Curitiba A onda de violência que abala Paris mostrou a desigualdade social e a pobreza em países ricos. Semanas atrás, o problema já havia sido exposto pelos incêndios criminosos que atingiram prédios mal conservados de Paris, em que costumam viver os imigrantes da África e do Leste Europeu. A passagem do furacão Katrina em Nova Orleans, nos Estados Unidos, revelou o drama dos milhares de cidadãos norte-americanos pobres e historicamente marginalizados. O problema tem diferentes raízes em cada país, mas sempre revela um certo grau de concentração de renda, falta de políticas de imigração e integração de estrangeiros, segundo os analistas.
Cerca de 15% da população do bloco europeu é considerada pobre e a taxa média de desemprego está na casa dos 9%, aponta o professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luís Edson Fachin. "Ainda é preciso ampliar o acesso ao sistema de saúde e educação. A exclusão social aos não-europeus é elevada." Fachin fala do que vê quando vai lecionar em universidades na Espanha e Itália.
O caso de Paris pode ser explicado pela situação econômica, social e política, analisa. Ele vislumbra a exaustão do atual quadro de representação política na União Européia (UE). Para ele, as diferenças ideológicas dos partidos estão cada vez mais mitigadas e a crise de legitimidade traz em seu bojo a quebra de confiança da população quanto à gestão das políticas sociais pelo Estado. "Isso se revela no aumento do índice de abstenções em pleitos em países como a Espanha."
Outro problema é a guetização em vez da integração social situação característica de sociedades sem porosidade social, avalia. "Os imigrantes estão à parte da sociedade européia." O bloco europeu vive "em interrogação" em relação ao seu futuro e precisa definir limites e possibilidades de imigração, destaca.
A UE enfrentou um teste institucional com a tentativa da ratificação da Constituição do bloco, e agora o impasse é de natureza política, como uma resposta ao bloco e crítica por não cumprir sua demanda social. "Os 55 milhões de habitantes da UE estão simbolicamente representados na onda de violência em Paris", considera.
Estados Unidos
O economista Ricardo Amorim, que mora em Nova Iorque há quatro anos, diz que é preciso dissociar pobreza e imigração. Nos EUA, por exemplo, a pobreza não é exclusiva dos imigrantes, uma vez que existe uma boa parcela de cidadãos norte-americanos pobres, analisa.
Lá para alguém ser considerado pobre não é preciso ter a renda tão baixa como no Brasil, explica. "Temos a falsa impressão, no Brasil, de que a pobreza nos países ricos é pequena." Mesmo com renda relativamente mais elevada, os pobres pagam pelos altos custos de serviços e tem gastos extras para se proteger das baixas temperaturas, aponta.
Nos últimos 15 anos aumentou a disparidade de renda nos EUA. "Mesmo nos locais mais prósperos, como Nova Iorque, estima-se 20% da população seja pobre."
No entanto, Amorim diz que a desigualdade social na União Européia é menor do que nos EUA, porque os governos europeus dispõem de mais benefícios sociais. "As diferenças culturais pesam mais na UE para as ondas de violência do que nos EUA."
Espanha e Portugal
Para o especialista em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), o espanhol Bruno Ayllón Pino, a situação na Espanha é diferente porque não há guetos que agrupam imigrantes, que vêm principalmente do norte da África e dos países do Leste Europeu. "A imigração de latino-americanos também vem crescendo. São quase 40 mil brasileiros que moram na Espanha. Muitos ficam primeiro em Portugal, mas escolhem a Espanha, pelas oportunidades, já que se trata de um país mais rico". A Espanha tem capacidade econômica para assimilar a força de trabalho dos imigrantes, comenta Ayllón.
Os imigrantes na Espanha são vistos como cidadãos que podem cooperar com o país e não como inimigos, diz. "É uma imigração necessária diante da queda do crescimento demográfico. Muitos imigrantes cuidam de idosos, por exemplo". O governo mostra-se propenso a regularizar os ilegais.
É preciso analisar o fator cultural e psicológico da imigração, ou seja, contrapor a rejeição da população aos imigrantes e o seu papel na economia local, diz. Historicamente países como França e Alemanha, por exemplo, não têm tradição de emigração, diferente de Portugal, Espanha e Itália, que estão mais abertos aos imigrantes, cita.



