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Efraim Rodrigues

Alimento energético

As perguntas mais simples são as que fazem aparecer as ideias mais criativas.

Outro dia ouvi "Dá para plantar 300 hectares de feijão orgânico?" A pergunta ecoa o mantra de que faltaria comida se não usarmos herbicidas, fungicidas, inseticidas e bactericidas, e por isso mesmo vale a pena respondê-la com atenção. Há alguns anos eu pensaria comigo mesmo: "Mais um grande produtor querendo defender seu meio de trocar de caminhonete uma vez por ano, vamos mostrar alguns dados de contaminação de alimentos..."

A pergunta, no entanto, não é sobre qualidade do alimento (da qual tratamos nas duas últimas colunas), mas sobre quantidade, e veio quando a prosa era sobre o consumo de energia na agricultura. Já parou para pensar quanta energia a agricultura gasta? Não se limite ao diesel dos tratores e máquinas. Pense nas indústrias sintetizando nitrato (o nitrogênio vem do ar, mas precisa de muito combustível para se tornar sólido), que então monta no caminhão e roda o país inteiro até chegar às propriedades. Pense em todos os agrotóxicos consumidos, na água bombeada, no transporte, embalagem e refrigeração até o consumo final.

O presidente do Uruguai, José Mujica, há alguns meses perguntou o que aconteceria se os hindus tivessem a mesma taxa de carros per capita que a Alemanha. Ele deve ter escolhido a Alemanha para facilitar a conta, porque lá existe um carro por pessoa. Como a população da Índia é de 1,2 bilhão, a resposta é fácil. Se houvesse um carro por pessoa na Índia, só ela teria mais de um 1 bilhão de carros, dobrando a quantidade atual no planeta. Se você quiser prosseguir, os EUA têm cinco carros para cada quatro pessoas e a China tem 1,3 bilhão de pessoas. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para a agricultura. Para alimentar o mundo inteiro com o sistema norte-americano, intenso em energia, gastaríamos algo como 80% da energia disponível no planeta, e isto só para alimentação (veja a tradução do artigo da Science no blog http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com.br).

Então, a resposta para a pergunta lá do início é "sim", é possível ter grandes áreas de produção orgânica, em especial daqueles sistemas menos intensos em consumo de recursos. O único problema é que esta área não poderá estar toda junta, na mão de uma única pessoa, porque não haveria como controlar a explosão de pragas e doenças.

E agora sou eu quem pergunta: é possível para o mundo arcar com o gasto energético da produção agrícola convencional em mais que algumas ilhas ricas nos EUA e Europa?

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