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Especialmente depois do início do governo Lula, o Brasil passou a buscar com afinco um papel de protagonismo no cenário internacional. Tanto o ex-presidente quanto Dilma Rousseff não perdiam uma oportunidade para deixar clara a pretensão de fazer do país um membro permanente no Conwselho de Segurança. O Brasil assumiu cargos como o comando das forças de paz da ONU no Haiti e lançava candidatos aos mais importantes postos do sistema internacional – com algumas vitórias importantes, como a eleição, em 2013, de Roberto Azevêdo para a presidência da Organização Mundial do Comércio. Tanta ambição, no entanto, está esbarrando em um problema que não afeta apenas a diplomacia: o cobertor curto do poder público, após anos de gastança ilimitada.

Se o Brasil queria que a ONU reconhecesse e recompensasse a importância do país, agora está precisando lidar com o vexame do calote no Tribunal Penal Internacional. O órgão, que julga crimes contra a humanidade, é sediado na Holanda e faz parte do sistema das Nações Unidas, embora seja uma entidade independente. Pelas regras do tribunal, se o montante devido por um país é igual ou maior que a soma das contribuições correspondentes aos dois anos anteriores, perde-se o direito de voto. Foi exatamente o que ocorreu com o Brasil, cujo calote no TPI é de US$ 6 milhões (cerca de três quartos do passivo total do tribunal). É um valor até pequeno, na comparação com a dívida total do país na ONU: pouco mais de US$ 180 milhões, incluindo uma dívida com a Unesco que pode resultar na mesma punição aplicada ao Brasil pelo TPI.

O Brasil, no entanto, não é o único caloteiro, embora seja um dos maiores – só os Estados Unidos devem mais que o Brasil ao sistema das Nações Unidas. Com uma diferença: enquanto os norte-americanos já demonstraram em várias ocasiões que podem e vão agir à revelia da ONU (e, no caso da Unesco, interromperam unilateralmente os pagamentos por causa da admissão da Palestina entre seus membros), o Brasil precisa da entidade para suas pretensões de protagonismo internacional.

Ao vexame em escala global causado pelos calotes brasileiros na ONU e no TPI somam-se vários outros pequenos constrangimentos mundo afora. Embaixadas brasileiras em vários continentes – e algumas em países de grande importância, como Estados Unidos, Japão e Portugal – já escreveram ao Itamaraty alertando para o estado de calamidade em que se encontram seus cofres. Algumas representações não conseguem pagar contas básicas, como as de água e energia elétrica, estando sujeitas a cortes. Diplomatas no Benin tiveram de recorrer a velas e banhos de caneca. E o que está em jogo não é apenas a imagem do país, mas principalmente a capacidade de auxiliar brasileiros nessas regiões. A embaixada no Benin, por exemplo, é (ou deveria ser) o porto seguro mais próximo dos compatriotas vítimas de ataques dos jihadistas no vizinho Níger, onde duas igrejas brasileiras e uma escola foram destruídas. Depois da publicação de reportagens sobre a situação das representações diplomáticas, o governo informou que repasses haviam sido feitos.

A penúria de embaixadas e consulados até eclipsa, por alguns momentos, o maior problema da diplomacia brasileira: os critérios ideológicos distorcidos que caracterizaram a atuação externa brasileira nos últimos anos. O país é entusiasta de ditaduras latino-americanas, como a venezuelana e a cubana, e interferiu em assuntos internos de Paraguai e Honduras para defender aliados. No Oriente Médio e na África, o Brasil se absteve em votações contra líderes cujas atrocidades estavam fartamente documentadas – um dos casos mais escabrosos é o do sudanês Omar al-Bashir, que tem mandado de prisão expedido pelo TPI pelos massacres de Darfur: em 2006, o Brasil se absteve em uma votação no Conselho de Direitos Humanos da ONU, recebendo por isso críticas de entidades como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional.

A integração internacional, tanto por via comercial quanto pela via diplomática, é importante para o desenvolvimento de uma nação. No entanto, o que vemos é um Brasil ainda fechado comercialmente, com uma participação irrisória no comércio mundial, e que descuida de sua diplomacia quando escolhe mal suas alianças e dá vexames como os do TPI e das embaixadas à luz de velas.

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