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Apoiadores do presidente Faustin-Archange Touadéra aplaudem um concerto no partido político Mouvement Coeur Unis (MCU), Bangui, República Centro-Africana, 04 de janeiro de 2021.
Apoiadores do presidente Faustin-Archange Touadéra aplaudem um concerto no partido político Mouvement Coeur Unis (MCU), Bangui, República Centro-Africana, 04 de janeiro de 2021.| Foto: EFE/EPA/ADRIENNE SURPRENANT

As bandeiras da Rússia são levantadas nas ruas de Bangui, capital da República Centro-Africana. Os cartazes dos manifestantes dizem “É culpa da Otan”, enquanto se ouve “Vamos defender a Rússia até nosso último suspiro”.

Em 2018, os primeiros russos do grupo Wagner chegaram à cidade, na mesma época em que a França fracassou em um projeto de acalmar a guerra civil na região. Não demorou muito para Bangui assinar um acordo com a Rússia que estabelece o envio de cerca de 2 mil instrutores de guerra para formar um exército nacional. A organização russa é composta por mercenários que costumam se envolver em conflitos armados em diversas partes do mundo.

Conforme apurou o jornal francês Le Monde, moradores de Bangui recebem o equivalente a R$10 para participar de manifestações pró-Rússia - o que é considerado uma grande quantia para quem vive no segundo país mais pobre do mundo. A renda per capita na República Centro-Africana é de US$476,85. Como parâmetro, a renda per capita no Brasil é de US$6.796,84.

Com a presença do grupo Wagner na região, um outro movimento, composto por africanos, ganhou força:  a Galáxia nacional. Incentivados pela propaganda dos russos presentes na cidade, os manifestantes africanos chegaram a organizar uma invasão à embaixada francesa no país e a ameaçar soldados franceses que “ousassem andar pelas ruas da cidade”, segundo palavras do líder do grupo, Didacien Kossimatchi.

O discurso pró-Rússia, anti-OTAN, anti-ONU e anti-França é mantido pelo grupo Wagner e sustentado pelo oligarca próximo a Vladimir Putin, Evgueni Prigojine, conforme revela o Le Monde.

 Forças da Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas na República Centro-Africana, durante uma pausa nos combates, em 2021. Foto:  EFE/EPA/ADRIENNE SURPRENANT
Forças da Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas na República Centro-Africana, durante uma pausa nos combates, em 2021. Foto: EFE/EPA/ADRIENNE SURPRENANT

Invasão cultural 

Um monumento construído na cidade de Bangui escancara a invasão cultural russa na capital do país. São os personagens do primeiro longa-metragem de ação russo rodado na República Centro-Africana: O Turista, filme que conta a história de soldados russos salvando africanos.

No começo deste ano, também foi construído na capital um centro cultural russo, onde há aulas do idioma e outros monumentos expostos que homenageiam a antiga União Soviética. Existem também projeções de filmes russos e até mesmo um carrossel soviético para atrair as crianças.

As crianças de Bangui aprendem canções de ninar em homenagem aos mercenários russos. “Com a presença russa, em pouco tempo temos um bom resultado. Isso me faz querer segurar a bandeira para dizer obrigado à Rússia, obrigado ao presente Putin”, diz a letra.

Violência, ameaça e morte 

Para conquistar essa influência social e política, os mercenários precisaram tirar do caminho as pessoas que lutavam contra a invasão cultural. O embaixador da Rússia no país, Vladimir Titorenko, foi pressionado a deixar o cargo no ano passado e quem assumiu o controle do escritório foram os membros do grupo Wagner.

Os mercenários russos alcançaram tamanha importância na região que receberam homenagens das principais autoridades, entre eles o ex-primeiro ministro da República Centro-Africana, Simplice Mathieu Sarandji, e o atual presidente do país, Faustin-Archange Touadéra.

Com essa proteção política, o controle de informações chegou à imprensa. Em 2018, três jornalistas russos que investigavam sobre a presença dos mercenários no país foram mortos. O correspondente Orkhan Dzhemal, o documentarista Alexander Rastorguyev e o cinegrafista Kirill Radchenko estavam em um carro, à noite, rumo à gravação de uma reportagem investigativa quando foram atingidos.

As principais investigações sobre o caso foram financiadas pelo oligarca russo exilado e crítico do Kremlin, Mikhail Khodorkovsky. Em 2020, após a escuta de dezenas de ligações e verificação de mensagens, os pesquisadores concluíram que a morte dos jornalistas foi premeditada. Os investigadores encontraram evidências de cumplicidade entre os assasinos e um policial de Bangui, que estaria próximo ao local do crime.

No mesmo ano, a CNN publicou que esse policial teria uma relação estreita com um treinador de militares russos em Bangui.

Em abril de 2022, o diretor-geral da Unesco, Audrey Azoulay, fez um comunicado condenando os assassinatos e pedindo esforços das nações para que o crime seja esclarecido. “Peço às autoridades nacionais que não poupem esforços na investigação das circunstâncias deste ataque chocante e levem seus perpetradores a julgamento. É fundamental para a sociedade como um todo que os jornalistas possam cumprir sua missão de informar o público sem temer por suas vidas”, disse Azoulay.

Os responsáveis pelas mortes permanecem desconhecidos.

O que se sabe sobre o grupo Wagner 

Investigações internacionais estimam que cerca de dez mil pessoas já fizeram parte da organização. Em agosto do ano passado, uma reportagem da BBC teve acesso a um tablet perdido por um membro do grupo. O equipamento registrava a participação de milhares de mercenários na guerra civil da Líbia e dava indícios de que inúmeros crimes de guerra foram cometidos por eles.

A imprensa britânica conversou com dois formadores de militares do grupo, sob condição de anonimato. Eles informaram aos jornalistas que os mercenários que fazem parte da associação não são oficialmente contratados pelo grupo, mas por empresas de fachada, como se fossem trabalhadores de plataformas de petróleo ou profissionais de segurança.

Apesar de Moscou negar qualquer relação com a associação, um ex-mercenário ouvido pela BBC afirma que o Wagner é “uma estrutura que visa promover os interesses do Estado para além das fronteiras do país” e está ligada aos serviços inteligência russos.

Segundo analistas, a origem do grupo se deu a partir de uma outra formação privada de militares, o Slavonic Corps Limited, que atuou na Síria em 2013, mas foi derrotada. Depois disso, o ex-oficial do serviço de inteligência militar da Rússia (GRU), Dmitry Utkin, criou o grupo que empresta seu nome de guerra, Wagner.

Além de outras batalhas na Síria e na Líbia, os militares do grupo tiveram forte atuação ao lado de rebeldes ucranianos em áreas como o Donbass em 2014, região que teve os conflitos acentuados desde a invasão da Rússia na Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Isso pode explicar o fenômeno visto nas ruas de Bangui. Em um dos cartazes levantados pelos africanos nas últimas manifestações financiadas pelos mercenários, está escrito “A Rússia está salvando o Donbass”.

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