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A morte do estudante Victor Hugo Deppman, 19 anos, em um assalto ocorrido na frente do prédio onde morava causou uma onda de manifestações a favor da redução da maioridade penal no Brasil. O assassino, identificado e apreendido, é um adolescente que estava a poucos dias de completar 18 anos, e que atirou na cabeça de Deppman apesar de o estudante não ter reagido. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, ele passará no máximo três anos em uma instituição para menores que cometem crimes – se tivesse feito a mesma coisa apenas alguns dias depois, estaria sujeito a pena de até 30 anos de prisão, consideradas as agravantes do motivo fútil e da impossibilidade de defesa.

Os defensores da manutenção do status atual, com a maioridade penal aos 18 anos, afirmam que discutir a mera redução no limite etário sem considerar todos os outros aspectos da questão penal brasileira é inócuo. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por exemplo, afirmou na semana passada, em nota, que a redução da maioridade penal "violenta e penaliza ainda mais adolescentes, sobretudo os mais pobres, negros, moradores de periferias" e "não soluciona o problema. Importa ir a suas verdadeiras causas, que se encontram, sobretudo, na desagregação familiar, na falta de oportunidades, nas desigualdades sociais, na insuficiência de políticas públicas sociais, na perda dos valores éticos e religiosos, na banalização da vida e no recrutamento feito pelo narcotráfico". Em entrevista à Gazeta do Povo, o psicólogo e professor da Faculdade de Direito da USP Alvino Augusto de Sá defendeu que "[a redução da maioridade] não resolve o problema, não ataca as causas do crime e só vamos punir cada vez mais. Do ponto de vista técnico, o enfrentamento é estudar os motivos". Eles têm razão em vários aspectos, inclusive sobre o fato de a mera redução da maioridade penal não resolver o problema da violência.

A prevenção da criminalidade, no entanto, se faz também de outras formas, com polícias bem equipadas, políticas eficientes de segurança pública, comprometimento da comunidade, redução da impunidade e um sistema prisional capaz de reeducar o detento. Mas outro aspecto da discussão sobre a maioridade penal – e que, a nosso ver, também tem profunda relevância – gira em torno do que deveria ser feito a respeito dos crimes efetivamente cometidos. O senso de justiça de uma sociedade é abalado quando, por exemplo, se sabe que o assassino de Deppman está sujeito a no máximo 10% da pena que alguém apenas três dias mais velho sofreria se condenado pelo mesmo crime.

Outros países, baseados na efetiva ligação que deve haver entre a capacidade de decisão do jovem e sua responsabilização pelas atitudes toma­das, adotaram patamares diferentes do brasileiro para a maioridade penal: 10 anos para Inglaterra e Suíça, 13 anos para a França, 14 anos para Alema­nha e Espanha; 15 anos para Finlândia, Suécia, Dina­marca, Noruega e Islândia; 16 anos para Portugal. Países como a Nova Zelândia adotam idades diferentes dependendo do crime – 14 anos para ofensas menores, 12 anos para crimes com pena máxima de 14 anos ou mais, e 10 anos para homicídio.

Um caminho para nortear a discussão sobre idade mais adequada para se determinar a maioridade penal propriamente dita é considerar que, na sociedade contemporânea, os jovens vêm iniciando sua vida adulta cada vez mais cedo. O próprio Estado brasileiro reconhece que, aos 16 anos, o adolescente já tem maturidade suficiente para votar e para se casar (respeitadas algumas exigências); há projetos de lei que permitiriam a obtenção da Carteira de Habilitação também com essa idade. Consideramos que, se o jovem pode contribuir para escolher o destino de seu país e assumir compromissos pessoais de grande magnitude com 16 anos, também pode ser plenamente responsabilizado caso cometa crimes. Mas a hora de reduzir a maioridade penal não é agora. Alterá-la deixando intactos todos os outros aspectos que envolvem o problema da criminalidade, especialmente a situação prisional, será uma medida contraproducente – por abortar todo o restante da discussão, na ilusão de que apenas essa mudança já dará resultados positivos – e que pouco fará por uma sociedade sem violência.

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