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Imigrantes ucranianos nos Estados Unidos fazem manifestação em frente à Casa Branca em março de 2014, para protestar contra a ocupação russa na Crimeia
Imigrantes ucranianos nos Estados Unidos fazem manifestação em frente à Casa Branca em março de 2014, para protestar contra a ocupação russa na Crimeia| Foto: EFE/Adrià Calatayud

Na semana passada, ao justificar na ONU a anexação das regiões ucranianas de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia pela Rússia, o embaixador russo nas Nações Unidas, Vasili Nebenzia, alegou que o povo da Crimeia, península da Ucrânia também incorporada após um referendo irregular em 2014, “tem vivido melhor desde então”.

Para comprovar seu argumento, Nebenzia citou investimentos que Moscou fez na região e que outros também devem ser realizados nas áreas incorporadas pela Rússia na semana passada.

O presidente russo, Vladimir Putin, utilizou em 2014 o mesmo argumento que usou agora para incorporar mais quatro áreas ucranianas: a Crimeia é uma região com mais laços culturais e étnicos com a Rússia do que com a própria Ucrânia. Em 1954, a península, então parte da Rússia, foi cedida para a República Socialista Soviética da Ucrânia. O líder soviético à época era Nikita Kruschev, sucessor de Stálin.

Nebenzia tem razão ao citar que a Rússia fez grandes investimentos na região, já que o governo de Vladimir Putin, disposto a demonstrar à população local que era mais vantajoso fazer parte da Federação Russa do que da Ucrânia, desenvolveu grandes projetos de infraestrutura na península.

Entre essas obras, foram construídos hospitais, novas rodovias, usinas de energia, linhas de transmissão e uma ponte de 19 quilômetros de extensão que liga a região à Rússia continental (e que custou US$ 3,7 bilhões), além de subsídios que somaram mais de US$ 10 bilhões.

Segundo a Bloomberg, a economia da Crimeia, que tem cerca de 2,5 milhões de habitantes, cresceu 23% nos cinco primeiros anos após a anexação.

Outra frente nessa estratégia de convencimento foi a educação: uma reportagem de maio de 2020 do Ucranian Weekly, jornal da comunidade ucraniana nos Estados Unidos, revelou que desde 2016 os russos haviam investido mais de 100 milhões de rublos (cerca de R$ 8,8 milhões) num programa para transformar crianças da região em “novos cidadãos” e “patriotas da Crimeia”.

Iryna Sedova, integrante do Grupo de Direitos Humanos da Crimeia, disse ao periódico que a iniciativa abrangia eventos, competições, concertos, acampamentos e aulas especiais aparentemente inofensivos, mas que na verdade teriam foco na “educação militar-patriótica” defendida por Putin, numa violação dos termos da Convenção de Genebra.

Essa doutrinação foi somada à Yunarmia, exército juvenil que “recruta” crianças a partir de oito anos de idade.

Dificuldades

Além dos gastos do Kremlin, o preço pago pela população local não foi barato. Nos meses seguintes à anexação, a Rússia fechou todos os bancos ucranianos da região, o que deixou muitas pessoas sem acesso a seus depósitos bancários, salários e pensões.

Apesar dos investimentos do Kremlin em energia, a suspensão do fornecimento por parte da Ucrânia e ataques de militantes ucranianos a linhas de transmissão que abasteciam a península geraram apagões durante os anos seguintes.

A tensão militar e a exigência de visto russo também comprometeram o setor de turismo na Crimeia, um dos motores da economia local, antes alimentado pela facilidade para que cidadãos dos Estados Unidos e da União Europeia (de quem não era requisitado visto) viajassem para a região.

O site Black Sea News informou que em 2019 a Crimeia recebeu 2,5 milhões de turistas, enquanto antes da ocupação russa a média estava em 4 milhões por ano. Na época da União Soviética, eram 8 milhões de turistas por ano (o Estado custeava totalmente ou em parte férias de funcionários e suas famílias na península). Para piorar, o setor depois foi fortemente atingido pela pandemia de Covid-19 e pela guerra na Ucrânia.

Outro duro golpe para a economia local foi o fechamento do Canal da Crimeia do Norte, abastecido com água do rio Dnieper, que divide o território ucraniano ao meio.

A medida, retaliação imposta pela Ucrânia em 2014, comprometeu a agricultura irrigada e gerou racionamento nos centros urbanos, já que se tratava da principal fonte de abastecimento da região: antes da anexação russa, 85% da água da península vinha da Ucrânia continental.

Logo no início da guerra da Ucrânia, em fevereiro deste ano, uma das primeiras ações da Rússia foi explodir a barragem que bloqueava o canal.

Uma reportagem feita pela Al Jazeera na Crimeia no ano passado mostrou que a inflação, a corrupção e a repressão a dissidentes desencadeada pelo Kremlin também faziam muitos habitantes que votaram a favor da entrada na Rússia em 2014 se questionar se havia valido a pena.

Com essas dificuldades, as sanções econômicas impostas à Rússia e a própria guerra, um terço dos entrevistados ouvidos pelo site Politico numa reportagem produzida em maio deste ano disse que planejava se mudar para a Europa ocidental nos meses seguintes.

“A guerra vai continuar por muito tempo. Não será uma história curta e isso nos preocupa”, disse um deles.

Em agosto, quando a Rússia sofreu grandes ataques na Crimeia, o conselheiro presidencial ucraniano Mykhailo Podolyak escreveu no Twitter: “Um lembrete: a Crimeia como uma região normal representa o Mar Negro, montanhas, recreação e turismo, mas a Crimeia ocupada pelos russos representa explosões de armazéns e alto risco de morte para invasores e ladrões. Desmilitarização em ação”.

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