmo de todo o país, que se expandiu à taxa anual de 6,1% no primeiro trimestre. Os investimentos em capital fixo aumentaram 32,8% no mesmo período e as vendas ao varejo ampliaram-se 17%.

Mas os esforços do governo para promover a industrialização da região acabaram esbarrando na questão da complexidade étnica da China, com potencial ameaçador ao ideal da unificação do Partido Comunista chinês.

Os cerca de 9,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão do território chinês abrigam mais de 50 diferentes grupos étnicos reconhecidos pelo governo, mas a predominância é da etnia han, da qual fazem parte mais de 90% dos mais de 1,5 bilhão de chineses.

Na província de Xinjiang, onde explodiu o conflito, vivem mais de 8 milhões de uigures, muçulmanos de origem turcomana, que há décadas acusam o governo chinês de discriminação. A partir dos mais recentes planos quinquenais de desenvolvimento da China, a região recebeu um elevado número de migrantes da etnia han, com melhor capacitação profissional do que a população local para colocar em prática o plano de crescimento acelerado do governo. Assim, aos uigures restaram os trabalhos menos qualificados, o que possivelmente acentuou a indignação da etnia com uma também discriminação social.

"Há uma diferença na renda per capita entre os chineses han e o grupo uigur em consequência de vários fatores históricos", disse Wu Fuhuan, diretor da Academia de Ciências Sociais de Xinjiang em artigo publicado pelo Financial Times.

Em São Paulo, o presidente da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico, Paul Liu, afirma que a quantidade de uigures na população da capital de Xinjiang, Urumqi, caiu de 80% antes do fluxo de migração para 40% hoje.

A eclosão dos conflitos entre uigures e hans teria sido motivada pelo estupro de uma mulher de 29 anos da etnia han em uma fábrica no mês passado. Hans indignados com o ocorrido teriam atacado uigures e a mídia estatal diz que dois foram mortos.

No decorrer da semana, possivelmente num esforço para manipular informações, a agência de notícias estatal chinesa Xinhua publicou uma entrevista com tal mulher, que qualificou o episódio como "um mal entendido". Ela teria entrado por engano em um dormitório da fábrica e, assustada com a presença de dois homens uigures, teria apenas soltado um grito.

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